Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, hoje, dos 111 anos da definição do território amapaense; e outro assunto.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Registro do transcurso, hoje, dos 111 anos da definição do território amapaense; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2011 - Página 51255
Assunto
Outros > ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, ASSINATURA, TRATADO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, SUIÇA, REFERENCIA, DEMARCAÇÃO, TERRA PUBLICA, ESTADO DO AMAPA (AP), COMENTARIO, HISTORIA, OCUPAÇÃO, REGIÃO.
  • REGISTRO, OCORRENCIA, MUNICIPIO, MACAPA (AP), ESTADO DO AMAPA (AP), ENCONTRO, COMISSÃO, FRONTEIRA, OBJETIVO, AUMENTO, PARCERIA, PAIS ESTRANGEIRO, GUIANA FRANCESA.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, todos que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, a data de hoje, 1º de dezembro de 2011, é uma data particularmente importante para o meu querido Estado do Amapá.

            Na data de hoje, há exatos 111 anos, era assinado, com a mediação da Confederação Helvética, na cidade de Berna, na Suíça, o chamado Laudo Suíço, em que a diplomacia brasileira, representada pela astúcia do Barão do Rio Branco, conquistou a deliberação por parte da Confederação Helvética que as terras localizadas entre os rios Araguari e Oiapoque eram de fato terras do Amapá.

            A data de hoje é, em particular, uma data importante para o Amapá e é uma data importante para o Brasil. O nosso mapa estaria incompleto se não fosse o acontecimento de 111 anos atrás.

            Mas esse acontecimento de 111 anos atrás, Sr. Presidente, não foi cunhado, traçado definido, delimitado pela letra do tratado de Berna. Ele foi definido, traçado, delimitado por uma epopeica luta de gerações que se estabeleceram naquela região antes denominada pelos portugueses de Capitania do Cabo Norte. Para entendermos a formação daquela região que define o mapa brasileiro como ele é hoje é importante considerarmos que essa região foi definida como brasileira não sem antes ter tido derramamento de sangue de brasileiros.

            Há uma obra, já citada aqui, de Afonso Arinos, com o título A Voz de Outro Sino, em que o ilustre, outrora Senador Afonso Arinos, mas também romancista e escritor Afonso Arinos dizia que Minas Gerais era um Estado brasileiro que jamais teve a tentação de não ser brasileiro, porque jamais teve sobre Minas Gerais qualquer busca ou qualquer tentativa de sua conquista.

            Do Amapá, nós podemos dizer que é um Estado brasileiro que se fez brasileiro pela luta e desejo, e o sangue de amapaenses de serem brasileiros. O Amapá está no Brasil pela vontade de ser brasileiro. Não foi o papel assinado em Berna, em 1º de dezembro 1900, não foi assinado com tinta de nanquim, com tinta de caneta. O papel assinado em Berna foi assinado com o derramamento de sangue de brasileiros. Por isso é importante destacar: a primeira ocupação europeia naquela região se dá com Vicente Yáñez Pinzón nos idos do final do século XV e início do século XVI. Ao entrar pela foz do Amazonas, Pinzón se impressiona com a dimensão do Amazonas e percebe - é este o momento em que ele pronuncia a célebre definição “Um mar de água tão doce só pode vir de muitas terras detrás dos montes” -, tem aí a primeira impressão de que as terras encontradas por ele não eram, de fato, ilhas localizadas no oceano, mas, concretamente, um continente inteiro. Vem aí a célebre definição de mar del agua dulce, a definição original dada ao rio que, com muita honra e orgulho para nós, banha a Capital do Amapá, Macapá, que é o rio Amazonas, o mar del agua dulce de Vicente Yáñez Pinzón

            Esse território não foi português sem a tentação de outras nações europeias. Os franceses lá procuraram estabelecer um forte; os holandeses por lá incursaram; os ingleses por lá também passaram. Foi necessário um acordo com a França, primeiro, de 1701, assinado em Lisboa, e depois, de Utrecht, de 1713, para definir as terras da então Capitania do Cabo Norte como terras portuguesas.

