Discurso durante a 224ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões acerca do desempenho da Presidenta Dilma Rousseff na reunião de instalação da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos – CELAC; e outros assuntos.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Reflexões acerca do desempenho da Presidenta Dilma Rousseff na reunião de instalação da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos – CELAC; e outros assuntos.
Aparteantes
Ana Rita.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2011 - Página 52987
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, LIDERANÇA, CONHECIMENTO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REUNIÃO, INSTALAÇÃO, COMUNIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA, CARIBE, RELAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, GRAVIDADE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, AMERICA DO SUL.
  • ANALISE, INSTALAÇÃO, COMUNIDADE, AMERICA LATINA, RELAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, COLOMBIA.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu tive a oportunidade, na semana passada, de acompanhar a Presidenta Dilma na reunião de constituição da Celac, em Caracas, na Venezuela.

            Eu queria primeiro, Senador Paulo Paim - vou entrar nesse tema -, falar do orgulho de ver a nossa Presidente nas discussões bilaterais, o entendimento em profundidade dos desafios dessa crise econômica internacional, o entendimento do papel da integração sul-americana.

            Mas eu quero falar do desempenho da Presidenta Dilma depois. Quero começar aqui fazendo uma reflexão sobre a constituição da Celac, a presença do México e da Colômbia nessa reunião.

            Começo a ler meu pronunciamento.

            Em 1992, todos sabemos, o México assinou, com grande expectativa positiva aqui no País, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta-TLCAN), o qual, a partir de sua entrada em vigor, abriu incondicionalmente a economia mexicana à predatória concorrência dos produtos norte-americanos e tornou aquele país extremamente dependente, política e economicamente, da grande superpotência mundial.

            Entretanto, dezoito anos após essa decisão estratégica de privilegiar, em sua inserção internacional, a relação bilateral com os EUA, o México aderiu com grande entusiasmo à recém-criada Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), que concretiza, mediante um processo de integração regional Sul-Sul, contraponto geopolítico às relações de subaltemidade com os Estados Unidos.

            O que aconteceu nesse período?

            O que se passou, Senador Inácio Arruda, foi que, além do fracasso das políticas neoliberais, aposta estratégica do México e de outros países latino-americanos na relação privilegiada com os Estados Unidos, os inevitáveis efeitos negativos dessa integração tão assimétrica se tornaram cada vez mais evidentes.

            No campo industrial, houve grande esfacelamento da estrutura produtiva nacional. Muitas empresas mexicanas não conseguiram sobreviver à concorrência da produção industrial dos Estados Unidos. E as que conseguiram foram, em boa parte, compradas a baixo preço por grupos econômicos norte-americanos.

            Isso aconteceu de modo especialmente intenso na outrora pujante indústria têxtil mexicana, que passou a orbitar a cadeia produtiva dos Estados Unidos.

            Na área agrícola, Sr. Presidente, houve a geração de grande insegurança alimentar. O México, que era exportador de grãos, no período pré-Nafta, passou a importá-los dos Estados Unidos em sua quase totalidade. Tal processo de destruição das culturas agrícolas se deu, inclusive, no que tange ao milho, base da alimentação e culinária mexicanas. Hoje em dia, o milho utilizado no México é quase todo colhido nos Estados Unidos, que subsidiam fortemente sua produção.

            Ademais, houve fragilização da proteção jurídica ao meio ambiente e a precarização das relações trabalhistas, em virtude da proteção dos interesses dos investidores norte-americanos, assegurada no capítulo sobre investimentos do Nafta.

            A consequência mais relevante foi, contudo, o aumento das desigualdades regionais e sociais no México. Houve poucos ganhadores mexicanos com a integração aos Estados Unidos, concentrados principalmente no norte do país. As demais regiões e a grande massa dos trabalhadores urbanos e rurais mexicanos não se beneficiaram. Na realidade ocorreu significativo incremento das assimetrias regionais e sociais impulsionado pelos efeitos econômicos desagregadores e destruidores da integração aos Estados Unidos.

            Estudo feito pelo Banco Mundial, em 2007, mostrou cabalmente que os efeitos da inserção internacional do México ao longo do Nafta foram substancialmente regressivos ao passo que no Brasil a estratégia de inserção econômica no cenário mundial produziu resultados altamente progressivos.

