Discurso durante a 218ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a agenda das políticas públicas na área social do Governo Federal.

Autor
Armando Monteiro (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PE)
Nome completo: Armando de Queiroz Monteiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexão sobre a agenda das políticas públicas na área social do Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2011 - Página 50978
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA, POLITICAS PUBLICAS, GOVERNO FEDERAL, IMPORTANCIA, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, MELHORIA, INVESTIMENTO, GOVERNO BRASILEIRO, RELAÇÃO, INFRAESTRUTURA, SAUDE, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), EDUCAÇÃO, OBJETIVO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, POPULAÇÃO, AUMENTO, QUALIDADE DE VIDA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, PAIS.

            O SR. ARMANDO MONTEIRO (PTB - PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, solicitei hoje a palavra para trazer ao Plenário desta Casa um tema que julgo de suma importância, que é a agenda das políticas públicas na área social. No geral, essa é uma discussão polémica, que muitos restringem invariavelmente à falta de visão e de generosidade do setor público em proporcionar saúde, educação, segurança pública, previdência social e políticas de renda de boa qualidade para os cidadãos, aspirações em grande parte consagradas como direitos na Constituição de 1988.

            É fato que cada uma dessas áreas tem características próprias, exige olhar e foco específicos, mas é inquestionável o ponto que as une: a contradição entre as demandas crescentes da população e as limitações legais e financeiras do setor público. A coletânea de artigos intitulada Brasil: A nova agenda social, organizada pelos economistas Edmar Bacha e Simon Schwartzman, é a prova de que enfoques simplistas são insuficientes na busca de soluções para essa moderna agenda. Os autores nos oferecem um diagnóstico preciso dos problemas, expondo argumentos que são um convite à reflexão.

            Também merece análise cuidadosa o recém divulgado censo de 2010, retrato minucioso do novo perfil da sociedade brasileira. O crescimento econômico dos últimos anos, a melhor distribuição de renda, pessoal e regional, bem como os programas sociais praticados, como o Bolsa Família, levaram ao aumento do consumo dos cidadãos, mas não necessariamente à melhoria da qualidade de vida da população. Basta avaliar os resultados pela ótica das condições básicas de infraestrutura - especialmente saneamento -, educação e saúde à disposição das pessoas.

            Do retrato do IBGE, emerge igualmente a realidade de que o País está envelhecendo. Houve inquestionável aumento da população idosa e/ou aposentada, processo que traz em seu bojo a elevação dos custos privados e públicos da assistência, enquanto se reduz um fator de produção, o trabalho. A transformação demográfica do Brasil resulta na necessidade de equação de questão social e econômica muito complexa.

            Muitas das deficiências aqui apontadas são antigas, e é sabido que a correção do processo depende de esforço político. Há um passivo de séculos de falta de instrução e civilidade, e temos aí uma excelente oportunidade para nossas lideranças no Senado acolherem, de forma produtiva, esse debate. Oposição e Governo devem trabalhar de forma isenta de paixões.

            Caro Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Norberto Bobbio cunhou, com precisão, que essa é a era dos direitos, que se sofisticam com o amadurecimento das sociedades. Dar resposta a essas novas demandas é o dilema posto para todas as nações e, em particular, para o Brasil, que ainda enfrenta velhos dilemas sociais. Há sinais evidentes de que ainda não demos conta de nosso passivo social. Não por outra razão, a Presidente Dilma Rousseff elegeu o combate à miséria como prioridade. Mesmo ciclos econômicos virtuosos, como o que permitiu a emergência de uma nova classe média brasileira, trazem, em seu bojo, pressões e demandas por benefícios ampliados.

            E o setor público não pode mais se valer do aumento da arrecadação de impostos para fazer frente a esse processo. Nossa carga tributária aproxima-se dos 40% do PIB e é insustentável para o setor produtivo e demais segmentos sociais.

            A sustentação e o atendimento a essas demandas estão na razão direta da manutenção do crescimento econômico. Só isso impedirá a estagnação ou o retrocesso na gestão desses setores vitais. E todos sabem que o aprofundamento da crise global impõe riscos ao padrão de crescimento de nossa economia nos próximos anos.

            O fato de as políticas sociais serem hoje mais complexas do que no passado, requerendo conhecimento mais aprofundado e capacidade de gestão maior do setor público, impõe custos ainda maiores ao processo. Como dizem Bacha e Schwartzman, “administrar institutos de previdência para uns poucos privilegiados num país jovem era uma coisa; gerir previdência básica e complementar de forma equitativa para uma população que rapidamente envelhece é algo totalmente diferente”.

            

            O mesmo raciocínio vale para outras áreas: a redução da mortalidade infantil e o controle de doenças infecciosas são relativamente mais simples para o Poder Público do que proporcionar atendimento médico de qualidade à população adulta, além de mais caro. Não deixo de mencionar o acesso a medicamentos de última geração e tratamentos especilizados.