            No final do século XVIII, para ser consolidada a ocupação portuguesa naquela região, os portugueses constroem às margens do Amazonas e, depois, nos arredores daquela vila que chamavam de Estância das Bacabas, constroem, naquele momento, a Fortaleza de São José de Macapá, que vem a se consolidar como a maior fortificação portuguesa de todo o mundo.

            Esse Forte, ainda imponente, que é motivo de orgulho para todos nós, amapaenses, foi construído pelos portugueses com a primazia daquele que era, então, o maior engenheiro conhecido na Europa e no mundo, conhecido do século XVIII, que era o italiano Antonio Enrico Galuzzi. A obra da fortaleza de São José de Macapá demonstra a intenção concreta de o Império Português guarnecer a entrada do Amazonas.

            No início do século XIX, o questionamento dessa área pela França dá origem a uma nova definição sobre qual era o rio do Tratado de Utrecht, de 1713. A definição dos franceses era que o rio do Tratado de Utrecht ficava mais ao sul e não aquela definição prevista pelo Tratado de 1713, como era definido o rio de Vicente Yáñez Pinzón, o rio de L’Oiapoque, o então conhecido como rio Oiapoque. Essa indefinição sobre qual era, de fato, a fronteira com os franceses é responsável, a partir de nossa Independência em 1822, por um século de contestado na região localizada ao norte do Amapá entre os rios Araguari e Oiapoque. É o surgimento do chamado Contestado Franco-Brasileiro.

            Para tomar posse definitiva desse Contestado, os franceses incentivam inclusive a constituição de uma república na região: a República do Cunani, com brasão, com selo próprio, com capital, estabelecida e construída por portugueses, por franceses e com incentivo do Estado francês. A Constituição da República do Cunani é uma das iniciativas francesas de tomar, em definitivo, posse daquela região do Brasil.

            No ano de 1895, há a mais ofensiva iniciativa francesa: um grupo de corsários, liderados pelo capitão Lunier, avança pela vila do Espírito Santo do Amapá e promove lá uma chacina, assinando 95 homens, mulheres, crianças, e idosos. Não deixou de ter naquele momento... Não fizeram isso sem que houvesse a rebelião e sem que a Chacina dos Corsários tivesse a repulsa de brasileiros que lutaram contra os franceses naquela região e derrotaram a guarnição de corsários franceses, matando o líder dos corsários, capitão Lunier. Aí é lembrado o papel destacado e heróico de outro ilustre brasileiro, Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, que liderou a guarnição brasileira na luta contra os franceses em 1985.

            Foi essa chacina, Sr. Presidente, ou seja, foi o sangue de brasileiros, que disseram, naquele dia 15 de maio de 1895, que queriam que aquelas terras fossem brasileiras. Foi o sangue deles que tornou a tentativa de ocupação francesa um escândalo de repercussão mundial. Esse escândalo de repercussão mundial tem uma repercussão concreta: a necessidade de a chamada Região do Contestado ter sua controvérsia resolvida pela mediação da Federação Helvética.

            Esse escândalo, de repercussão mundial, tem uma repercussão concreta, que é a necessidade da chamada Região do Contestado ter a sua controvérsia resolvida pela mediação da Confederação Helvética. E aí é que entra a ação e a diplomacia brasileira, mais uma vez destacando o papel do Barão do Rio Branco. Mas o Barão não esteve nessa tarefa sozinho. Por isso, remonto a história desses 300 anos, para dizer que essa obra não poderia ter sido conquistada se não tivesse tido a chacina de brasileiros, se homens, mulheres e crianças não tivessem derramado o seu sangue na luta para serem brasileiros. Isso não teria ocorrido se não tivesse havido, e não há outra definição para isso, porque a definição de herói é aquele que tem coragem de fazer aquilo que outros não tiveram disposição de enfrentar. Então, não há outra definição para a guarnição brasileira que enfrentou os corsários franceses liderados por Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho. Não há outra denominação a dar a esses, tal qual não seja a de heróis brasileiros.

