Discurso durante a 216ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação da violência e do sistema prisional no País; e outro assunto.

Autor
Vital do Rêgo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Vital do Rêgo Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Avaliação da violência e do sistema prisional no País; e outro assunto.
Aparteantes
Francisco Dornelles.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2011 - Página 49254
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, MOTIVO, VIOLENCIA, PAIS, COMENTARIO, RELAÇÃO, DEFICIENCIA, SISTEMA PENITENCIARIO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, POLITICA SOCIAL, POLITICA PENITENCIARIA, BRASIL.

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Paim. O meu Estado abraçou a história de V. Exª, outorgando-lhe o mais nobre título de um ser nascido na Paraíba, o de ser paraibano. É por essa e outras honrarias que V. Exª representa tão bem este Brasil do Rio Grande e da Paraíba.

            O encaminhamento que a sociedade brasileira dará ao problema do crime e da violência será, com toda certeza, um dos fatores mais críticos e mais relevantes na construção do Brasil que queremos no futuro. E, infelizmente, a situação da qual se parte é muito sombria.

            Inicialmente, é preciso questionar se a violência não teria chegado ao ponto de se haver banalizado entre nós. As estatísticas já não mais sensibilizam o ser humano, que antes se estarrecia com os números da criminalidade crescente.

            Os diversos crimes contra a vida representaram, nos últimos anos, a maior causa de mortalidade de origem externa, segundo os registros do Governo (Datasus), uma causa mais impactante até mesmo do que os acidentes de transporte.

            Por isso, o País ocupa um vergonhoso quarto lugar, entre todos os países, no número total de homicídios, e uma espantosa primeira colocação na estatística de mortes por arma de fogo.

            Paradoxalmente, os níveis de repressão não são insignificantes, como muitos pensam, e a população carcerária nacional somente é superada, hoje, em termos absolutos, pela população carcerária dos Estados Unidos e da China.

            Entretanto, as causas da violência são por demais conhecidas, destacando-se, entre elas, o brutal distanciamento de renda entre as classes que ocupam os polos opostos da pirâmide social, fenômeno que faz do Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

            Essa desigualdade não se manifesta somente na distância entre os respectivos níveis de riqueza, mas principalmente em oportunidades desiguais de melhora social e em perspectivas radicalmente opostas de realização pessoal, familiar e profissional, no futuro.

            Do ponto de vista da psicologia do crime, falta, sobretudo, no caso brasileiro, a sensação de punibilidade, ou seja, a percepção social de que, havendo crime, o criminoso será provavelmente identificado e terá seu mau comportamento punido em medida proporcional à gravidade do ato cometido. Essa é, em todo o mundo, a base psicológica da força social da lei. No Brasil, contudo, a sensação de impunidade é predominante, contribuindo fortemente para que as amarras de contenção legal operem de forma pouco efetiva no desestímulo à criminalidade.

            O sistema de justiça, por seu turno, é perverso, uma vez que claramente pune o crime do pobre, ou seja, do socialmente excluído, com muito mais frequência e eficiência do que pune o crime do rico, passando uma clara mensagem de que a culpabilidade é, no fundo, um problema de status social.

            Vejam, Srªs e Srs. Senadores, que essa realidade pode muito bem ser exemplificada pelo perfil de escolaridade dos detentos recolhidos aos diversos estabelecimentos prisionais no Brasil, onde o índice dos que cursaram ao menos o ensino médio não chegou a 8,6% de todos os presos, em 2009, enquanto os analfabetos e os que não concluíram sequer o ensino fundamental eram quase 61% da população carcerária nacional. É um dado estarrecedor!

            É um dado estarrecedor.

            Eu gostaria de repetir para o conhecimento da Casa: de toda população carcerária do Brasil, apenas 8,6% de todos os presos, segundo dados de 2009, têm algum índice de escolaridade ou pelo menos terminaram o ensino fundamental - 61% Senador Paim são analfabetos ou com ensino fundamental incompleto.

            Outro mecanismo importante na gênese da criminalidade, em nosso País, é o descrédito do aparelho policial aos olhos da população.

