Discurso durante a 222ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a votação, hoje, do texto do Código Florestal.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a votação, hoje, do texto do Código Florestal.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2011 - Página 52009
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, VOTAÇÃO, TEXTO, CODIGO FLORESTAL, LOCAL, PLENARIO, SENADO, OBJETIVO, DEMARCAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, PAIS.
  • COMENTARIO, NOTA, DIVULGAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ASSUNTO, CRITICA, CODIGO FLORESTAL, REFERENCIA, AUMENTO, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA, REDUÇÃO, RECUPERAÇÃO, FLORESTA, PAIS.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente Cícero Lucena.

            Eu também queria hipotecar solidariedade ao Senador Humberto Costa em seu pronunciamento sobre o desastre ocorrido entre a Bahia e Pernambuco, que fez muitos operários vítimas fatais de um acidente lamentável.

            Sr. Presidente, como os demais Senadores que me antecederam nesta tribuna, também venho falar sobre a votação de hoje, que diz respeito a um marco regulatório para definir claramente o que o Senador Luiz Henrique, um dos Relatores do Código Florestal, trata como a moldura daquilo que deve demarcar a produção agrícola e a preservação do meio ambiente em nosso País, matéria que não diz respeito a interesses partidários, mas que é fruto de um consenso nacional.

            Hoje, estamos na reta final de um dos principais trabalhos desenvolvidos nesta Casa desde o início da Legislatura. Estamos prestes a votar o Código Florestal. Esse projeto, que reformula uma lei de 1965, é de extrema importância para este País, que guarda a maior diversidade ambiental preservada do Planeta e que é, ao mesmo tempo, um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Só o nosso superávit comercial neste ano superou US$62 bilhões. E isso deve ser considerado na apreciação dessa matéria, Senador Cícero Lucena.

            Nesse contexto, o posicionamento estratégico exercido pelo nosso País junto à comunidade internacional fez com que trabalhássemos, durante meio ano, sob muita pressão, oriunda de segmentos representativos da sociedade brasileira. Durante a tramitação do PLC nº 30/2011, passaram por esta Casa ambientalistas, cientistas, pesquisadores, acadêmicos, pequenos, médios e grandes produtores rurais e membros do Governo de diversas áreas, como as do meio ambiente, da agricultura, do desenvolvimento agrário, sem falar de todas as Organizações Não Governamentais que por aqui passaram ou que acompanharam os trabalhos nas Comissões que trataram do tema.

            Todos os que participaram dos debates sobre o novo Código Florestal trouxeram argumentos muito contundentes em defesa dos seus pontos de vista. Tais argumentos encontraram, nesta Casa, um ambiente democrático propício ao debate e à troca de ideias, dentro do mais profundo espírito e respeito republicano na condução dos interesses nacionais. Não poderia ser diferente, pois as partes mais envolvidas no processo - ambientalistas e produtores - estão igualmente dotadas de razão. Nosso papel, como Senadores da República e, até de certo modo, como mediadores, foi o de encontrar o equilíbrio entre a preservação ambiental e as condições adequadas à produção alimentar.

            Portanto, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de registrar meu orgulho e satisfação por ter participado intensamente desse processo. Durante seis meses, trabalhamos com muita determinação em um assunto técnico e muito complexo, com o objetivo de tomar decisões que a Câmara dos Deputados levou muitos anos para deliberar.

            Mais uma vez, o Regimento nos concedeu pouco tempo para apreciação do projeto, o que, tenho certeza, não comprometeu a qualidade do nosso trabalho nesta Casa.

            Em que pese tenhamos nos esforçado muito para dirimir as dúvidas do projeto, durante a tramitação pelas Comissões Temáticas do Senado Federal, parece-me que ainda restam algumas dúvidas a seu respeito. Portanto, quero utilizar este espaço para esclarecê-las, pelo menos parte delas.

            A primeira tem relação com a Nota da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre o Código Florestal. A CNBB, em seu manifesto, escreveu:

O projeto, ao manter ocupações em áreas ilegalmente desmatadas (Artigos 68 e 69) e permitir a recuperação de apenas metade do mínimo necessário para proteger os rios e a biodiversidade (Artigos 61 e 62), condena regiões inteiras do país a conviver com rios agonizantes, nascentes sepultadas e espécies em extinção.

            Esse é o texto da CNBB. Ainda no texto, a Conferência diz que o projeto “não representa equilíbrio entre conservação e produção, mas uma clara opção por um modelo de desenvolvimento que desrespeita limites da ação humana”.

            Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, parece-me que a opinião da CNBB ou foi emitida sem a devida análise da íntegra do projeto ou, então, não representa a opinião unânime dos Bispos brasileiros.

