Discurso durante a 225ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Referência ao editorial do jornal O Globo, intitulado “Guerra contra o crack tem que ser para valer”; e outro assunto.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Referência ao editorial do jornal O Globo, intitulado “Guerra contra o crack tem que ser para valer”; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2011 - Página 53324
Assunto
Outros > DROGA. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, EDITORIAL, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, LANÇAMENTO, PROGRAMA DE GOVERNO, RELAÇÃO, COMBATE, CONSUMO, DROGA, PAIS, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, IMPORTANCIA, PROGRAMA, CRIAÇÃO, MEDIDA PREVENTIVA, UTILIZAÇÃO, ENTORPECENTE.
  • COMENTARIO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, RECONHECIMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, REGISTRO, REUNIÃO, RELAÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, GRUPO INDIGENA, PRESENÇA, AUTORIDADE, JOSE EDUARDO CARDOZO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), NECESSIDADE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, TARSO GENRO, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), RESOLUÇÃO, ASSUNTO, POLITICA INDIGENISTA.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Caro Presidente Paulo Paim, Srs. Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, nossos ouvintes da Rádio Senado, volto a esta tribuna para abordar duas questões de grande impacto na sociedade, uma delas no meu Estado, especificamente em relação a reservas indígenas, mas abro esta minha participação na sessão desta manhã usando a opinião expressa na edição de hoje do jornal O Globo, abordando o problema gravíssimo do crack, sob o título “Guerra contra o crack tem de ser para valer”.

            Diz o editorial:

O lançamento de outro programa do governo federal de combate ao consumo do crack, com a destinação de R$ 4 bilhões para ações em diversas frentes, articuladas com estados, municípios e entidades da sociedade civil, é importante providência para conter o agravamento de um problema que, em algumas regiões do Brasil, já alcança níveis de epidemia. A rápida expansão da droga no país, principalmente entre consumidores de faixas de renda mais baixa, grande parte alijada de acesso a tratamento e programas de apoio contra o vício, produz números de um flagelo à beira do descontrole.

Pesquisa recente da Confederação Nacional de Municípios [já referida por mim neste tribuna], com sondagem em 4.400 cidades, indica que o crack está relacionado a problemas de saúde em 63,7% das prefeituras brasileiras. A droga também está ligada a demandas na segurança pública em 58,5% das cidades e na assistência social (44,6%). São números, por si, alarmantes [escreveu o editorial do jornal O Globo, edição de hoje]. (...) ...levantamento da CNM, no ano passado, apontava que 98% dos municípios brasileiros registravam a presença do crack nas suas ruas. Esse mercado movimenta todos os dias entre 800 quilos e 1,2 tonelada da substância, com uma estimativa (muito provavelmente conservadora) de 1,2 milhão de usuários.

É uma realidade que acumula tragédias (individuais, familiares e sociais [e do trabalho também]) e contenciosos institucionais (é inegável o impacto da droga na economia e nos indicadores de saúde e violência). Diante dela, o poder público não pode ter atitudes contemplativas. Daí a importância do programa anunciado, que, além do reforço de verbas para ações preventivas e de redução de danos, chega acompanhado de anunciadas medidas na área de saúde pública, como a criação de enfermarias especializadas na rede do SUS e consultórios ambulantes (para atendimento nas ruas), aumento do número de leitos para pacientes em tratamento, centros de apoio e avaliação de casos em que se impõe a internação involuntária.

            Sou relatora aqui, Senador Paulo Paim, de um projeto do Senador Demóstenes Torres que vai exatamente nessa direção, com a internação compulsória do dependente químico, depois de uma análise, de uma perícia médica.

            Também estamos, sob o comando do Senador Wellington Dias, encerrando o trabalho de uma subcomissão que tratou do combate ao crack, drogas e alcoolismo. E na terça-feira - já aproveito para fazer o convite aqui, Senador Paim -, as assembleias legislativas, através do Interlegis, com transmissão e conexão virtuais, farão um debate. Será um debate com a participação das duas Casas, do Senado e também da Câmara, com o Deputado Carimbão, que se dedica a essa matéria e que trouxe também várias experiências colhidas em viagem recente a quatro países - Portugal, Holanda, Suécia e Inglaterra - acompanhado do Senador Wellington Dias.

