Discurso durante a 216ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre as questões da demarcação de terras indígenas e do reconhecimento de comunidades quilombolas.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Análise sobre as questões da demarcação de terras indígenas e do reconhecimento de comunidades quilombolas.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2011 - Página 49172
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MEDIAÇÃO, CONFLITO, DEMARCAÇÃO, TERRAS, INDIO, QUILOMBO (SC), REGIÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), IMPORTANCIA, REVISÃO, DIREITO ADMINISTRATIVO, PROCESSO, POLITICA FUNDIARIA.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Meu caro Presidente Waldemir Moka, Srs. Senadores, Srª Senadora, nossos telespectadores da TV Senado e da Rádio Senado que nos acompanham nesta sessão de abertura, em uma semana de enormes desafios para todos nós. Temos matérias importantes, inadiáveis, entre as quais incluo o Código Florestal, a Emenda nº 29 e, por desejo do Governo, a DRU ou Desvinculação de Receitas da União. Assim é que esta segunda-feira já é uma sessão deliberativa.

            Estou ocupando hoje esta tribuna para falar sobre um tema de grande alcance social, histórico, cultural. Por isso, pela urgência que tenho, venho à tribuna para tratar dessas questões.

            Embora, nos últimos anos, o Brasil tenha acelerado o processo de demarcação das terras indígenas e também de reconhecimento de comunidades quilombolas, essa situação ainda não está de todo pacificada no País.

            No meu Estado, o Rio Grande do Sul, ainda existem divergências entre tribos indígenas que reivindicam suas terras com a legitimidade que lhes é concedida pela Constituição Federal, mas encontram famílias de pequenos agricultores que fixaram suas raízes nas mesmas terras, há muitas décadas, em alguns casos, há mais de um século até.

            Essa é uma situação muito delicada - em todos os aspectos, especialmente no da questão social -, em que as duas partes possuem parcela de razão, que deveria ser mediada pelo Estado por meio de órgão responsável por esse setor, como é o caso da Fundação Nacional do Índio, FUNAI, subordinada ao Ministério da Justiça.

            No entanto, os critérios que vêm sendo utilizados pela Funai para a demarcação das áreas indígenas têm causado conflitos entre as partes em diversos Municípios do meu Estado. Aparentemente, a Funai está usurpando competências que não tem, e, inclusive, violando dispositivos constitucionais e, em alguns aspectos, até lesando o próprio Direito Administrativo.

            Existem divergências em relação ao tamanho e à localização das áreas, e, em alguns casos, Presidente Waldemir Moka, até mesmo com a verdadeira ocupação das áreas por índios no passado.

            Para tratar desse problema, solicitei uma audiência com o Ministro da Justiça, Sr. José Eduardo Cardozo, não somente porque a Funai a ele está subordinada, está sob a sua responsabilidade, mas também por entender que essa é uma legítima questão de justiça e aquele é o Ministério adequado para tratar as questões de justiça.

            Mas, Srªs e Srs Senadores, Sr. Presidente, para a minha surpresa, não há espaço na agenda do Sr. Ministro da Justiça para receber um Senador da República que deseja tratar de um problema urgente e inadiável. E o meu objetivo, Presidente Moka, é exatamente evitar um banho de sangue na disputa por terra - e V. Exª sabe do ingrediente explosivo que está envolvido nessa matéria.

            Defendo, como sempre o fiz, o direito dos indígenas às suas terras, como determina a Constituição, e, da mesma forma, a demarcação das terras quilombolas. O que não pode ser feito é isso ser administrado de forma violenta, sem a presença do Estado para atuar como mediador nesse conflito. E essa omissão do Estado é inaceitável!

            Ao receber a resposta à minha solicitação, fui informada de que o Sr. Ministro José Eduardo Cardozo destacou um secretário - e não um secretário-geral ou um secretário executivo, mas um Secretário - para atender uma Senadora da República.

            Não há como não considerar essa atitude, Presidente Waldemir Moka, como um descaso, diante de questão de tamanha relevância. Não é, certamente, uma atitude republicana essa do Sr. Ministro da Justiça.

            Da mesma forma, não há como não questionar a importância que o Ministro atribui ao trabalho desta Casa, quando uma Senadora, que busca colaborar com a resolução de um problema gravíssimo de competência do Ministério, é recebida por um funcionário de segundo escalão, com todo o respeito que tenho pelos servidores da casa. Mas essa é uma questão institucional, é uma questão que diz respeito à própria relação entre os Poderes. E vou tratar de uma questão que diz respeito às questões sociais também e de justiça.

