Discurso durante a 216ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento sobre o projeto de resolução que reduz a zero a alíquota interestadual dos bens e mercadorias importados do exterior.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • Posicionamento sobre o projeto de resolução que reduz a zero a alíquota interestadual dos bens e mercadorias importados do exterior.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2011 - Página 49257
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE RESOLUÇÃO, RELAÇÃO, REDUÇÃO, ALIQUOTA, ESTADOS, PRODUTO IMPORTADO, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ENTENDIMENTO, VOTAÇÃO, MATERIA.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, brasileiros que nos acompanham pela TV Senado, trago à reflexão uma matéria que tramita nesta Casa, matéria para a qual fui designado Relator na Comissão de Constituição e Justiça.

            Tenho acompanhado a tramitação desse tema porque julgo ser um dos temas mais relevantes, mais importantes e, por que não dizer, um dos mais estratégicos, vez que está relacionado com uma questão federativa. Ele tem tudo a ver com a necessidade de o nosso País buscar a prosperidade compartilhada com os nossos 27 Estados federados, sobretudo um país como o nosso, de dimensão continental, com tantas desigualdades, com tantos contrastes, e com a necessidade de cada uma das nossas regiões terem oportunidade para as suas comunidades, para os seus cidadãos.

            Eu me refiro ao Projeto de Resolução nº 72, de autoria do eminente Senador Romero Jucá, mas que naturalmente toda a sua inspiração tem sentido, tem origem, tem abrigo por parte do Governo Federal. Este projeto, que tramitava na Comissão de Assuntos Econômicos, a meu juízo, invade a prerrogativa, invade a necessária autonomia que os Estados federados precisam ter, subtraindo a governança dos Estados de, através de suas ações e de suas iniciativas, buscarem o seu desenvolvimento econômico, buscarem melhorar a condição de vida dos seus cidadãos.

            Deseja o referido projeto de resolução reduzir a zero a alíquota interestadual dos produtos importados. Nos últimos dias, ele tem ganhado, de certa forma, volume, frequência e presença no debate nacional, daí a nossa preocupação que esse projeto possa ser analisado, ser debatido e ser votado em regime de urgência. Não julgo ser razoável que um projeto que mexe com a vida de tantos Estados, com enorme capacidade de desorganizar e de inviabilizar os Estados Federados possa ser debatido, enfrentado pelo Senado Federal, sobretudo, considerando ser o Senado a Casa que representa a Federação brasileira.

            Esse é um projeto que eliminaria, com certeza, a necessária e a saudável competição fiscal que os Estados fazem entre si. Não, não defendo e não advogo, em hipótese alguma, guerra fiscal. Defendo competição fiscal. Aliás, como nas federações mais avançadas e mais evoluídas, assistimos nos protocolos e nos tratados internacionais que os Estados podem e devem competir entre si. Mas a Proposta de Resolução nº 72, do eminente líder do Governo, subtrai governança dos Estados federados; assim como faz o Governo Federal, também fazem os governos estaduais.

            Recentemente, e julgo que adequadamente, o Governo Federal, visando a distribuir, a aprofundar, a democratizar o acesso ao desenvolvimento, estabeleceu regime especial para que o Estado de Pernambuco pudesse ter a sua fábrica de automóveis. Também o Governo Federal estabeleceu regime especial para que o Estado de Pernambuco pudesse ter a sua refinaria, e louvamos essa iniciativa, porque se faz necessária a construção desses mecanismos para que os Estados possam construir um ambiente adequado e favorável na atração desses investimentos que são de fundamental importância.

            Mas não pode, não deve, não me parece razoável que um projeto de resolução que tramita aqui, nesta Casa, dê esse monopólio ao Governo Federal, subtraindo dos governos subnacionais, subtraindo dos governos estaduais a mesma capacidade de gerarem incentivos fiscais, para que o conjunto dos Estados brasileiros possa ver potencializarem-se as suas vocações e tudo aquilo que encontramos como vocação nos diversos Estados brasileiros.