            De fato, o Brasil - Sr. Presidente Paulo Paim, V. Exª tem chamado o debate sobre a integração sul-americana na Comissão de Direitos Humanos - de fato o Brasil adotou uma estratégia de inserção inversa a do México e a de outros países da região. A partir do Governo Lula, o nosso País rejeitou claramente a proposta de Alca ampla norte-americana, que continha cláusulas idênticas às do Nafta, e apostou na integração regional,via Mercosul e Unasul na diversificação de parcerias estratégicas, principalmente com os demais Brics e na articulação geopolítica sul-sul, sem descuidar, porém, de suas boas relações com os países mais desenvolvidos.

            Aqui eu quero abrir um parêntese. Eu me lembro que na primeira eleição do Presidente Lula o debate que era imposto a toda América Latina era de adesão à Área de Livre Comércio das Américas. Senador Paulo Paim, nós não teríamos instrumentos para sair da crise em 2008 e o Brasil não seria o Brasil -, um país que vai se transformar na quarta economia mundial até o ano de 2023 - se tivéssemos aderido à Alca. Esse foi um dos pontos centrais, e a vitória do Presidente Lula, e a vitória de vários outros governantes de esquerda na América Latina impediram aquilo que, a meu ver, era um plano de recolonização da América Latina.

            Nosso parque industrial não teria agüentado - como não aguentou e sofreu muito a indústria mexicana - com o Nafta e com a força da indústria norte-americana, que acabou destruindo parcela significativa do parque industrial mexicano.

            O grande aumento das nossas exportações - as brasileiras - e os alentados superávits comerciais que tal estratégia proporcionou foram decisivos para reduzir substancialmente a nossa vulnerabilidade externa, zerar a dívida externa brasileira e criar um quadro econômico propício à redução das taxas de juros e à retomada do crescimento.

            Além disso, tal estratégia aumentou significativamente nosso protagonismo internacional e nossa autonomia político-diplomática. Assim, ao contrário do México e de outros países da região, o Brasil, hoje, ator mundial de primeira linha, que consegue articular exitosamente os interesses regionais e os anseios dos países em todos os foros internacionais relevantes.

            O nosso País fez a escolha estratégica acertada e soube aproveitar pragmaticamente as mudanças na ordem geoeconômica mundial que deslocaram o centro dinâmico da economia internacional para os países emergentes. Já os países que apostaram na integração assimétrica aos Estados Unidos e às demais grandes economias internacionais não colheram os frutos apregoados pelo ideário neoliberal e o realismo periférico. Agora, estão fortemente ameaçados pela crise mundial que vem afetando mais intensamente as economias dos Estados Unidos e União Européia.

            A adesão entusiasta à Celac do México e de outros países, como a Colômbia, que privilegiaram suas relações bilaterais com os Estados Unidos, representa, sim, um reconhecimento, ainda que tardio, do fracasso da globalização assimétrica e a necessidade de corrigir rumos, especialmente no contexto da presente crise mundial, que tende a acelerar as mudanças geoeconômicas e geopolíticas na ordem internacional.

            É o sinal dos tempos e dos ventos que sopram a favor da integração regional, da articulação dos interesses dos países emergentes, do multilateralismo diplomático e da correção das assimetrias no cenário mundial. É um sinal também de que a América Latina está atingindo a sua maturidade política e pretende atingir o seu destino endogenamente, sem históricas interferências das grandes potências mundiais.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Eu gostaria de fazer uma pequena homenagem ao grupo da terceira idade do Ceará, que nos está visitando, e também o grupo de Natal.

            O Senador Lindbergh está da tribuna e está de aniversário. (Palmas.)

(Manifestação da galeria.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Aquelas praias de Canoa Quebrada são em Aracati, não são? Já fui lá há mais de 20 anos.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Vida longa ao Senador Lindbergh, muitas primaveras e vida longa as suas idéias e aos ideais que defende.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado.

            Fez muito bem em interromper Senador Paim, eles já tinham entrado e já estavam...

            Eu dizia que Selac é sinal de que a América Latina está atingindo sua maturidade política, e pretende definir o seu destino endogenamente sem as históricas interferências da grande superpotência mundial.