            Também os problemas de criminalidade e violência têm hoje outra magnitude, especialmente nas grandes metrópoles, se comparado ao passado. Na educação, também não é diferente, e a dinâmica das dificuldades é igualmente crescente: garantir ensino médio e formação profissional à altura das necessidades de modernização do nosso parque produtivo é bem diferente do que apenas ter de prover ensino fundamental e assegurar a formação convencional de professores. Garantir a incorporação de forma efetiva das pessoas ao mercado de trabalho é tarefa custosa e desafiadora.

            Há ainda a dimensão política a considerar. Enfrentar e contrariar interesses estabelecidos não é tarefa fácil para nenhum dos múltiplos atores envolvidos na equação das políticas públicas. O Governo Federal é o principal agente nas áreas de previdência social e políticas de renda, atuando diretamente na distribuição dos benefícios. Cabem à instância, em princípio, funções de regulação, monitoramento e avaliação de resultados, assim como a complementação financeira para os entes federativos que dispõem de menos recursos. Estados e Municípios cuja capacidade técnica e disponibilidade financeira variam enormemente respondem pelas áreas de educação básica, saúde e segurança.

            A participação do setor privado se dá de diferentes formas. No passado, considerando as áreas de saúde e educação, o vínculo se dava por meio de instituições de caridade sem fins lucrativos, como as Santas Casas e as escolas e universidades comunitárias ou católicas. Hoje, empresas nacionais e estrangeiras enxergam múltiplas oportunidades de negócios nessa nova agenda. A previdência social tem tradição de associações mútuas de pecúlio, substituídas, no presente, em grande parte, pela previdência complementar proporcionada pelo setor financeiro ou pelos fundos de pensão.

            Mesmo no caso de políticas diretas de transferência de renda, que não são da alçada do setor privado, a contribuição se dá por meio das obrigações criadas pelo salário mínimo e os encargos trabalhistas. O setor privado traz para as políticas públicas recursos, capacidade gerencial e flexibilidade que, muitas vezes, não se encontram no setor público.

            Sr. Presidente, nosso debate deve se dar a partir de foco estratégico.

            O Brasil precisa trabalhar para que a agenda social seja simultaneamente equânime, de modo a privilegiar o acesso dos mais pobres à seguridade social, e realista, ao reconhecer a restrição orçamentária. E não paramos por aqui. O processo necessita também de eficácia, para lidar com a complexidade das tarefas à frente, não esquecendo a premência de uma gestão responsável e consequente dos recursos públicos.

            O indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998, notabilizou-se pela diferenciação entre os conceitos de igualdade e equidade. Como intelectual, sempre se debruçou sobre a qualidade do capital humano e social, tendo como parâmetro as escolhas públicas e a liberdade econômica. Ele considera a igualdade como um valor moral, e a equidade, questão de justiça. A primeira seria um conceito abstrato e impossível de se materializar satisfatoriamente para todos. Já a justiça social busca corrigir desigualdades, que podem ser evitadas na distribuição das capacidades básicas, que são de responsabilidade social ou coletiva. A justiça distributiva é o princípio do qual se vale Amartya para separar as desigualdades das iniquidades. Essa é a questão-chave sobre a qual devemos nos debruçar e que deve ser o cerne na discussão da nova agenda social.

            O Estado só promove a equidade quando trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Mas, ao dar acesso igualitário a todos - seja em saúde, educação ou qualquer outro direito social básico -, o Estado acaba privilegiando os chamados “mais iguais”, ou seja, aqueles que conseguem o maior e melhor acesso aos serviços públicos ofertados - no geral, cidadão das regiões mais abastadas, das grandes metrópoles, que naturalmente já tem acesso a serviços de maior qualidade e de mais larga oferta.

            A Constituição de 1988 instituiu o acesso igualitário às ações e serviços de saúde. O termo “equidade” só aparece no art. 195, quando se refere à origem dos recursos da seguridade social, mas não há menção, por exemplo, quando se fala na prestação de serviços pelo SUS.

            Ao mesmo tempo, o art. 194 faz referência à seletividade dos benefícios e serviços da seguridade social em prol dos mais pobres.

            Como a saúde faz parte da seguridade social, pode-se interpretar que a seletividade se aplicaria a todos os setores que a Constituição considera sob o conceito de seguridade social (saúde, previdência e assistência). Esse é o raciocínio do economista André Medici, especialista no tema e um dos articulistas do livro de Bacha e Schwartzman. Para ele, a aplicação prática da seletividade parece estar no acesso aos benefícios assistenciais em que efetivamente existem condições de mérito específicas para receber o benefício, como ausência de renda, invalidez ou idade.

            Medici considera que, para os indivíduos, a saúde é um estoque, ou seja, a soma do patrimônio genético e da história de vida, que gera diferentes necessidades. Mas, sob a ótica dos serviços, é um fluxo. Ele conclui que indivíduos com o mesmo perfil socioeconômico deveriam ser atendidos igualmente, como define o conceito de equidade horizontal. Mas indivíduos com diferentes perfis devem ter acesso diferencial, dado que os mais pobres, como define o conceito de equidade vertical, necessitariam mais. Assim, o financiamento público à saúde seria distribuído a cada um segundo suas necessidades e de cada um segundo suas capacidades.