            Dezesseis das 27 assembleias legislativas já confirmaram a participação nesse debate de terça-feira, por meio do Interlegis, quando iremos debater as conclusões advindas do trabalho feito pela Subcomissão de Combate e Enfrentamento ao Crack e pela Câmara dos Deputados, liderado pelo Deputado Carimbão. Pensamos que, dessa forma, podemos contribuir para o aperfeiçoamento desse programa que o Governo lançou. Como eu já disse em outras oportunidades, o combate e o enfrentamento ao crack não é responsabilidade exclusiva do Governo, é um problema nacional com que toda sociedade precisa estar envolvida, principalmente as famílias. E, mais importante, Senador Paim, uma atenção especial à prevenção. Não há como tratar e abordar esse tema sem nos preocuparmos com a prevenção em todos os âmbitos: do trabalho, da escola e, sobretudo, da família, que tem a grande e primeira responsabilidade de orientar os jovens e adolescentes para que não caiam nas teias e garras dos traficantes.

            Srªs e Srs. Senadores, volto a este assunto pela gravidade que ele representa. Embora, nos últimos anos, o Brasil tenha acelerado o processo de demarcação de terras indígenas e também de reconhecimento de comunidades quilombolas, essa situação ainda não está pacificada em todo o País.

            No nosso Estado do Rio Grande do Sul, Senador Paulo Paim, ainda existem divergências entre tribos indígenas que reivindicam suas terras com a legitimidade que lhes é concedida pela Constituição Federal, mas encontram famílias de pequenos agricultores que fixaram suas raízes nas mesmas terras, há muitas décadas, em alguns casos, há mais de um século.

            V. Exª e eu já tomamos iniciativas de debater o tema em audiências públicas, seja pela Comissão de Direitos Humanos, seja pela Comissão de Agricultura, juntamente - no meu caso - com a participação decisiva da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados e da própria Assembleia.

            Essa é uma situação delicada, em que as duas partes possuem suas parcelas de razão que deveriam ser mediadas pelo Estado, por comissão especial integrada por representante do Ministério da Justiça, com participação e presença dos representantes dos indígenas e também dos pequenos agricultores. Somente essa comissão mediadora terá capacidade e isenção de encaminhar uma solução pacífica para esse problema, que no caso do Rio Grande do Sul se agrava em algumas regiões, com a previsão das demarcações.

            Os critérios que vêm sendo utilizados pela Funai na demarcação das áreas indígenas têm causado conflito entre as partes em diversos Municípios do meu Estado. Há divergências com relação ao tamanho e à localização das áreas e, em alguns casos, até mesmo quanto à verdadeira ocupação das áreas por índios no passado, há mais de século.

            Srªs e Srs. Senadores, essas divergências podem se transformar num conflito social de gravíssimas proporções no Rio Grande do Sul. Tanto os índios, que habitavam as terras antes da chegada do homem branco, quanto as famílias que estão naquelas localidades há gerações lutam pela terra, que é a fonte da própria subsistência.

            Aliás, a ida das famílias de agricultores brancos, em geral de imigrantes europeus, foi estimulada pelo Estado, no processo de colonização e de ocupação, que foi iniciado por políticas públicas no passado. Isso com séculos de distância. Houve casos de confronto naquele período, confronto armado, entre índios e agricultores.

           Em 2004, a Funai iniciou o processo de demarcação de uma área indígena em Mato Preto, com a criação de um grupo técnico para a realização do trabalho. O laudo técnico foi entregue ao presidente da Funai em 2009. As conclusões desse laudo da Funai foram de que, para a demarcação da reserva indígena que irá assentar 63 índios Guaranis, será necessária a remoção de mais de 300 famílias de pequenos agricultores, que têm uma média de 10 a 15 hectares por agricultor, por família. Vou repetir: de 10 a 15 hectares por agricultor e sua família, numa área que vai ser ocupada por essa reserva, de 4.230 hectares, que se situa nos Municípios de Erechim, Erebango e Getúlio Vargas, cidades que ficam a aproximadamente a 350 km de Porto Alegre.