            Nesse quadro a avassaladora emergência regional e internacional do Brasil é um sinal inequívoco e contundente da correção da nova política externa brasileira, tão criticada pelas viúvas da finada Alca, e pelos equivocados opositores daquilo a que José Serra se referia pejorativamente como integração cucaracha. Pois bem, a integração cucaracha agora tem patas fortes e, ao contrário de outras, caminha decididamente para frente.

            Sr. Presidente, de fato foi uma reunião histórica e eu quero destacar aqui o papel da nossa Presidenta. Como brasileiro, não estou falando como Senador do Partido dos Trabalhadores, fiquei orgulhoso de ver o papel da nossa Presidenta; a liderança entre os países sul-americanos e do Caribe, a consciência da gravidade da crise econômica internacional. Tive a oportunidade de participar de reuniões bilaterais da Presidenta Dilma com a Venezuela, o Presidente Chaves e seus Ministros; depois com o Presidente da Bolívia, Evo Morales e seus Ministros; e com a Presidente da Argentina, Cristina Kirchner e seus Ministros. E a gente via e sentia esse orgulho do papel da nossa Presidenta.

            A Presidenta tem muita clareza Senador Paulo Paim, eu já fiz uns pronunciamentos aqui, essa crise é uma crise diferente, é a continuidade da crise de 2008, mas tem diferenças. O baixo crescimento europeu ou recessão européia, vamos ver a que isso vai levar, o baixo crescimento norte-americano e o papel da China apontam cenário de uma competição comercial global terrível. E se nós não protegermos os nossos mercados, se nós não protegermos a nossa indústria - eles só têm uma forma de sustentar o crescimento deles, vindo para cima dos países emergentes. E esse mercado brasileiro é um grande mercado de consumo de massas.

            Então, a Presidenta Dilma... E eu quero aqui apontar algumas posições do Governo brasileiro antes do acirramento da crise em setembro. A Presidenta Dilma lançou o Plano Brasil Maior no dia 2 de agosto, já se antecipando à deterioração desse cenário de crise econômica internacional. E o Plano Brasil Maior é isto: é olhar para a inovação, é dar estimulo à indústria, aos nossos exportadores, é proteger o nosso mercado. A Presidenta tem muita clareza desses desafios. Nós não aceitamos virar exportadores de commodities. Nós não aceitamos esse papel que querem nos impor nessa nova divisão internacional do trabalho.

            Agora, é a clareza da Presidenta Dilma desse aspecto, mas é a discussão também como constituir aqui a integração sul-americana, Senador Paulo Paim - eu participei dessas reuniões -, a partir do fortalecimento do comércio, não só do comércio regional, mas também a discussão da inclusão produtiva. De que forma a Argentina pode desenvolver determinadas cadeias produtivas que nós não temos desenvolvido? De que forma a Argentina pode beneficiar as nossas cadeias produtivas, e não cadeias produtivas da Europa, da China? De que forma esta relação aqui pode ser uma relação que nos proteja desse cenário devastador em relação à nossa indústria que essa crise internacional nos impõe? Nós não podemos aceitar essa invasão de produtos manufaturados chineses.

            Então, é esse o cenário. O cenário é um cenário de comércio global agressivo: Europa, Estados Unidos e China. É isso. E nós aqui podemos nos proteger, não só, volto a dizer, na relação comercial, mas na divisão de tarefas em relação à produção industrial. A gente tem aqui que estimular isso. A integração sul-americana é fundamental para o nosso projeto de futuro. E aqui, sinceramente, o papel do Brasil não é o papel do novo imperialista. E isso não aparece nem no Presidente Lula, nem na Presidenta Dilma. Não é um novo país imperialista, que vai comprar tudo da Bolívia. É um país que tem o seu papel. É a maior economia da região, mas tem que ter um papel de construção solidária, porque existem muitas desconfianças. Existem alguns que nos veem com o papel como o da Alemanha, na Europa. E não é esse o papel do Brasil, graças a Deus, pelo papel dos seus líderes.

            Nós podemos desenvolver aqui uma integração cooperativa que estimule os diversos países, não só - volto a dizer - do ponto de vista comercial.