            Um importante estudo do Ipea dá conta de que, dos 28 milhões de possíveis ocorrências estimadas para o conjunto do território nacional, apenas 6,7 milhões chegaram de fato ao conhecimento das autoridades policiais, no ano de 2003.

            A subnotificação em média, da ordem de 70%, é um bom indício desse baixo nível de confiança, sendo ainda bastante significativo que a maior taxa brasileira tenha sido encontrada justamente na nossa região, a região Sudeste. Para os senhores terem uma ideia, esses dados do Ipea já tem pelo menos cinco anos. Há uma subnotificação da criminalidade, da notícia crime na ordem de 70%.

            Há, finalmente, um fator que considero relevante no amplo leque das causas que fomentam e que fermentam a violência no Brasil, fator esse no qual gostaria de me deter de modo mais pormenorizado, ao longo desta análise.

            Trata-se da participação que tem o próprio sistema prisional na formação do criminoso, na medida em que esse sistema não somente descumpre o seu papel, o seu objetivo - que é, segundo o primeiro artigo da Lei de Execução Penal, o de recuperar o preso -, mas também vem historicamente se constituindo numa verdadeira escola do crime.

            Evidência concreta disso é o fato de que o índice de reincidência prisional gira, hoje, em torno de 80% da população carcerária do nosso País, a depender da região. Algumas 70%; outras, 80%.

            E os motivos que levam a esse quadro não são difíceis de depreender, bastando consultar as estatísticas, ou ouvir alguns dos inúmeros relatos existentes acerca das condições em que operam os estabelecimentos prisionais brasileiros. Um índice de reincidência superior a 70% em média no País Senador Paim.

            Trata-se de um quadro marcado pela penúria, pela negligência e pela brutalidade; um verdadeiro circo de horrores que desmerece o conceito de cidadania que nosso povo se empenha tanto em construir; um espetáculo secreto, porque seu conteúdo envergonha a Nação e desmoraliza a própria autoridade constitucional, no tanto em que ela assegura, em disposições rasgadas pelos fatos, o respeito à integridade física e moral do preso.

            Dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, revelam que a população prisional brasileira atingiu 512 mil presos. Argumentou o Diretor do Depen, Augusto Rossini, por ocasião do VII Congresso Nacional de Alternativas Penais, ocorrido em outubro último, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em favor da necessidade de adoção de penas alternativas, nos frequentes casos em que a pequena gravidade do crime e o curto período da pena assim o recomendem.

            Assim, medidas alternativas podem e devem ser aplicadas pelo Judiciário para crimes praticados sem violência ou grave ameaça, a exemplo do uso de drogas, acidente de trânsito, abuso de autoridade, desacato, lesão corporal leve, furto simples, estelionato, ameaça, injúria, calúnia, difamação, dentre outros previstos na legislação.

            Isso, entre outros motivos, porque o sistema tem, hoje, um déficit estimado de 200 mil vagas. Nós temos mais de 512 mil presos e ainda há um déficit de 200 mil vagas no sistema prisional brasileiro, significando esse número um indicativo evidente da superlotação carcerária brasileira.

            Esse dado é especialmente grave quando se computam os mais de 160 mil presos detidos nas carceragens das delegacias de polícia, em regime irregular de detenção provisória, enquanto aguardam julgamento em condições absolutamente inaceitáveis.

            Mas, quando se fala do setor penitenciário, nem mesmo os números são confiáveis, uma vez que fornecidos de modo pouco rigoroso pelos Estados, sem sofrerem uma auditoria competente para qualificá-los e homogeneizá-los.

            Um dos maiores problemas do País, aliás, é o controle da execução penal, havendo casos frequentes em que o prazo de encarceramento é ultrapassado, por omissão da autoridade, em que as possibilidades de progressão da pena são ignoradas e até mesmo em que o cidadão, sem culpa formada, é esquecido num canto de prisão anos a fio.

