Pronunciamento de Aloysio Nunes Ferreira em 05/12/2011
Discurso durante a 221ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reflexões sobre o direito de greve dos servidores públicos.
- Autor
- Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
- Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
- Reflexões sobre o direito de greve dos servidores públicos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 06/12/2011 - Página 51700
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
- Indexação
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- CRITICA, AUSENCIA, REGULAMENTAÇÃO, LEI FEDERAL, DIREITO DE GREVE, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, COMENTARIO, REFERENCIA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PROPOSTA, ORADOR, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, CRIAÇÃO, LEI DE GREVE, SERVIDOR.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho à tribuna hoje para comentar uma proposição de minha iniciativa que trata de um dos temas mais delicados, uma das questões mais melindrosas da nossa ordem jurídica. Trata-se do direito de greve dos servidores públicos, garantido pela Constituição por uma norma que tem a sua eficácia contida pela inexistência de lei que essa própria Carta exige para que ela tenha total vigência e eficácia.
A Constituição de 88, Sr. Presidente, como todos sabemos, garante o direito de greve aos trabalhadores, inclusive aos servidores públicos, condicionando o exercício deste direito a uma lei.
Ora, passados 23 anos da promulgação da Constituição de 88, nós até hoje não temos uma lei para disciplinar o exercício do direito de greve do servidor público, 23 anos. Veja V. Exª, Sr. Presidente, que não se passou nem um ano da promulgação da Constituição e já o Congresso editou uma lei, a Lei 7.783, de 28 de junho de 89, disciplinando o direito de greve dos trabalhadores do setor privado, mas do setor público não. Essa inexistência, esse vazio legal cria empecilhos para o exercício desse direito, que encontra-se numa zona cinzenta, não há regras e frequentemente os trabalhadores não sabem como proceder e muito menos o Poder Público, que faz o papel, no caso, de empregador. Além de mitigar o exercício do direito de greve, a inexistência da lei dá margem a que muitas vezes esse exercício se desvirtue em abuso.
Fala-se nos últimos dias, inclusive em greve de juízes. Ora, os juízes são titulares de um Poder do Estado. Existem características peculiares do trabalho no âmbito do serviço público que tornam efetivamente a tarefa de disciplinar o exercício do direito de greve uma tarefa delicada. Em primeiro lugar, porque existe o princípio administrativo de base constitucional da continuidade dos serviços públicos, que não devem sofrer interrupção de continuidade. Ora, a greve, por definição, é a interrupção de uma determinada atividade laboral.
Outra dificuldade é que na greve do serviço público opõem-se, diante da inexistência, da impossibilidade de uma composição amigável, de um lado, os patrões e, de outro lado, os empregados. É uma oposição entre o capital e o trabalho.
A greve é uma forma de o trabalhador pressionar o patrão, fazendo com que, cessando o trabalho, cesse a produção e, portanto, cesse a geração de lucro, da renda do capital.
Ora, diferentemente, no caso do serviço público, o patrão é o governo, qualquer que seja o nível do governo - municipal, estadual ou federal -, mas quem paga a conta e quem sofre as consequências da interrupção da prestação de serviço é o público em geral, o contribuinte, que muitas vezes, não tem rigorosamente nada a ver com o conflito instaurado.
Além disso, outra complicação, a remuneração dos servidores públicos está sujeita, é condicionada por leis cuja iniciativa compete aos chefes dos Poderes Executivos, ou às autoridades da cúpula dos poderes, conforme o caso, e essas leis são condicionadas, balizadas...
O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Sr. Presidente, pela ordem, Sr. Aloysio.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Pois não.
O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - É uma rápida interrupção, apenas para avisar que nós estamos recebendo a visita muito ilustre do Governador de Massachusetts, que vem com uma comitiva de Harvard, MIT, Cambridge, para nos visitar no Senado. Vão à Comissão de Ciência e Tecnologia e vêm aqui para fazer parcerias em inovação, ciência e tecnologia. Ele chama-se Deval Patrick.