            E, Senador Paulo Paim - volto a dizer -, fiquei animadíssimo com a firmeza da Presidenta Dilma. Aqui, no dia 2 de agosto, antes da crise de setembro, lançamos o Plano Brasil Maior. Mas me lembro, e quero dizer o seguinte: no dia 31 de agosto, o Banco Central baixou a taxa de juros, e foi uma histeria, dizendo que o Governo estava abandonando a estabilidade monetária, que estava havendo interferência política no Banco Central. Sabe como estão agora? Estão tendo que ficar calados, porque a realidade mostrou: os números do IBGE neste trimestre, em que a economia cresceu zero, na verdade, mostram que o Banco Central estava certo lá em 31 de agosto. Estava certo em 31 de agosto! E nós nos lembramos do que foi o debate neste Senado Federal nesse período todo.

            Os desafios são enormes, e os números do trimestre mostram isso. Houve redução do consumo das famílias de 0,1%. Houve redução na indústria. E nós sabemos dos desafios. Alguns podem dizer hoje que as medidas lá de trás, do começo do ano, talvez tenham sido fortes demais. De fato, a Presidenta Dilma assumiu este País, e a discussão era a pressão inflacionária. E o Governo levantou medidas macroprudenciais, fez a contenção fiscal, aumentou a taxa de juros naquele período.

            Alguns dizem: “Talvez tenha puxado o freio de mão demais!”

            Quero contextualizar o debate que tínhamos com a oposição aqui. Reunião do Banco Central após reunião do Banco Central. Eles queriam elevar mais a taxa de juros, e nós aplaudimos o Banco Central por uma intervenção mais moderada. A Presidenta sempre disse: “Nós temos que conciliar crescimento econômico com estabilidade monetária”. Agora, temos que desarmar as medidas macroprudenciais, e o Governo já começa a fazer isso. Estamos baixando as taxas de juros, esperamos chegar no próximo ano a 9% ou 9,5%, taxas de juros mais baixas da história deste País. A Presidenta vai conseguir reverter, vai haver uma mudança estrutural em relação à política monetária, e isso vai ter, Senador Paulo Paim, um impacto muito grande na questão fiscal. E sabemos o que pagamos de juros neste País. Esses são recursos que podem ser utilizados no investimento.

            Então, quero ressaltar a segurança quanto ao nosso caminho. Tem muita gente falando que vamos crescer 3% a 3,5% no próximo ano de 2012. Acompanho a fé do Ministro Guido Mantega, principalmente pelo empenho da Presidenta Dilma de que vamos crescer mais, podemos chegar a crescer 5%.

            Vamos ter os 14% de reajuste do salário mínimo, e isso tem um papel extraordinário principalmente pela distribuição da Previdência Social, o estímulo ao consumo. Vamos aumentar nosso investimento - houve redução neste trimestre, mas o investimento em relação ao PIB vai aumentar, e vamos mostrar, como mostramos em 2008, com saídas diferentes, que o Brasil não vai mergulhar nesse ciclo econômico recessivo. O Brasil não vai seguir o caminho da Europa e dos Estados Unidos. O Brasil não vai seguir o caminho da Europa, onde todos dizemos que falta liderança política, porque não dá para entender, em uma crise de natureza recessiva como essa, que os governos e as lideranças políticas dos países apresentem só saídas de planos de austeridade, demissão de funcionalismo público, corte de despesas. Esse é o caminho que eles estão fazendo. Isso vai paralisar completamente a economia norte-americana.

            Aqui, não. Nós temos rumo, temos liderança política. Tivemos em 2008, com o Presidente Lula. A saída foi uma. E estamos tendo agora uma grande comandante, que não vai deixar a economia brasileira naufragar, como está naufragando a economia europeia.

            Eu passo para a Senadora Ana Rita o aparte.

            A Srª Ana Rita (Bloco/PT - ES) - Senador Lindbergh, primeiro quero parabenizá-lo pelo belo discurso que está fazendo, mas, antes, cumprimentá-lo pelo seu aniversário.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado.