            Quem não tem... V. Exª, que é presidente de uma das mais sensíveis comissões da Casa, a Comissão de Direitos Humanos, consegue dar altitude, dar altura... Eu queria, publicamente, nestes onze meses de mandato, dizer, meu querido Senador Dornelles, que o Senador Paim, consegue, talvez numa linguagem coloquial, fazer de um limão uma limonada, uma bela de uma limonada! Mas é a sua história que dá altitude, dá altivez aos cargos e encargos que ocupa. O senhor conseguiu um feito nesta Casa: dar uma visibilidade que não tinha à Comissão de Direitos Humanos, independentemente dos grandes homens públicos deste Senado e de Senadoras que por lá passaram. Mas apenas com um jeito de transferir a reunião para segunda-feira, conseguiu dar a essa Comissão uma visibilidade...

            E estou tratando de um assunto que certamente vou levar à Comissão de V. Exª, que é essa total desqualificação do sistema penal brasileiro. Passei seis meses estagiando dentro de um núcleo penitenciário e vi, já à minha época, 20 anos atrás, Senador Dornelles, como esse quadro está cada vez mais decomposto, esse tecido, essa malha social.

            Por isso é que conto com a atenção sempre presente de V. Exª, para que esses dados que eu trago hoje neste pronunciamento, nesta análise, possam ser vistos pela Comissão de Direitos Humanos, por conta de que o sistema penal brasileiro, o sistema prisional brasileiro é tudo, menos o que preceitua a Lei de Execução Penal: ressocialização do detento.

            Ouço o meu queridíssimo amigo, uma lenda viva nesta Casa, Senador Francisco Dornelles, já dizendo que, durante a sessão na Comissão Mista de Orçamento, da qual V. Exª faz parte, eu retirei um dos assuntos que têm o seu cuidado e a sua preocupação, para encaminhá-lo ao relator setorial do tema “Justiça e Poderes do Estado”, que é a respeito do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, que V. Exª me encomendou, como me encomenda todos os assuntos referentes ao seu mandato. Eu queria dar essa notícia a V. Exª, porque hoje mesmo tratei do assunto com o Senador Inácio Arruda.

            Ouço V. Exª a respeito dessa breve e modesta análise sobre o sistema prisional brasileiro.

            O Sr. Francisco Dornelles (Bloco/PP - RJ) - Senador Vital do Rêgo, não será exatamente esse o objeto do meu aparte. V. Exª cumprimentou - e faço também meus cumprimentos - o Senador Paulo Paim pela dimensão que ele deu à Comissão de Direitos Humanos nesta Casa e quero cumprimentar V. Exª pelo importante trabalho que está desenvolvendo na Comissão de Orçamento. O Parlamento nasceu para votar o Orçamento, a razão de ser do Parlamento é o Orçamento. Anualmente, os representantes do povo têm que se reunir e destinar e decidir o montante de recursos que o setor privado transferirá ao setor público, indicar os fatos cuja ocorrência levará aqueles que com eles têm relação de fazer o pagamento, discutir o destino dessas receitas e fiscalizar sua aplicação. É uma discussão extremamente complexa. Há muitos anos participo da Comissão de Orçamento e vejo as dificuldades que sempre se encontram para chegar ao entendimento. V. Exª está conduzindo essa Comissão com a maior maestria, está conduzindo com espírito muito aberto, com espírito muito democrático, procurando entender principalmente problemas regionais, compatibilizando os interesses do Poder Executivo com o Legislativo. Estou certo de que a peça orçamentária deste ano, que V. Exª está conduzindo, será uma das mais bem elaboradas que o País já conheceu. Por isso, ao chegar e ver V. Exª ocupando a tribuna, quis utilizar este aparte para trazer aqui meus cumprimentos sinceros, porque V. Exª vem realmente conduzindo com muita maestria, demonstrando competência e espírito público. Quero cumprimentá-lo pelo trabalho. Muito obrigado.

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - Agradeço V. Exª, Senador Dornelles. Mas quero lhe dizer que, partindo da sua história e da sua experiência tratando de Orçamento, V. Exª que é referência nesta Casa, esse reconhecimento aumenta a carga de responsabilidade, por força das inúmeras dificuldades que nós, na Comissão de Orçamento, estamos enfrentando para cumprir esse calendário que V. Exª conhece tão bem. É um calendário apertado, cujo jogo de interesse público na questão aumenta as tensões internas. V. Exª conviveu com isso quando relatou o Orçamento presidido pelo Governador e Senador José Maranhão, quando foi seu relator de receita, e tenho me valido muito de V. Exª, do seu estilo, da sua experiência, da sua memória viva, como disse agora há pouco, para dar cabo da missão que me foi delegada pelo meu Partido, o PMDB.