Muito obrigado.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Waldemir Moka. Bloco/PMDB - MS) - Nós queremos, em nome da Mesa, desejar boas-vindas ao Governador de Massachusetts.
Sejam bem-vindos V. Exª e sua comitiva.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Obrigado.
Bem-vindos. Também quero desejar que tenham uma feliz estada entre nós as autoridades de Massachusetts.
Eu dizia, Sr. Presidente, que há um conjunto de dificuldades que não se pode subestimar ao se tratar desse tema, o tema da disciplina do direito de greve dos servidores públicos.
Em consequência disso ou de outras circunstâncias, do peso das corporações, verificamos que há certa tendência a deixar que as coisas mais difíceis se resolvam pelo tempo, o fato é que nós não temos essa lei. E o Parlamento não pode se eximir de editá-la. Há outras iniciativas, tanto na Câmara quanto no Senado, e já passou da hora de se estabelecer um processo decisório com vistas à conclusão das tramitações, e a minha contribuição é o projeto de lei que apresentei na semana passada, e ao qual me refiro hoje, para que possamos, realmente, cobrir esse vazio legal.
A lógica das decisões individualizadas do Poder Judiciário ou das decisões que têm sido tomadas aqui ou ali ao sabor das circunstâncias leva a alguns problemas graves. Em primeiro lugar, a assimetria entre elas. Algumas categorias são tratadas de uma forma, outras diferentemente.
A diferença de tratamento dos Entes Federativos. Há uma desconexão em relação a temas importantíssimos, essenciais ao debate como, por exemplo, o tempo necessário à comunicação dos órgãos interessados antes da deflagração da greve.
Outra questão tormentosa: a questão dos dias parados, face ao princípio da continuidade nos serviços públicos, como disciplinar o percentual mínimo de servidores que deve ser destacado para assegurá-la? Será esse percentual mínimo homogênio em todos os setores da Administração, ou em determinados setores deve-se exigir um nível mais elevado pela sua essencialidade?
O fato, Sr. Presidente, é que quem tem legislado nessa matéria, como em tantas outras importantes, digo legislado porque não se trata apenas de esclarecer aspectos obscuros da Constituição, mas de fornecer direito novo, direito positivo, é o Poder Judiciário. E assim fez o Supremo Tribunal Federal que decidiu que, enquanto não fosse editada a lei reclamada pelo inciso VII do art. 37 da Constituição Federal, seria aplicado à disciplina do direito de greve do setor público, no que coubesse, as normas contidas na lei relativa ao direito de greve dos trabalhadores do setor privado. Este é um avanço, um avanço significativo, já permite um terreno relativamente seguro onde se possa caminhar, mas não nos exime, a nós, Congressistas, do poder, dever de tratar desse assunto e de formular a lei há tantos anos reclamada, fazendo cumprir a nossa Constituição.
Para elaboração do projeto de lei, Sr. Presidente, eu utilizei vários elementos, para construção do texto.
Em primeiro lugar, a própria legislação brasileira sobre o direito de greve a que me referi. Utilizei-me das Constituições e legislações infraconstitucionais de diversos países europeus e americanos. Utilizei-me das normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, evidentemente também, dos ensinamentos de importantes doutrinadores brasileiros e da análise detida da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal sobre esse assunto.
Assim, munido de dessas informações e elementos que recolhi, apresentei projeto de lei tocando em pontos chaves que passo a enumerar: em primeiro lugar, a abrangência nacional da lei e a identificação dos servidores públicos alcançados por essa norma, a quem ela se destina.
Em segundo lugar, o próprio conceito de greve, que não é um conceito unívoco por estranho que possa parecer.
Detive-me sobre a competência da entidade sindical dos servidores para convocar assembleia geral que definirá a pauta de reivindicações e a deflagração da greve, dando aos sindicatos total autonomia para decidir sobre esses temas, em homenagem ao princípio da autonomia sindical consagrado na Constituição.