            A Srª Ana Rita (Bloco/PT - ES) - Parabéns, que Deus o abençoe, você é um jovem Senador, e um Senador muito jovem, com muita energia, com muita disposição, tem feito um belo trabalho nesta Casa, representando, com muita dignidade, o povo do seu Estado, do Estado do Rio de Janeiro. E quero aqui ratificar as suas palavras com relação ao governo da Presidenta Dilma. O Brasil hoje está num rumo muito bom, fruto de todo um processo que vem sendo construído desde o governo do Presidente Lula. E o governo da Presidenta Dilma tem caminhado numa direção bastante positiva. E, mais do que isso, Senador Lindbergh, o governo da Presidenta Dilma tem demonstrado uma capacidade de diálogo muito grande com a sociedade e também com esta Casa. Hoje, por exemplo, nós tivemos oportunidade de ter uma boa reunião com o Secretário Executivo da Fazenda, o Sr. Nelson Barbosa, para que pudéssemos discutir a questão do ICMS. Foi uma reunião valorosa, produtiva, que nos deu muita esperança, esperança de que possamos construir um processo de transição para o Espírito Santo bastante proveitoso. Então, quero parabenizá-lo pela sua fala, pelo seu pronunciamento, e esta é, de fato, uma realidade que todos nós estamos sentindo na pele. Então, mais uma vez, parabéns, e que Deus o abençoe na sua caminhada.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado, Senadora Ana Rita, Senador Paulo Paim. Eu até peço desculpas pelo pronunciamento longo. Eu vou continuar um pouco mais.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Se, no dia do seu aniversário, você não puder falar um pouco mais, tem que tirar da Presidência o Senador Paim. (risos.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Eu vou aproveitar, porque eu ainda tenho algumas coisas para falar aqui, Senador Paulo Paim.

            Você sabe que hoje nós tivemos aqui a votação da DRU. Engraçado que eu escutava alguns discursos da oposição. “Ah, aumento de gasto público do Governo.” E eu ficava impressionado, porque, veja bem, estou com os números aqui do Fundo Monetário Internacional. Estamos falando aqui de setembro de 2011. Vocês sabem qual é a dívida pública em relação ao PIB da França? Oitenta e um por cento do PIB, na França. A Alemanha, a grande Alemanha cresceu para 57%. A Grécia, não se fala: 124%; Irlanda, 98%; Itália, 100%; Japão, 130% em relação ao PIB; Portugal, 101%; Estados Unidos, 72%.

            Daí, o estudo do FMI coloca países avançados: 62%; G-7, 80%. É o seguinte: quando entra o Brasil, sabem qual é a relação dívida/PIB do Brasil? Trinta e oito por cento! E está caindo! Está caindo o déficit nominal do Brasil, que é o que sobra, ano a ano, depois do superávit de tudo. O nosso déficit está em 2,4% do Produto Interno Bruto!

            Agora, vou mostrar a vocês, e os senhores não acreditam: Irlanda, 31% do PIB; a Espanha, 9%; Portugal, 9%; França, 7%; Alemanha, a grande Alemanha, 4,3%. Então, vejam bem: a Grécia, fala-se em 10 pontos. Então, estou convencido de que temos grande margem para sair dessa crise econômica com muito mais força.

            Lamento. Só para acabar falando da carta do Intersul, lamento o que está acontecendo na Europa. Eu diria o seguinte: depois da unificação da moeda, vão querer impor uma restrição democrática na soberania dos países com essa imposição no orçamento de cada país, uma imposição fiscal violentíssima.

            E chamo a atenção de outra coisa: está havendo restrição democrática! Não deixaram o povo grego votar o referendo. Não deixaram. Como não deixaram o povo italiano votar. Escolheram tecnocratas ligados ao Banco Central Europeu, e o que estamos vendo é essa situação na Europa.

            Mas queria concluir o meu discurso, pedindo desculpas por mais um tempo, mas V. Exª, Senador Paulo Paim, conhece este documento que foi escrito por vários economistas de peso neste País: Maria Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, Carlos Lessa, Bresser-Pereira, Franklin Serrano, Denise Gentil, Theotônio dos Santos, João Sicsú, Luiz Fernando de Paula, Carlos Cosenza, Francisco Antonio Dória, Miguel Bruno, Luís Nassif, nosso amigo José Carlos de Assis, Roberto Saturnino Braga.

            Esse documento foi chamado de Consenso do Rio. Volto mesmo ao debate da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), que fiz aqui no começo: “Ideias gerais para uma política macroeconômica desenvolvimentista convergente dos países da América do Sul”.

           Peço novamente paciência. Quero dizer que vou esperar por solidariedade, depois desse longo pronunciamento, o discurso dos senhores até o final. Mas eu queria fazer aqui uma pequena leitura desses pontos do Consenso do Rio, escrito por esses economistas.