            Hoje, Sr. Presidente, faço questão de destacar essa data e repercutir, revisar, esses trechos da história, que é muito pouco conhecida, talvez, de todos os brasileiros, mas que é particularmente cara para nós, amapaenses, porque revela a nossa disposição de sermos Ente da Federação brasileira. Veja, mesmo com todo o abandono do Estado Brasileiro, do Império do Brasil no século XIX e mesmo depois de ter ocorrido uma chacina naquela região do país por parte de militares de uma nação estrangeira no final do século XIX, a região sofreu completo abandono durante toda a primeira parte do século XX até, em 1943, por obra de decreto do Governo do Presidente Getúlio Vargas, termos tido a criação do então, Território Federal do Amapá e a designação de um jovem de 31 anos de idade, então capitão da armada nacional, capitão do Exército Brasileiro, Sr. Janary Nunes, para ser governador do então Território Federal do Amapá.

            Por isso, essa é uma história que nos é particular e, na data de hoje, 1º de dezembro de 2011, cento e onze anos depois da assinatura do laudo suíço, cento e dezessete anos após a chacina da Vila do Espírito Santo do Amapá, em alusão a essa memória - e um povo não se conhece, um povo não se vê e um povo não pode ser visto quando não vê a sua história -, não poderia aqui deixar de fazer referência a essa data especial para nós, amapaenses.

            E faço essa referência, destacando o encontro da comissão transfronteiriça, que teve lugar, na última semana, em Macapá, e foi presidida pelo Governador Camilo Capiberibe. Foi um encontro importante entre autoridades brasileiras e autoridades francesas. Estiveram presentes o diretor do Departamento de Europa no Itamaraty, Embaixador Santiago Mourão; representantes da diplomacia francesa; o Embaixador da França no Brasil; autoridades do Governo amapaense; e autoridades do Departamento de Ultramar da Guiana Francesa.

            O encontro da comissão transfronteiriça, que transcorreu, na semana passada, em Macapá, foi um encontro importante para os amapaenses para restabelecermos uma relação que, para nós, é fundamental, que é a nossa relação com a Guiana Francesa. Vejam: essa relação, que, no passado, foi de conflito, de sangue derramado, uma relação de disparidade, a partir da década de 90, passou a ter, por parte de nós, amapaenses, e por parte também dos franceses, do Departamento de Ultramar da Guiana Francesa, uma compreensão de que nós e a Guiana Francesa temos mais similaridades para nos olharmos do que diferenças.

            A economia amapaense e a economia da Guiana Francesa são semelhantes. A nossa economia tem um peso importante no Poder Público: 44,8% da nossa economia é baseada nos serviços públicos. Na Guiana francesa, o papel do Poder Público na intervenção da economia é de 36,7%. Tanto o Departamento de Ultramar da Guiana Francesa quanto o Amapá são Estados jovens, em que mais de 50% de sua população tem idade abaixo dos 20 anos. Então, ambos são regiões de Estados jovens. O nosso território é maior que o território francês, o Departamento de Ultramar da Guiana Francesa. Nós temos 142 mil km2 e a Guiana Francesa tem 83 mil km2. Nós temos uma densidade demográfica maior que a dos franceses, temos uma população maior que a deles e temos muitos brasileiros vivendo e trabalhando na Guiana Francesa, sendo a ampla maioria desses brasileiros amapaenses.

            Nós chegaremos, até 2030, a quase um milhão de habitantes. Teremos um salto demográfico, cumprindo uma média nacional de sermos maiores que os demais Estados da Federação brasileira.

            Temos uma balança comercial de exportação maior que a dos franceses e temos um porto melhor que o dos franceses. Temos também um Produto Interno Bruto melhor que o deles, mas temos, lamentavelmente, uma renda per capita menor que a renda per capita da Guiana Francesa.

            Mas tem algo que nos aproxima: a Guiana Francesa está na periferia da França, e nós, no Amapá também, muitas vezes, somos esquecidos aqui, por Brasília, pelo poder central da União, pelo poder central do Brasil. A Guiana está separada pelo Atlântico da França continental, e o Amapá está separado do restante do Brasil pelo enorme rio de Vicente Yáñez Pinzón, o “Mar Del Agua  
Dulce”, o rio das Amazonas.