           No caso de Getúlio Vargas, o Município terá pelo menos 18% do seu território como parte dessa reserva de Mato Preto. Situação semelhante ocorre nos Municípios de Saranduva e Cacique Doble, na região do Alto Uruguai, onde 74 famílias de cinco comunidades de pequenos agricultores estão ameaçadas de perder suas propriedades com a criação da terra indígena Passo Grande do Forquilha, de 1.998 hectares.

           Essas comunidades vivem num clima de tensão e intranquilidade, pois antes mesmo da conclusão do processo administrativo da demarcação das terras e desapropriação os índios já iniciaram a invasão dessas propriedades.

           Além do mais, de acordo com manifesto produzido por entidades locais, essas invasões estão sendo incentivadas e apoiadas por alguns funcionários da própria Funai, alguns deles afastados, que é o órgão que deveria estar intermediando a questão entre os pequenos agricultores e os índios. E é por isso que a ação do Ministério da Justiça, como mediador desse conflito, é urgente e inadiável, antes que ele se acentue e algo de muito grave aconteça ali com violência. As partes estão sob tensão e isso é muito perigoso para a segurança dos envolvidos, sejam eles índios, sejam eles pequenos agricultores.

           Confortou-me, ontem, na audiência com o Ministro José Eduardo Cardozo, no Ministério da Justiça, a informação de uma audiência que ele concedeu, de que está providenciando a criação exatamente de uma comissão especial para mediar tais conflitos. É muito oportuna essa iniciativa do Ministério da Justiça, a quem está subordinada a Funai. O Ministro reconheceu que 80% da sua agenda é ocupada com as questões das demarcações das terras indígenas, não apenas no Rio Grande do Sul, mas em outros Estados brasileiros.

           Quero, portanto, renovar meu agradecimento pela forma como o Ministro Eduardo Cardozo, depois de um problema de comunicação entre a assessoria do meu gabinete e do próprio Ministério, me recebeu, durante uma hora, na manhã de ontem, depois de haver um esclarecimento.

           É também necessária a construção de uma política de longo prazo, como a criação de uma comissão que avalie com precisão a demarcação de terras indígenas e quilombolas, o que hoje acontece apenas de acordo com os critérios da Funai, que tem se mostrado, em muitos casos, parcial nesse processo, gerando muita insegurança jurídica nas localidades onde atua.

           Tendo em vista essa situação, solicitei a audiência já referida, com o Ministro José Eduardo Cardozo, por quem fui recebida na manhã de ontem, ocasião em que pude explicar e detalhar esse problema no Rio Grande do Sul.

           O encontro contou com as presenças do Deputado Federal Luis Carlos Heinze (PP); do Presidente da Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa do RS, Deputado Estadual Ernani Polo; do Pesidente da Funai, Márcio Meira; do Pefeito de Getúlio Vargas, Pedro Paulo Prezzotto; do Pesidente da Câmara de Vereadores de Getúlio Vargas, Dinarte Afonso Farias; do Pesidente do Sindicato Unificado dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, Nilton Antônio Scariot; do Coordenador da Comissão de Agricultores do Mato Preto, Nelson Rogalski; do Vice-Prefeito de Erebango, Enio Meregalli (PP); do Presidente da Câmara de Vereadores de Erebango Arlindo Valdir Jewinski; do Presidente do Sindicato Rural de Sananduva, Sidimar Luiz Lavandoski; do Presidente do Sindicato Rural de Getúlio Vargas, Leandro Munaretto Granella; e especialmente do Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Rodinei Candeia. Aliás, esse Procurador merece o reconhecimento da comunidade gaúcha, do próprio poder público e da sociedade. Ele tem usado de sua atribuição exclusivamente no interesse da defesa do Estado Democrático de Direito. É um profissional, um funcionário público que tem acompanhado, estudado esse tema com aplicação, com zelo, com competência, com seriedade, com envolvimento pessoal, mas na lisura de quem sabe distinguir. Não examina o mérito, examina tão somente como esse processo está sendo realizado, e tem a preocupação, como representante do Estado, do poder público, de fazer cumprir a Constituição.]