Premissas

Três décadas de conformação das políticas macroeconômicas dos países sul-americanos ao neoliberalismo deixaram pouca margem de manobra aos governos regionais para buscar alternativas desenvolvimentistas. O padrão comum, com raras exceções, foi o de promover o Estado mínimo através de privatizações, restringir o endividamento e o investimento público e favorecer a suposta autorregulação da economia dentro dos cânones da ortodoxia fiscal e monetária. Todavia, os acontecimentos recentes mostraram o fracasso dessa política, que resultou em crise nas próprias economias avançadas e em crescimento lento e instável nas regiões subdesenvolvidas e em muitos países em desenvolvimento, com altos custos sociais, dos quais apenas têm escapado países emergentes que se distanciam do padrão neoliberal.

Onde houve efeitos virtuosos das políticas neoliberais para os países em desenvolvimento - por exemplo, na acumulação de superávits comerciais e de reservas -, eles se deveram a condições internacionais favoráveis, notadamente o aumento das importações de commodities minerais e agrícolas por parte principalmente da China, e não às virtudes da política macroeconômica em si. Quanto às melhoras de indicadores sociais, eles resultaram de políticas deliberadas de distribuição de renda adotadas por alguns países, fora do marco neoliberal. Em síntese, eis os principais eixos dessas políticas:

1 - política fiscal restritiva independentemente do ciclo econômico e do nível da relação dívida/PIB; [Esse é um ponto inicial.]

2 - submissão às pressões do mercado para o pagamento da dívida pública, novamente de forma independente do ciclo econômico e do nível da dívida;

3 - política monetária restritiva, articulada à política fiscal contracionista, determinadas, ambas, pela busca de conceitos elevados de grau de investimento pelas agências privadas de classificação de risco; [E a gente sabe o papel dessas agências privadas na crise norte-americana de 2008. O Lehman Brothers, antes de cair, em 2008, era conceituado pela Standard & Poor's e pelas outras agências de risco com AAA.]

4. câmbio flutuante, a despeito de fortes oscilações desestabilizadoras da economia por parte de forças especulativas;

5. liberação do fluxo externo de capitais especulativos;

6. redução de direitos trabalhistas e previdenciários;

7. abandono do planejamento público e das políticas industriais;

8. liberação do comércio exterior com o abandono de práticas de proteção da indústria interna;

9. controle indireto das políticas macroeconômicas internas pelas agências externas de classificação de risco;

10. submissão a outros ditames do Consenso de Washington.

Nem todas essas políticas foram aplicadas por todos os países sul-americanos ao mesmo tempo. Mas a conjunção dessas medidas teve um efeito macroeconômico comum: a redução rápida e significativa da autonomia da política econômica dos Estados nacionais. Estes foram premidos a se tornarem o fiador dos processos de liberalização financeira e comercial, num contexto marcado pela ausência de uma estratégia consistente de desenvolvimento econômico. Sua lógica interna era clara: conforme o estipulado pela ideologia neoliberal, tratava-se de reduzir o espaço do Estado do bem-estar social e ampliar as oportunidades de lucro corporativo, diminuindo-se, ao mesmo tempo, a tributação dos ricos em nome da maior eficiência econômica e da competitividade externa. É notável que, exceto pela explosão de preços e quantidades exportadas de commodities, já mencionada, essas políticas produziram resultados pífios, até sua derrocada nos países ricos na crise de 2008, anulando os efeitos de emulação que tiveram nas décadas anteriores na América do Sul.

O quadro internacional agora mudou radicalmente, e é por isso que se justifica essa proposta de uma nova política macroeconômica para a região. De fato, todo o mundo industrializado avançado está em crise financeira, fiscal e de demanda interna, submetendo-se à medicina do ajuste fiscal que classicamente recomendava aos países em desenvolvimento. Ajuste fiscal significa reduzir gasto público, salários e benefícios sociais para comprimir o mercado doméstico e gerar excedentes exportáveis. Numa situação em que todos os países ricos querem exportar mais e importar menos, é duvidoso que tais políticas tenham resultados positivos. Contudo, o fluxo das exportações dos ricos tende a buscar [é aquilo que eu falava] os países emergentes e em desenvolvimento, com o risco de um dumping industrial mundial que lhe venha destruir seu parque produtivo industrial. Países que têm uma base industrial estarão ameaçados, e países que não têm, mas aspiram a tê-la, estão igualmente em risco. Diante disso, no caso da América do Sul, é imperioso acelerar o processo de integração, pois dentro de um bloco econômico será possível proteger os mercados internos sul-americanos, sem ferir as regras da Organização Mundial do Comércio. Individualmente, qualquer país que recorra a barreiras comerciais corre o risco de discriminação e retaliações no mercado internacional. Num bloco, ele pode fazê-lo sem ferir tratados internacionais.