            É esse também o conceito sob o qual economistas liberais, como Milton Friedman, formularam a hipótese do imposto de renda negativo, base dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Como o mérito de receber uma transferência do governo deve estar associado à carência familiar e o acesso a um mínimo existencial, também em saúde o mérito de ter acesso universal e gratuito deveria estar associado à não cobertura da família por outros programas de saúde, como aqueles ofertados pela saúde suplementar.

            Nos últimos anos, a expansão dos programas de atenção básica, baseada nos princípios de igualdade, não foi suficiente para alcançar todos os pobres. Uma melhor articulação entre o SUS e o sistema de saúde suplementar seria condição primeira para aumentar a oferta, a fim de evitar duplicações e direcionar os recursos do SUS para quem mais precisa, como conclui o economista já referido.

            Sr. Presidente, caros companheiros, não vou neste momento me deter na avaliação profunda da nossa área da saúde ou mesmo na de educação. São muitos os aspectos a considerar, para tecer um quadro preciso do universo de problemas que afetam essas áreas.

            Mas não poderia deixar de considerar, para encerrar, a rápida mudança do nosso padrão demográfico, revelada pelo Censo, e que muda para um perfil de país desenvolvido, muito embora o Brasil ainda ostente renda per capita considerada baixa para as nações de Primeiro Mundo. Essa transformação tem inevitável impacto sobre nossa economia e as escolhas no campo social.

            Nosso desafio para alcançar a prosperidade e o progresso social será encontrar meios de fazer a renda per capita crescer simultaneamente ao aumento da razão de dependência, isso é o peso da população considerada inativa sobre a parcela ativa.

            O ritmo mais lento de crescimento populacional reduz o aumento da demanda por bens e serviços básicos, criando oportunidade de melhoria da qualidade de vida e preservação do meio ambiente. Mas tal processo impacta o crescimento econômico. Jorge Arbache, assessor da Pesidência do BNDES, abordou a questão em recente artigo no Valor Econômico. O economista mostra que o primeiro impacto é de ordem fiscal, uma vez que o crescimento do segmento idoso da população implica aumento das despesas com aposentadorias, pensões e gastos com saúde, pressionando a carga tributária e a capacidade de investimento do governo.

            Sabemos dos riscos desse processo, considerando que a previdência já opera com elevados e crescentes déficits. A combinação de baixa idade média da aposentadoria por tempo de contribuição com crescimento da expectativa de vida torna a equação fiscal ainda mais complexa.

            Um segundo desafio seria o da poupança. O envelhecimento da população tende a ser acompanhado por crescimento mais lento da taxa de poupança, já que se poupa mais durante a vida produtiva e menos na idade inativa. É preciso lembrar que o aumento da razão de dependência vai requerer mais recursos para a previdência, saúde e programas de atenção aos idosos, o que, por sua vez, requer aumento da taxa de poupança.

            Há ainda um terceiro aspecto relacionado ao processo da rápida desaceleração da taxa de crescimento do número de pessoas em idade para trabalhar, observada desde o início da década de 2000. Embora a quantidade de pessoas que ingressam hoje no mercado esteja em ascensão, esse movimento tem crescido em ritmo mais lento. Projeções apontam que esse total crescerá até 2020, e diminuirá em seguida. Esse fenômeno está por trás da crescente escassez de força de trabalho. A insuficiência de mão de obra, mesmo a pouco qualificada, já é uma realidade e tem contribuído para inibir investimentos. No presente, com o aumento da atividade econômica, o processo ajuda a explicar o aumento do salário real do setor privado e a queda do desemprego.

            Mas o Censo apontou uma janela demográfica de oportunidade. As informações sobre a evolução são ricas o suficiente para estimular providências imediatas com vistas a começar a adequar o País à nova realidade. A rápida mudança populacional expõe o risco de o Brasil evelhecer, meu caro Senador Paulo Paim, antes de enriquecer, perdendo o melhor momento para atingir o nível de desenvolvimento econômico e social próximo à média dos países europeus. Mas ainda não estamos nessa situação.

            Temos chance de acelerar o crescimento. Mas os dados do Censo indicam que vai encurtar o tempo disponível para isso. A população tende a estagnar por volta de 2040. O País despenderá menos então em novas escolas e infraestruturas voltadas ao atendimento da infância, mas terá que se dedicar mais aos idodos e às aposentadorias pagas por mais tempo e à área de saúde.

            Para concluir, Sr. Presidente. É preciso, portanto, acelerar o passo para fazer bom proveito desse ato demográfico favorável. E os problemas não são poucos: um sexto dos jovens entre 15 e 17 anos, não está na escola; a velocidade da expansão da rede de esgoto diminuiu na década que passou; o número de mortes violentas de homens jovens (20 a 24 anos) é o quádruplo do registrado entre mulheres, entre outros indicadores, que evidenciam enorme custo humano e desperdício de recursos e de potencial de desenvolvimento.

            Reverter esse quadro exige disciplina, competência e uma certa dose de ousadia, explorando novos ângulos e tendo o olhar mais focado e estratégico para os nossos velhos dilemas. Diria que devemos iniciar uma verdadeira revolução para o enfrentamento dessa agenda social.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2011 - Página 50978