           Eu queria cumprimentar a forma como o Procurador Rodinei Candeia está realizando esse trabalho, sem examinar e sem entrar na defesa desta ou daquela parte, apenas preocupado com que esses processos ocorram debaixo da lei, debaixo da Constituição, debaixo da Justiça.

           Na ocasião, fui informada pelo Ministro José Eduardo Cardozo de que enviará um grupo de trabalho para estabelecer a moderação nos processos que envolvem a demarcação de terras indígenas e também quilombolas.

           Ele ainda garantiu que as irregularidades que foram apresentadas pelos participantes dessa audiência serão investigadas. E solicitou que qualquer eventual ilegalidade na ocupação de terra, para efeito de demarcação, seja denunciada para posterior investigação pela Polícia Federal.

           Srªs e Srs. Senadores, o Ministério da Justiça deve atuar na proteção de todos os grupos e etnias que existem no nosso País. O nosso País foi formado por muitas nações. Uma das principais riquezas culturais brasileiras, se não a principal, é a miscigenação do nosso povo. Poucos de nós, brasileiros, podem se dizer oriundos de uma única etnia.

           O Brasil tem orgulho de ser formado por índios, negros, europeus e asiáticos. Todos os povos que aqui estavam ou imigraram para colonizar nossas terras foram fundamentais para a construção da identidade nacional e para o progresso do País. Nenhum foi mais ou menos importante nesse processo. Todos os que participaram da construção do Brasil deram o máximo de si, independente da sua origem.

           Devemos levar em consideração o fato de que o mesmo Estado que hoje pede a retirada das famílias para a demarcação de terras indígenas foi quem estimulou a vinda de imigrantes há duzentos anos, concedendo a eles o direito de propriedade sobre as terras que habitavam e que habitam hoje.

           Essas famílias têm tradição e apego sobre suas terras - como eu disse, são pequenos agricultores com uma média de 10 a 15 hectares -, assim como os índios que hoje reivindicam seus direitos, após terem deixado as localidades há alguns séculos.

           Uma injustiça do passado não pode ser compensada com uma nova injustiça, no presente. Também é necessário analisar as peculiaridades históricas e geográficas de cada situação.

           No caso do Rio Grande do Sul, os índios e os negros não foram escravizados. Convivem em paz com os imigrantes europeus que vieram, principalmente, de Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Polônia.

           As propriedades rurais que estão sendo desapropriadas para a demarcação de terras não são grandes latifúndios, mas sim pequenas propriedades destinadas à agricultura familiar. São, portanto, a garantia de sobrevivência de milhares de pessoas que retiram da terra o seu sustento. Precisamos acalmar os ânimos das populações envolvidas. Prestar apoio, ouvir as pessoas, conhecer as realidades locais e, sobretudo, defender os seus direitos.

           A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado já iniciou esse processo. Fomos ao Rio Grande do Sul, onde realizamos uma grande audiência pública com indígenas, quilombolas e pequenos agricultores na Assembleia Legislativa do Estado, no dia 21 de setembro deste ano. Foi uma grande oportunidade para que todos pudessem se manifestar, de forma pacífica e organizada.

           Agora, é a vez de o Governo Federal fazer a sua parte. O Governo é o único ente federado com legitimidade para mediar esses conflitos. Esperamos que o Ministério da Justiça aja com rapidez nesse processo. Vidas estão em jogo. Famílias estão apreensivas. Tenho a convicção de que o Ministério da Justiça irá contar com o apoio do Governo do Rio Grande do Sul para a moderação dos conflitos através da ação do Governador Tarso Genro.

           A justiça precisa ser feita pelo Estado antes que os envolvidos na disputa cometam equívocos irreversíveis.

           Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2011 - Página 53324