Proposição

Propõe-se uma estratégia macroeconômica de estímulo ao desenvolvimento econômico e social compatível com as necessidades sociais e o equilíbrio político dos países da América do Sul. Essa política, ou melhor, conjunto de políticas teria as seguintes características:

1. Retomada do princípio do planejamento público como instrumento estratégico para alcançar os objetivos nacionais de desenvolvimento econômico, eliminação da miséria, redução das disparidades regionais e da extrema concentração renda, mediante a busca de um sistema tributário justo e progressivo que aponte na direção do Estado do bem-estar social;

Política monetária que comporte a expansão da moeda de acordo com as necessidades do crescimento econômico com estabilidade monetária e tendo por objetivo último a máxima geração de emprego;

Atribuição ao banco centra! desse tríplice objetivo, para cuja execução ele terá liberdade operacional, sujeita a verificação de eficácia pelas comissões de economia e finanças do Congresso Nacional;

Controle fino da liquidez mediante a defesa pelo Banco Central, no open, da taxa de juros fixada conforme os objetivos em 1 e 2; a taxa básica de juros deve condicionar também o processo de internação ou retenção externa do fluxo de reservas, para compatibilizar esse fluxo com o nível de liquidez desejado;

Política cambial no regime semi-flutuante, entendido como a administração do câmbio mediante utilização das reservas internacionais para manter o valor externo da moeda numa faixa que promova a competitividade externa, sobretudo a baseada em bens de maior valor adicionado, assim como o crescimento interno;

Política fiscal anti-cíclica e pró-investimento do Estado para corrigir deficiências de infra-estrutura, admitindo-se, em situação de alto desemprego e alto índice de ociosidade no parque produtivo, aumento da relação dívida/PIB

(como ocorreu sabiamente no Brasil [nós aumentamos um pouco, entre 2008 e 2009] com os investimentos de Petrobras, Eletrobrás e BNDES financiados pelo Tesouro em 2009 e 2010);

            Sr. Presidente, vou citar só os três próximos pontos, que são:

7. Promoção do investimento de integração econômica, estruturando um novo modelo de desenvolvimento econômico e social ancorado na nova política macroeconômica aqui sugerida, nos termos propostos em projeto de lei em anexo, já em tramitação no Senado brasileiro e em discussão em entidades da sociedade civil de outros países da América do Sul;

8. [...];

9. Estruturação do sistema de financiamento de investimentos públicos e privados na América do Sul em torno do Banco do Sul [...]

            E faltou-nos aprovar isso neste Congresso Nacional. O Banco do Sul pode ter um grande papel:

[Além do Banco do Sul], da CAF, do BNDES e de outros bancos públicos regionais, mediante um mecanismo próprio de avaliação de risco que desconsidere as agências externas de classificação, e que funcione como um selo de qualidade para investidores fora da região.

            Sr. Presidente, Senadora Ana Rita, falta uma página.

            Peço, novamente, desculpas pelo pronunciamento prolongado aqui, mas esse texto era muito importante, texto feito por esses economistas na discussão da integração sul-americana. E eu quis associar a minha visita com a Presidenta Dilma à Venezuela, na instalação da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Peço, novamente, encarecidamente, muitas desculpas, porque não gosto de fazer isso. Vejo que a Senadora Ana Rita está aqui, mas peço só mais um tempo para concluir, lendo a conclusão desse texto assinado por Maria da Conceição Tavares, Belluzzo, Lessa, Bresser Pereira, José Carlos de Assis, Theotônio dos Santos, João Sicsú.

            Concluem da seguinte forma:

A crise financeira em curso nos países industrializados avançados não põe em risco apenas o futuro do capitalismo. Põe em risco o futuro da civilização. Mais do que essa crise, em si, são as políticas aplicadas para se tentar superá-la que ameaçaram arrastar o mundo para uma situação de estagnação com surtos de recessão, implicando dramáticas consequências sociais e políticas. É que estamos diante de uma evidente ressurgência neoliberal na Europa e nos Estados Unidos, materializada em fortes pressões internas por ajustes fiscais recorrentes com inelutável efeito recessivo.