Há uma inovação no meu projeto, que é a inclusão do tema da negociação coletiva e dos métodos alternativos de solução dos conflitos, como mediação, conciliação ou arbitragem.
Fixei-me também nos direitos dos grevistas, ao lado de esclarecer quais são os serviços públicos considerados essenciais e cuja manutenção exige nível mais elevado do que os demais de trabalho efetivo dos servidores, mesmo durante o período de greve.
Tratei da possibilidade de contratação por tempo determinado de servidores nas hipóteses de descumprimento desses percentuais mínimos. Se determinada categoria não fixa ou não coloca em serviço, não assegura um nível de serviço adequado e prescrito na lei para aquela categoria, fica o Poder Público autorizado a contratar temporariamente servidores para suprirem a carência.
Tratamos também do abuso do direito de greve e da responsabilidade dos atos praticados durante a greve.
Disciplinamos, também, de uma maneira que me parece razoável, severa, mas, ao mesmo tempo, não obstaculizadora do direito de greve, a questão dos dias parados. Não se pode transformar greve em férias remuneradas, já dizia o Presidente Lula a esse respeito.
Encerrada uma greve no serviço público - isso quase nunca acontece no setor privado -, vem à baila o tema do pagamento dos dias parados. Aí, geralmente, se estipula platonicamente uma reposição, que quase nunca se verifica, para tentar inclusive minimizar os efeitos deletérios que já se produziram e que são irrecuperáveis, por exemplo, nas atividades de ensino.
Há universidades no Brasil que todos os anos, sistematicamente, deflagram greve; ficam dois, três, quatro meses em greve. Depois sempre se acha uma forma de fingir que se está repondo e se pagam os dias parados. Pois bem, eu estou definindo um patamar máximo de pagamento de dias parados em 30% do período.
Parece-me decorrente da própria Constituição a vedação de greve às Forças Armadas, às Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares. Embora decorrente da Constituição, diante de episódios como esse a que assistimos no Maranhão, em que policiais militares ocuparam a Assembleia Legislativa do Estado, é indispensável que o Congresso Nacional torne clara, explícita, essa vedação.
Partiu-se, Sr. Presidente, do pressuposto de que a greve deve ser um recurso extremo ao qual se recorre depois de fracassadas todas as tentativas de solução negociada. Por isso, na esteira de uma legislação que o Congresso Nacional vem elaborando ao longo dos anos na linha da desjudicialização dos conflitos, nós estamos incentivando a negociação coletiva com mecanismos de autocomposição e métodos alternativos de solução do conflito.
Por fim, Sr. Presidente, o projeto de lei adota e, de certa forma, detalha as principais diretrizes da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre as relações de trabalho na Administração Pública, já aprovadas, no ano passado, pelo Congresso Nacional.
Diante do exposto, Sr. Presidente, ao chamar a atenção da Casa para esse projeto, ou, mais do que chamar a atenção da Casa para o projeto, chamo a atenção para o tema.
Insisto em dizer que há outras iniciativas tramitando. Lembro-me de uma, inclusive, do Senador Paulo Paim, que também tem a sua forma de ver essa situação, que, aliás, não é antagônica à minha. Elas são complementares e, em alguns pontos, conflitantes.
Mas o fato é que precisamos tratar dessa questão de uma forma conclusiva. Não podemos deixar que se eternizem decisões provisórias da Justiça e que o Congresso não cumpra a sua função.
Precisamos tratar de temas como esse no Plenário - um Plenário sobrecarregado, Sr. Presidente, infelizmente, por medidas provisórias que, a rigor, no máximo mereceriam um regramento administrativo, mas que, no entanto, ocupam, de uma maneira absolutamente invasiva, a pauta do Congresso Nacional, enquanto temas como esse vão sendo relegados às calendas.
Em nome do servidor público brasileiro, mas também - e sobretudo - em nome daqueles que pagam, com seus impostos, o funcionamento do Estado brasileiro é que creio que seja urgente e necessário deliberarmos e adotarmos as medidas legislativas que o tema requer.
Muito obrigado.