            Estou até, de certo modo, constrangida por essa iniciativa do Sr. Ministro.

            As divergências sobre a demarcação de terras indígenas no meu Estado, Senador Moka, podem transformar-se em um conflito social de proporções imensuráveis. Tanto os índios, que habitavam as terras antes da chegada do homem branco, quanto as famílias que estão naquelas localidades há gerações lutam por terra, que é a fonte da própria subsistência.

            No passado, já houve casos de confronto armado entre os índios e os agricultores, e eu não desejo isso. E a minha ação é exatamente para que haja uma mediação de pacificação nesses contenciosos, Sr. Presidente. Tenho a certeza de que o equívoco do Ministro José Eduardo Cardozo se trata de um erro de avaliação sobre os problemas existentes em localidades como Mato Preto, no Município de Getúlio Vargas, no norte do meu Estado.

            Em 2004, a Funai iniciou o processo de demarcação de uma área indígena nessa localidade de Mato Preto, com a criação de um grupo técnico para a realização do trabalho. Esse grupo entregou um laudo técnico ao presidente da Funai em 2009.

            As conclusões desse trabalho da Funai foram as de que, para a demarcação da reserva indígena que irá assentar 63 índios guaranis - vou repetir: 63 índios guaranis! -, é necessária a remoção de mais de 300 famílias de uma área de 4,230 mil hectares, que se situa nos Municípios de Erechim, Erebango e Getúlio Vargas, cidades que ficam a aproximadamente 350 km de Porto Alegre.

            Ali, o procurador que está atendendo essa questão, representando o Estado do Rio Grande do Sul, Sr. Rodinei Candeia, de excelente preparo técnico - é professor universitário -, encontrou lesão grave à Constituição e, inclusive, violação ao próprio Direito Administrativo. Encaminhou, como representante do Estado, à Funai, para reexame, e ao Ministério da Justiça, que recomendou, remeteu o processo para a manifestação da Advocacia-Geral da União, que o devolveu à Funai, pedindo que refizesse todo aquele processo. Isso prova que alguma coisa não está andando adequadamente e que há usurpação, sim, de poder em relação a essas demarcações.

            Situação semelhante, Sr. Presidente, ocorre nos Municípios de Sananduva e Cacique Doble, na região do Alto Uruguai, onde 74 famílias de cinco comunidades de pequenos agricultores estão ameaçadas de perder as suas propriedades com a criação da Terra Indígena Passo Grande do Forquilha, de 1,998 mil hectares.

            Essas comunidades vivem em um clima de tensão e intranquilidade, pois, antes mesmo da conclusão do processo administrativo de demarcação das terras e desapropriação, os índios já iniciaram a ocupação das referidas áreas.

            E, ainda por cima, de acordo com um manifesto produzido por entidades locais, tais ocupações estão sendo incentivadas e apoiadas pela própria Funai, que é o órgão que deveria estar intermediando, pacificamente, o conflito entre os pequenos agricultores e os índios.

            Imagino que esse problema não esteja acontecendo apenas no Rio Grande do Sul, pois existem tribos indígenas em todo o País. E eles têm o direito de estar nas suas reservas, nas terras que lhes pertencem, mas isso deve ser feito de forma adequada, com justiça e com mediação do Estado.

            Além disso, temos a questão dos quilombolas, que também reivindicam a demarcação de suas terras. No Município gaúcho de Maquiné, que fica na zona de Mata Atlântica, entre a serra e o litoral, famílias de agricultores e comunidades de quilombolas também travam uma disputa pela demarcação de suas terras.

            E é por isso que a ação do Ministério da Justiça, como mediador desse conflito, é urgente e inadiável, antes que eles se acentuem e algo muito grave aconteça. As partes estão sob tensão, e isso é muito perigoso para a própria segurança dos envolvidos.

            Também é necessária, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a construção de uma política de longo prazo, com a criação de comissão que avalie com precisão tais demarcações de terras indígenas e quilombolas, que hoje acontecem apenas de acordo com os critérios exclusivos da Funai, a qual tem se mostrado parcial nesse processo, gerando muita insegurança jurídica nas localidades em que atua.