            Enfim, essas distâncias geográficas são razões que nos aproximam. Nós podemos desenvolver a tecnologia de back-bone junto com a Guiana Francesa ou podemos trazer fibra ótica da Guiana Francesa, para ampliarmos nossa cobertura de banda larga, que, no Amapá, é uma das menores, ou melhor, é a menor do Brasil. Nós poderemos fornecer energia elétrica de qualidade para a Guiana Francesa com a nossa ligação com o linhão de Tucuruí, enfim, nós temos mais razões para nos olharmos com os nossos irmãos da Guiana Francesa, superados os traumas do passado e estabelecidas as fronteiras, seja a francesa, seja a fronteira brasileira, a fronteira do Estado do Amapá, a fronteira sobre o rio Oiapoque.

            A nossa proximidade geográfica - e daqui a pouco tempo, a conclusão da BR 156, que ligará até o Oiapoque, e com a ponte binacional sobre o rio Oiapoque, que nos ligará com a Guiana Francesa, que possibilitará, pela via terrestre, a chegada até Caiena, até o platô das Guianas e até a República Bolivariana da Venezuela - possibilita a construção de um mercado comum de integração das nossas economias. É esse o desafio. Se, no passado, tivemos um conflito que foi definidor das nossas fronteiras, de que nós muito nos orgulhamos, o presente é de exaltar essa necessidade de aproximação cada vez maior entre nós e a Guiana Francesa, e de cooperação pelos interesses comuns que temos.

            Eu queria concluir, Sr. Presidente. A minha intenção era fazer, no dia de hoje, 1º de dezembro de 2011, um pronunciamento aqui da tribuna do Senado única e exclusivamente para fazer alusão ao 1º de dezembro, ao passado de conflito que tivemos com a França, ao futuro que queremos ter de cooperação, e fazer alusão ao encontro da Comissão Transfronteiriça que tivemos na semana passada.

            Mas eu não posso encerrar este pronunciamento sem emitir aqui uma nota triste. A minha nota triste, aqui, vai para lamentar a postura do Ministério das Minas e Energia na manhã de hoje para com o Amapá.

            Hoje pela manhã eu estive, acompanhado do Senador Capiberibe, do Governador do Amapá, Camilo Capiberibe, ...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) -...- já concluo, Sr. Presidente -, do Deputado Sebastião Rocha, do Deputado Evandro Milhomen, do Deputado Luiz Carlos, estivemos, imaginando que teríamos uma audiência, com o Ministro das Minas e Energia para tratar de um tema importantíssimo para o Amapá, que é a situação da nossa Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), que se encontra em uma condição de insolvência, devido às seguidas temerárias administrações, mas que tem, da parte das autoridades do Amapá, a disposição para resolver a situação.

            Tivemos a informação de que seríamos recebidos pelo Ministro das Minas e Energia. Ao chegarmos ao Ministério das Minas e Energia, qual não foi a nossa surpresa: quem veio nos receber foi o Secretário Executivo. Seria compreensível e entendido se o Ministro não estivesse presente no Ministério. Nós tivemos a informação, depois, que o Ministro estava no Ministério e não quis receber, claramente, o Governador de um Estado federado, dois Senadores, ou seja dois terços da bancada aqui no Senado deste Estado federado, e boa parte dos Deputados Federais que compõem a representação do povo deste Estado aqui na Câmara Federal.

            Essa não é a postura de um Ministro de Estado. Esse não é o tratamento digno dispensado ao Amapá. Esse desrespeito, esse destratamento, eu quero levar em consideração não como um desrespeito para com um, dois Senadores, um, dois ou três Deputados Federais, ou para com o Governador. Foi um desrespeito que ocorreu com o Amapá e com a necessidade que tem o Estado de resolver a situação da Companhia de Eletricidade do Amapá. Coincidiu que foi no 1º de dezembro, data em que o Amapá fez questão de dizer que é Brasil. Não poderiam, na data que o Amapá fez questão de dizer que é Brasil, em que amapaenses deram o seu sangue para ser Brasil, as autoridades do Amapá terem sido destratadas dessa maneira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2011 - Página 51255