Os países que têm contornado a crise com relativo sucesso são os emergentes, notadamente a China e a índia. É notável que a grande mídia não se tenha dedicado a investigar a causa dessa performance, limitando-se a registrar dados. Entretanto a China, uma economia socialista de perfil capitalista, e a índia, uma economia capitalista de perfil socialista, têm em comum planejamento público centralizado e sistema bancário quase inteiramente público. A diretriz do planejamento ganha imediatamente eficácia através do financiamento produtivo, não especulativo. Essa é a essência da mágica.

Outro emergente, o Brasil, reduziu consideravelmente o impacto da crise em 2009 por efeito do influxo de crédito de seu sistema bancário público, 40% do sistema bancário do país, o qual cresceu 27%, enquanto a expansão do crédito bancário privado ficou em 4%.

             Vale destacar, já disse aqui, se não houvesse Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES, nós não teríamos conseguido sair dessa crise. Se fosse depender apenas do crédito bancário privado, dificilmente a economia brasileira teria se recuperado.

Entretanto, sequer a força combinada de todos os emergentes pode, em termos estritamente econômicos, funcionar como locomotiva do mundo. Mas os países emergentes podem ser um importante sinalizador de alternativas de política econômica. Na medida de seu sucesso, e do fracasso inevitável do novo surto neoliberal nos países ricos, é de se esperar um renascimento nestes últimos da opinião pública crítica mobilizando-se no sentido de reverter sua política economicamente ineficaz e social e politicamente suicida, destruidora de seu pacto social básico ancorado no Estado de bem-estar social. É que não há melhor argumento que fatos.

Nosso intuito é, pois, oferecer aos formuladores de política econômica da América do Sul uma contribuição no campo das idéias para o estabelecimento de uma nova estratégia econômica para o continente. Ao mesmo tempo, estamos oferecendo às sociedades da região um conjunto de princípios que, eventualmente, sirva para alimentar o debate em torno de nossa situação presente e de nosso destino. Não podemos assistir passivamente a um processo que pode nos arrastar para o mesmo abismo em direção ao qual forças retrógradas estão empurrando vários países europeus. Sem uma estratégia clara de ação, estaremos condenados ao retrocesso econômico, social e político.

Naturalmente, mesmo enquanto região, não estamos isolados em relação ao que acontece no resto do mundo, em especial nos países industrializados avançados. Embora não possamos influir diretamente nas políticas ali praticadas, podemos chamar a atenção das respectivas sociedades para suas contradições e incongruências que põem em risco a nossa própria estabilidade. Entre os países ricos, os Estados Unidos enfrentam um problema, sobretudo, de dívida privada, remanescente do colapso do mercado imobiliário. Como emissores da moeda mundial, seu problema de dívida pública é de ordem sobretudo ideológica; são, pois, razões políticas que impedem os Estados Unidos de agirem decididamente por sua recuperação e a recuperação mundial.

Já na Europa do euro, onde quebraram vários Estados para que fossem salvos os bancos, a dívida pública tornou-se um foco permanente de especulação. Em ambos os casos, políticas fiscais restritivas são ineficazes para o relançamento das economias. Assim, nos parece inevitável alguma forma de socialização dos bancos como preliminar da reestruturação das dívidas com alguma perda por parte dos investidores, para possibilitar a retomada do desenvolvimento econômico e social sustentável em escala planetária.

            É isso, Sr. Presidente, Srª Senadora Ana Rita. Só restamos nós três nesta noite de quinta feira, depois de tantos embates da votação da DRU, mas fiz questão de ler esse documento Consenso do Rio, que reúne tantos economistas de peso deste País, desenvolvimentistas. E o Senador Paulo Paim é um dos que têm trabalhado nesta Casa dentro dessa lógica de integração sul-americana.

            Volto a pedir desculpas pelo tempo prolongado. Agradeço ao senhor, Paulo Paim, à senhora, Ana Rita, e a todos os senhores e senhoras que estão nos assistindo nesta quinta-feira, às 20h34 do dia 8 de dezembro.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2011 - Página 52987