            Esse é o caso de um desses incentivos fiscais que foram criados há mais de 40 anos. Aliás, foi criado mais ou menos no mesmo tempo em que o Governo Federal criou a Zona Franca de Manaus para o Estado do Amazonas: um extraordinário organismo, uma engenharia inteligente e necessária que tem permitido a geração de oportunidades para o Estado do Amazonas, que tem reduzido a pressão para que os amazônidas possam trabalhar na direção da manutenção e da conservação da floresta amazônica, que é um desafio de geração, que é um desafio de civilização.

            Nesse mesmo tempo em que foi criada a Zona Franca de Manaus, há mais de 40 anos, também foi criado, em meu Estado, no Espírito Santo, um sistema para desenvolvimento da atividade portuária. Nesse tempo, nosso Estado era basicamente sustentado pela economia rural, pela agricultura, pela atividade do café, que representava, à época, mais de 80% de todas as receitas tributárias e fiscais que o nosso Estado arrecadava. Ou seja, o Espírito Santo era um cafezal de ponta a ponta. Nas planícies e nas terras mais quentes plantava-se o café robusta e, nas terras mais frias, colhia-se, plantava-se e cultivava-se a lavoura do café arábica.

            Mas o café é um de ciclo sazonal e, naquela época, nós enfrentávamos uma crise muito profunda, com preços muito baixos do café, preços que não eram compatíveis para suportar o esforço e o trabalho de tantos trabalhadores, de tantas famílias, porque meu Estado é liderado, hegemonicamente, pela propriedade de atividade familiar, já nos anos 70, por conta de uma saudável herança que nós recebemos de nossos antepassados, de nossos ascendentes que vieram lá da Itália. Pois bem, em função dessa crise constante, muito mais do que uma crise conjuntural, era uma crise estrutural, nada mais, nada menos que 55% da lavoura de café do meu Estado do Espírito Santo foi erradicada.

            Isso se transformou numa crise sem precedentes em nosso Estado. O interior do meu Estado se viu mergulhado na ausência de oportunidades e alternativas. Foi naquele momento, inclusive, que pudemos perceber uma migração muito forte de muitos capixabas, que migraram para Rondônia, que migraram para a Bahia, que migraram para Minas Gerais, que migraram para Paragominas em busca de alternativas, porque 55% da lavoura de café foi erradicada.

            Como forma de nós encontrarmos uma alternativa para essa crise sem precedentes na história econômica do nosso Estado, a capacidade empreendedora do ex-Governador Christiano Dias Lopes, do empresário Graciano Espíndola, ao lado de outros empresários, colocou de pé o Fundo para o Desenvolvimento da Atividade Portuária como forma de diversificarmos a nossa economia. Esse fundo ficou adormecido durante muitos anos porque, durante décadas, o nosso País priorizou o conceito da substituição das importações e não tínhamos uma relação com o comércio exterior. Somente nos últimos anos, o nosso Fundap, o Fundo para o Desenvolvimento da Atividade Portuária do meu Estado, ganhou de fato uma consistência muito grande e o nosso Estado foi se especializando e se transformou, na verdade, numa grande plataforma de relacionamento com o comércio exterior.

            Somos hoje, talvez, proporcionalmente à nossa dimensão e ao nosso tamanho, o Estado com a economia mais internacionalizada do País. Um terço, Senador Paim, da nossa arrecadação, do nosso ICMS vem das relações com o comércio internacional, sobretudo com a importação. Desses recursos, 80% ficam distribuídos para os nossos Municípios. Esses recursos fundamentam a capacidade de investimento dos nossos Municípios.

            É verdade que, nos últimos anos, o País viu a sua importação aumentar muito. Na verdade, estamos também observando alguns críticos da tradicional indústria brasileira querendo responsabilizar os incentivos fiscais pelo aumento das importações e não temos qualquer tipo de divergência. Não é saudável para o nosso País que a gente continue nesse ritmo de importações. Precisamos acelerar as exportações, precisamos, sobretudo, exportar menos commodities e agregar valor às exportações.