            Por isso, eu espero contar, nesta reta final, com a sua presença permanentemente ao meu lado lá na Comissão de Orçamento, ajudando o Senador Walter Pinheiro no Plano Plurianual, já que tem a responsabilidade de relatar o Plano Plurianual, ajudando o Deputado Federal Arlindo Chinaglia, nosso relator-geral, ajudando o nosso Senador Ricardo Ferraço, que é o Senador da área temática de agricultura e do Ministério da Pesca. Enfim, são relatores setoriais, que estão cumprindo, nos próximos dias, nas próximas horas, a difícil missão de compatibilizar as receitas que têm. E olhe que este ano as receitas foram triplicadas nas emendas coletivas que receberam: emendas de bancada e emendas de comissão.

            O nosso calendário é muito apertado, mas que diria ou que dirá o Brasil se não tiver um orçamento ao mundo? O que dirá o Brasil, Senador Dornelles, se o seu Congresso Nacional for incompetente de aprovar uma proposta de um relatório que desse dinâmica, mas estabilidade à Nação?

            A minha grande preocupação é quais são os interesses que, muitas vezes, conspiram contra o Orçamento, conspiram contra a execução orçamentária, porque são os mesmos interesses, Senador Paim, que conspiram contra o Congresso Nacional, a autoridade e a altivez do Congresso Nacional.

            Hoje me preocupa o fato, Senador Dornelles, com toda experiência e legitimidade da sua voz, de estar tocando essa missão com esses objetivos dentro desse curto prazo, quando eu vejo pouca ação conjunta para chegarmos a esse fim. Talvez a imagem do País... Ou certamente a imagem do País não será aquela que devamos colocar ao fim do mês de dezembro, quando aprovarmos, se Deus quiser e com a força deste Congresso Nacional, uma peça orçamentária que seja mais digna, mais próxima à Nação. E quero lhe dizer mais: o senhor me tem como um aprendiz na legislação complementar que está executando junto à nossa Comissão de Orçamento e à nossa Consultoria de Orçamento.

            Já procurei saber como andam os caminhos de uma legislação complementar da qual V. Exª já foi autor e está renovando essa autoria. Eu quero me acostar a ela, Senador Dornelles, porque somente com uma legislação complementar moderna de execução orçamentária nós teremos um Congresso mais altivo, mais ouvido e com maior personalidade.

            Os consultores de Orçamento estão concluindo a tarefa que V. Exª iniciou. Eu acho que é um grande tema para tratarmos no próximo ano.

            Senador Paim, com as minhas escusas pelo passar do tempo, quero renovar o apelo a V. Exª, que abraça negros, que abraça índios, que abraça brancos, que abraça minorias, que abraça todos neste Brasil, nesse mosaico brasileiro tão bonito que temos; que abraça as desigualdades, para torná-las menos desiguais. V. Exª abrace a causa do sistema penal brasileiro, abrace a causa do sistema prisional brasileiro.

            Nós estamos com esses números, que são estarrecedores. Eles são, pela própria natureza, inconfiáveis, mas ao mesmo tempo nos assustam. Uma das três maiores populações prisionais do mundo é a do Brasil. Temos 550, 560 mil presos encarcerados, 160 nas delegacias, 200 mil esperando uma vaga para se inserir nesse sistema. E o que esse sistema faz? Educa? Socializa? Reintegra o cidadão à sociedade? Não, absolutamente. Esse sistema me parece uma universidade do crime, uma universidade do crime - uma universidade do crime! E é por isso que trouxe esta análise a V. Exªs hoje.

            Estou muito preocupado com o caminhar, porque não vejo prioridade do meu Governo, que defendo com muita honra, mas prioridade de enfrentamento do Governo, do Congresso e do Poder Executivo, no sentido de encontrarmos soluções socialmente justas, legalmente aceitas e humanamente dignas para o sistema penal brasileiro.

            Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2011 - Página 49254