            Srªs e Srs. Senadores, uma das principais riquezas culturais do nosso País, se não a principal, é a miscigenação do nosso povo. Poucos de nós, brasileiros, podem dizer-se oriundos de uma única etnia.

            O Brasil tem orgulho de ser formado por índios, negros, europeus e asiáticos. Todos os povos que aqui estavam ou imigraram para colonizar nossas terras foram fundamentais para a construção da identidade nacional e para o progresso do nosso País. Nenhum foi mais ou menos importante nesse processo. Todos os que participaram da construção do Brasil deram o máximo e o melhor de si, independentemente da sua origem.

            Devemos levar em consideração, Sr. Presidente, o fato de que o mesmo Estado que hoje pede a retirada das famílias para a demarcação de terras indígenas foi quem estimulou a vinda de imigrantes há duzentos anos, concedendo a eles o direito de propriedade sobre as terras que habitam.

            Essas famílias têm tanta tradição e apego às suas propriedades quanto os índios que hoje reivindicam os seus direitos, após terem deixado as localidades há séculos.

            Uma injustiça do passado não pode ser compensada com uma nova injustiça no presente.

            Também é necessário analisar as peculiaridades históricas e geográficas de cada região e de cada situação.

            No caso do Rio Grande do Sul, os índios e os negros não foram escravizados; conviveram em paz com os imigrantes europeus que vieram, principalmente, de Portugal, da Espanha, da Itália e da Alemanha.

            As propriedades rurais que estão sendo desapropriadas para a demarcação de terras não são latifúndios, mas, sim, pequenas propriedades destinadas à agricultura familiar. São, portanto, a garantia de sobrevivência de milhares de pessoas que retiram da terra o seu sustento.

            Precisamos acalmar os ânimos das populações envolvidas, prestar apoio, ouvir as pessoas e conhecer as realidades locais.

            A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado já iniciou esse processo. Fomos ao Rio Grande do Sul, onde realizamos uma grande audiência pública com indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. Isso aconteceu na Assembleia Legislativa do meu Estado no dia 21 de outubro deste ano.

            Foi uma participação surpreendente, que reuniu, no mesmo espaço, pequenos agricultores, quilombolas e lideranças indígenas.

            Naquele momento, estávamos em um esforço coletivo, não só a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, por minha iniciativa, mas também a representação da Câmara Federal, por iniciativa do Deputado Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira, que também trataram dessa questão. E, na Assembleia Legislativa, o próprio Presidente Adão Villaverde e o Deputado Edson Brum.

            Foi uma grande oportunidade para que todos pudessem manifestar-se de forma democrática, pacífica e organizada.

            Naquela ocasião, o Procurador do Estado Rodinei Candeia, a que me referi há pouco, declarou ter encontrado vícios de inconstitucionalidade e também atropelos ao Direito Administrativo nos processos de demarcação no Rio Grande do Sul, no caso tanto das áreas indígenas quanto quilombolas.

            Agora, é preciso que o Ministério da Justiça também faça a sua parte, mas se uma Senadora não é recebida pelo Ministro para pedir a intermediação federal a fim de evitar derramamento de sangue, imaginem, então, quando um negro quilombola, um índio ou um colono serão ouvidos naquele Ministério?

            Não foi, aliás, nada republicana a atitude do Sr. Ministro José Eduardo Cardozo. No final de semana retrasado, ouvi relatos dramáticos em Sananduva, já que os agricultores que pretendiam colher o trigo não puderam fazê-lo porque os índios os impediram. E, no Município de Charrua, o comerciante que fornece insumos aos índios que vivem da agricultura é vigiado pela Polícia Federal, como se fosse um fora da lei!

            O Ministro José Eduardo Cardozo precisa ser sensível a essa demanda. Aliás, precisa até seguir o modelo do Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que, acertada e corretamente, criou uma comissão especial para acompanhar essa questão, já que há interesse do Estado e dos Municípios envolvidos nessa matéria.

            Eu gostaria muito que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seguisse o exemplo tomado pelo Governador do Rio Grande do Sul, meu adversário político, mas de quem reconheço a correta atitude tomada na criação dessa comissão de mediação.

            É dessa forma que, republicanamente, nós políticos temos as condições melhores de resolver questões pertinentes que envolvem aspectos não apenas étnicos, de direitos humanos, mas, sobretudo, questões sociais o mais relevantes possível.

            É esse o meu pronunciamento, Sr. Presidente Waldemir Moka.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2011 - Página 49172