            Agora, se não temos divergência nesse importante desafio, a divergência está localizada, sobretudo, quando se quer responsabilizar as importações e os incentivos fiscais por essa expansão nos últimos anos. Quando sabemos todos que 85% daquilo que estamos importando são bens intermediários, são insumos industriais, é combustível, são máquinas e equipamentos utilizados pela própria indústria como forma de mantermos o crescimento econômico. O que o Brasil está importando, portanto, não compete, é complementar àquilo que produzimos aqui. Se não for assim, não teremos capacidade de manter o ritmo e o crescimento econômico do nosso Produto Interno Bruto. Não há como expandir a produção, porque, na verdade, chegamos à conclusão de que a taxa de poupança do País é muito baixa. Isso faz com que as empresas não invistam, não se modernizem adequadamente para competir com o comércio internacional. Além do que, evidentemente, o câmbio está favorecendo, está estimulando de forma intensa as importações.

            Portanto, trata-se de matéria bastante complexa, não apenas no Espírito Santo, mas Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pernambuco, Ceará, enfim, um conjunto de Estados brasileiros buscou nos incentivos fiscais uma forma de desconcentrarmos o desenvolvimento econômico e social em nosso País.

            Por isso, Sr. Presidente, nós estamos chamando a atenção para a necessidade de refletirmos sobre uma matéria como essa, uma matéria que tem o sentido de subtrair, de retirar autonomia, de retirar a governança, de subtrair prerrogativa dos nossos governos e dos nossos Estados, mantendo apenas esse monopólio diante do Governo Federal. Nós defendemos que o Governo Federal tenha total prerrogativa, possa continuar fazendo os seus regimes para que a gente possa espraiar o desenvolvimento econômico e social em nosso País. Mas não seria justo, não é justo, aliás, não é legal. Acho que essa matéria vem acompanhada de um conjunto de vícios constitucionais.

            Esse é um debate que estaremos fazendo na Comissão de Constituição e Justiça. Espero, se Deus quiser, que possamos fazer esse debate com muita calma, com muita cautela, para que a gente não desorganize, para que a gente não inviabilize um conjunto de Estados que, como o meu, o Espírito Santo, se organizou, se especializou. Hoje, com base nesse esforço que nós estamos fazendo, nós não demos a volta por cima, mas estamos dando a volta por cima, Senador Paim.

            Nós chegamos ao Governo do Estado em 2003. Eu cheguei como Secretário da Agricultura. Chegou ao Governo do Estado o ex-Senador Paulo Hartung, que coordenou um trabalho extraordinário, e eu fui seu Secretário da Agricultura; depois, no segundo governo, Vice-Governador - foram oito anos de trabalho de domingo a domingo, para que nós pudéssemos reinventar as nossas instituições, para que nós pudéssemos refundar os valores e os conceitos da boa governança no Estado do Espírito Santo. Estamos, agora, enfrentando a questão dos royalties e, ao mesmo tempo, estamos enfrentando essa ameaça de termos subtraídos os nossos incentivos fiscais, que não vão apenas desorganizar o nosso Estado, mas vão inviabilizar o Espírito Santo.

            Por isso, eu trago ao Plenário desta Casa, aos nossos Senadores, a reflexão, para que tenhamos muita cautela, para que tenhamos muito equilíbrio, muita responsabilidade com o que vamos fazer. Por ser um tema tão complexo como esse, não me parece adequado que, nesta Casa, a Casa do Estado brasileiro, a Casa da união nacional, nós possamos tomar uma atitude com enorme capacidade de desorganizar e de inviabilizar os Estados federados.

            Portanto, eu chamo a atenção dos Srs. Senadores para a necessidade de aprofundarmos esse debate. Possivelmente na próxima quarta-feira, teremos uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça, e as teses serão, todas elas, debatidas. Não fugimos do enfrentamento, não defendemos guerra fiscal, mas defendemos competição fiscal, para que o Brasil possa ter oportunidade de se desenvolver e os brasileiros possam ter acesso à prosperidade compartilhada.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2011 - Página 49257