            Em correspondência enviada a mim pelo Bispo Diocesano de Jales, no noroeste do Estado de São Paulo, Dom Demétrio Valentini, foi relatada uma opinião divergente da opinião emitida pela CNBB. Em sua mensagem, Dom Demétrio afirma:

[...] analisando o texto que está para ser agora votado no Plenário do Senado, podemos constatar que estas inquietações, manifestadas pela CNBB, estão contempladas, como se pode deduzir da leitura atenta de todo o novo Código Florestal.

            Continua Dom Demétrio:

Em síntese, feitas as constatações, pode-se dizer que a melhor maneira de atender às inquietações da CNBB é votar o texto, pois ele é resultado de um amplo esforço de entendimento e poderá garantir uma base legal lúcida e equilibrada, para todos nos sentirmos comprometidos com o cuidado pelo meio ambiente e com a causa dos agricultores [especialmente dos pequenos].

            Srªs e Srs. Senadores, o Bispo de Jales, que também é Presidente da Cáritas Brasileira, teve o cuidado de analisar o relatório em profundidade e de produzir um compêndio, com respostas em que procura esclarecer as preocupações da CNBB. Trata-se de um trabalho muito competente e dedicado, realizado por um não especialista, interessado apenas em ver o bom debate sendo realizado pela sociedade.

            As explicações foram produzidas pelo Bispo Dom Demétrio, na tentativa de esclarecer as apreensões relatadas pela CNBB, em sete pontos.

            Quanto ao primeiro ponto, diz Dom Demétrio:

O art. 69 garante a produção nas áreas cuja abertura se deu respeitando os percentuais de reserva legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão. Portanto, o art. 69 não protege desmatamento ilegal.

            É o que conclui Dom Demétrio, Sr. Presidente.

            O art. 68 estabelece como reserva legal das pequenas propriedades a vegetação nativa existente. Esses imóveis, aí incluídos os da agricultura familiar, fazendo as contas, não ultrapassam 24% do total da área de todos os imóveis rurais, incluídos os pequenos, médios e grandes. Essas pequenas propriedades já se encaixariam na previsão do art. 69. Portanto, não procede a interpretação de que se favorecerá o desmatamento ilegal.

            Sobre o segundo ponto, argumenta Dom Demétrio:

Sobre a recomposição de ‘apenas a metade’ do mínimo, é alegação que deve ser vista conjuntamente com o fato de que o Poder Público Federal está inadimplente há mais de 40 anos na tarefa de florestamento ou reflorestamento das APPs [Áreas de Preservação Permanente], conforme preceitua o art. 18 do atual Código Florestal.

            Essa omissão ou eventual anistia do Poder Público não é mencionada em nenhum momento na nota da instituição, da CNBB. Entretanto, Sr. Presidente, essa regra de recomposição não é absoluta, pois, havendo necessidades específicas em determinados lugares, o art. 69 do projeto do Código Florestal permite que o Poder Público aumente as metragens de APP, sanando o passivo que o mesmo Poder Público criou nos últimos 40 anos.

            Também aqui, dá para dizer que as preocupações da CNBB estão contempladas de maneira suficiente, em especial pelo artigo 6º do projeto.

            Quanto ao terceiro ponto, diz: “Declaração do Presidente do Ibama para o jornal Folha de S. Paulo, caderno de Ciência do dia 30.11.2011, mostra que 95% das multas do Ibama têm valor abaixo de R$2 mil”.

            Esses 95% das multas do Ibama correspondem a 115 mil processos. Então...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Peço-lhe um pouco mais de tempo, Sr. Presidente.

            Então, na pior das hipóteses, estar-se-ia dizendo que 95% das multas do Ibama envolvem 2% dos produtores rurais, de um total de 5.172.000 propriedades rurais em nosso País.

            O Ibama fiscaliza fauna, mineração etc. Portanto, pode-se afirmar, com muita precisão, que nem mesmo 1% dessas multas em cobrança são de produtores rurais. Assim, a extensão de anistia a “quase todos os proprietários do País” entra em conflito com os dados do próprio Ibama, órgão responsável pela fiscalização ambiental.

            Houvesse perdão, seria para 1% dos casos e na maioria de pequenos produtores, pois multa de latifúndio não é de R$2 mil, seguramente, Sr. Presidente.

            Das eventuais infrações ainda não apenadas, tem-se de deixar claro que, muitas vezes, foi a alteração desmedida da lei que criou essa situação. Não foram aberturas ilícitas, como é o acaso da alteração de metragens de APP, já mencionado. Aqui, é novamente importante mencionar o fato de que o Poder Público federal está inadimplente há mais de 40 anos na tarefa de reflorestamento ou florestamento das APPs, conforme preceitua o art. 18 do atual Código Florestal.

            Por fim, anistia significa perdão incondicional, mas o que o projeto de lei oferece e exige é contrapartida in natura e pedagógica da recomposição.

            Portanto, acreditam-se contempladas no texto do projeto as preocupações da CNBB quanto a esse caso.

            Reafirma Dom Demétrio Valentine quanto ao quarto ponto: “Difícil localizar no projeto facilitação ao desmatamento futuro, pois o texto está reiteradamente permeado com expressões como ‘não impliquem em abertura de novas áreas’”.

            Quanto à questão da aquicultura e de manguezais, vêm sendo seguidas normas existentes desde o ano de 2002, e os cuidados de licenciamento se manterão os mesmos da Resolução do Conama nº 312, de 2002, que trata especificamente desse assunto, prevenindo qualquer dano, valendo ressaltar a exigência de convivência da aquicultura com os pescadores e comunidades tradicionais (art. 3º, parágrafo único, da Resolução do Conama nº 312/02).

            Portanto, faz-se necessário aprofundar a pesquisa para verificar melhor a consistência das alegações da CNBB.

            De tal maneira, acreditam-se contempladas no texto do projeto as preocupações da CNBB quanto às comunidades tradicionais e à paisagem costeira.

            Quanto ao quinto ponto, diz-se:

As várzeas na Amazônia têm permissão de uso exclusivamente para agricultura familiar, como prevê o §5º do art. 4º do Projeto, com a menção final em autorizar a agricultura de vazante desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre.

            Ficam contempladas, portanto, as preocupações da CNBB na utilização das várzeas amazônicas.

            Quanto ao sexto ponto, sobre o modelo de desenvolvimento desejável é bom dispor das seguintes constatações. O País possui atualmente, em 2011, 61% do seu território em vegetação nativa. Qual o percentual de vegetação nativa necessário para que se considere um modelo de desenvolvimento como bom? Especificada essa meta, deve-se considerar que, de um lado, está a Amazônia, com aproximadamente 75% de terras públicas com prioridade constitucional para o meio ambiente, e que, de outro lado, existem Estados com menos de 20% de vegetação nativa, como é o caso de São Paulo. Entretanto, esses últimos, especificamente as regiões Sudeste e Sul, acomodam quase 67% da população nacional em 17% do território do País, enquanto a mencionada região Norte, com 45,25% do território nacional, acomoda apenas 8,3% da população brasileira. Nessas regiões de alta concentração demográfica, essas questões de proporção poderão desembocar em êxodo, com as inexoráveis consequências sociais dramáticas.

            Para finalizar, quanto ao sétimo ponto, é dito: “A produção agroecológica ainda é muito incipiente. Sem subvenção pública direta ou indireta, possui muitas dificuldades de sustentação”.

(Interrupção do som.)

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Estou concluindo, Sr. Presidente. Agradeço-lhe muito a generosidade.

            A defesa de um sistema de produção subvencionado, como se fosse de mercado, poderá trazer miséria e êxodo rural. Realmente, o texto ainda se ressente de um maior cuidado com os pequenos produtores, mas, se é só com isso que o Poder Público pode favorecê-los no momento, a questão é continuar vigilante quanto à implementação dos dispositivos vagos no projeto de lei.

            O texto possui marcos importantes para esse acompanhamento. Estabelece 180 dias para a criação de instrumentos de pagamento por serviços ambientais (art. 41), para a realização de Zoneamento Ecológico e Econômico (art. 13, §2º), para o estabelecimento de índices de adimplência das regras ambientais (art. 74) e para a vinculação dessas boas práticas às políticas de crédito agrícola (art. 77), o que leva a entender que há comando e controle na lei para a análise de um melhor modelo social e econômico, estando, então, contempladas as preocupações a CNBB.

            Srªs e Srs. Senadores, para finalizar, quero dizer que as constatações do Bispo Demétrio não foram realizadas por um especialista em meio ambiente, mas, sim, por um especialista em seres humanos, por um cidadão brasileiro. Elas precisam ser consideradas, principalmente, pela sua biografia. Dom Demétrio procura apenas trazer lucidez a um debate em que muitos opinam sem sequer ter informação suficiente e conhecimento do texto completo.

            Nosso prazo é curto. A partir do dia 11 de dezembro, grande parte dos produtores de alimentos de todo o Brasil será criminalizada se o novo Código não for aprovado.

            É por isso que encaminho pela aprovação do PLC nº 30/2011, nos moldes do relatório aprovado pelas Comissões Técnicas desta Casa, elogiando muito, novamente, o trabalho dos Relatores, Senador Luiz Henrique da Silveira e Senador Jorge Viana. O Brasil deverá a esses dois Senadores uma grande recompensa pelo que fizeram em favor da sociedade brasileira e do futuro do nosso País.

            Muito obrigada, Sr. Presidente, pela generosa oferta do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2011 - Página 52009