Discurso durante a 230ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca dos resultados da 17ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comentários acerca dos resultados da 17ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2011 - Página 54243
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO, COMENTARIO, REFERENCIA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ALTERAÇÃO, CLIMA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), OBJETIVO, DEFESA, EQUILIBRIO ECOLOGICO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, NECESSIDADE, ESFORÇO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RELAÇÃO, EFICIENCIA, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA, MEIO AMBIENTE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Pedro Taques, gostaria de, antes, saudar a presença do Deputado Vicentinho, de São Bernardo do Campo, do Partido dos Trabalhadores, meu companheiro de partido, de anseios, de objetivo, que acompanha o casal Amanda Dimitrova e Alexandre Dimitrova, empresários na produção de queijos na região de São Bernardo.

            Sr. Presidente, Senador Pedro Taques, Senadora Ana Amélia e Srs. Senadores, quero fazer uma reflexão sobre os resultados da Conferência de Durban, que foram objeto de reflexão hoje na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, em especial por iniciativa do Senador Fernando Collor de Mello, que esteve em Durban. Ainda há pouco, tivemos aqui também uma reflexão importante do Senador Sérgio de Souza, do Paraná, a respeito.

            O relatório final da conferência de Durban, na África do Sul, que reuniu representantes de 194 países do mundo, não teve os resultados esperados por aqueles que estão preocupados com o meio ambiente. Embora tenham participado a China e os Estados Unidos, dele não fizeram parte índia, Japão e Rússia - também grandes poluidores - o que impediu significativos progressos na discussão do clima.

            O aspecto mais grave, registrado pelo Valor Econômico, do dia 12 de dezembro de 2011, em sua página A12, é que:

"Os resultados da 17° Conferência das Nações Unidas sobre o clima não levam o mundo a um aumento da temperatura menor de 2 graus Celsius, como a ciência considera prudente, mas a algo entre 3 graus Celsius e 4 graus Celsius, um horizonte de intensos desastres naturais”.

            Recentemente, uma conferência sobre o clima na usina de Itaipu, no Estado do Paraná, da qual participou Leonardo Boff e alguns dos maiores climatologistas do Brasil como Carlos Nobre e seus irmãos Antonio e João Nobre, apresentaram a tese de que os cientistas do mundo inteiro estão estudando agora o crescimento abrupto do efeito estufa. Eles afirmaram que um aumento acima de 2 graus Celsius fará com que a agricultura não seja mais possível em nosso planeta. Além disso, o permafrost, que é a terra permanentemente gelada e que está por baixo das grandes geleiras das regiões polares Nórdica e Antártica, está se derretendo, o que liberará gigatoneladas de gás metano e ácido nítrico. O primeiro escondido, desde a Pré-História sob as geleiras Nórdicas e o segundo liberado do fundo dos mares. O gás metano é trinta vezes mais danificador da atmosfera do que o dióxido de carbono e o ácido nítrico.

            Se ligarmos os resultados de Itaipu aos de Durban, chegamos a graves conclusões. Em 2020, prazo dado pela mesma Conferência das Nações Unidas e pelo Brasil para que se ultrapasse o resultado do Protocolo de Kyoto, pelo qual se reduziriam 5% das emissões mundiais sobre o nível de 1990 e que não foi cumprido até hoje, demonstra-se muito pequeno diante da quantidade enorme de gás carbônico que seria preciso retirar da atmosfera.

            O resultado, proposto em 1992 no Rio, era para ser alcançado no ano 2000. Pelo que pudemos julgar da comparação dos dois eventos, não será sequer atingido em 2020. Foi uma notícia impactante para o mundo, diante dos resultados da conferência de Durban.

            Segundo Leornardo Boff, a subida dos 2 graus Celsius, acima dos quais a agricultura se inviabiliza, será atingido em cinco ou seis anos e o processo de elevação da temperatura será excepcional, exponencial.

            Cabe ressaltar os esforços da delegação brasileira em Durban, chefiada pela Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira e pelo Embaixador Luiz Alberto Figueiredo, nosso negociador-chefe, um dos responsáveis pelo fechamento do acordo final, conseguido após entendimentos com representantes da Índia e da Comunidade Europeia.

            A participação do embaixador Luiz Alberto Figueiredo foi tão decisiva para o fechamento do Acordo que o ministro britânico de Energia e Clima, Chris Huhne, com quem Figueiredo havia se desentendido durante boa parte da conferência, acabou elogiando o brasileiro. "Luiz é um advogado criativo e um grande parceiro nas negociações. O Brasil, por sua vez, que tem um histórico de conquistas incrível, está sendo cada vez mais projetado no âmbito internacional", disse Chris Huhne, em entrevista coletiva.

            O embaixador Luiz Alberto Figueiredo, presidente de nossa missão, considerou Durban uma vitória da diplomacia do clima, que deu novo fôlego para que o mundo alcance um acordo capaz de combater o aquecimento global. A posição do Brasil, que desde o início aceitou cumprir metas, foi elogiada por diplomatas europeus e americanos.

            Em face desses resultados, sugiro que o Governo brasileiro intensifique suas ações no sentido de mobilizar a população brasileira, na Rio+20, onde estarão Chefes de Estado do mundo inteiro, pressionando-os para salvar nosso Planeta.

            Os dois graus Celsius - era um consenso, até este mês, que seriam atingidos apenas em 2100 - já estão batendo à nossa porta. As catástrofes previstas para segunda metade deste século, entre eles o desaparecimento dos recifes de corais e da floresta amazônica, já poderão ser vistas por nossos filhos e netos, e até, quem sabe, por nós mesmos.

            Nessas condições, como chegarmos até 2020 sem inviabilizarmos a agricultura, que é dependente direta das condições climáticas? E como sobreviver à impossibilidade de vivermos sem a vida submarina, que está se extinguindo?

            Na reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), hoje realizada, o Presidente, Senador Fernando Collor, que esteve na Conferência de Durban, alertou-nos sobre como os resultados ali obtidos ficaram aquém dos esperados, apesar dos esforços da delegação brasileira, chefiada pela Ministra Izabella Teixeira, pelo embaixador Luiz Alberto Figueiredo e também pelo Embaixador André Corrêa do Lago.

            Avaliou o Senador Fernando Collor que se fará necessário um empenho pessoal muito grande da Presidenta Dilma Rousseff - aliás, como aqui também expressou o Senador Sérgio de Souza - para que a Rio+20, a ser realizada em 2012, venha, de fato, a alcançar os objetivos de cuidarmos do meio ambiente e do clima de forma a evitar os desastres previstos pelos cientistas.

            A CRE hoje decidiu que, no início dos trabalhos de 2012, realizaremos audiências - inclusive o Senador Mozarildo Cavalcanti foi um dos proponentes - sobre a Rio+20, para que possamos ouvir, logo no início de fevereiro, o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo e estudiosos do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, o Prof. Ignacy Sachs, amigo do Senador Cristovam Buarque, e o Prof. Luiz Pinguelli Rosa, que avaliou como melancólicos os resultados obtidos pela Conferência de Durban, Leonardo Boff e outros sobre o balanço da reunião de Durban e as perspectivas da Rio+20.

            Foi bem recebida a sugestão do Senador Cristovam Buarque de também ouvirmos o Presidente Mohamed Nasheed, das Ilhas Maldivas, que estão ameaçadas de submergirem pelos efeitos das mudanças climáticas.

            O Senador Fernando Collor observou que, como se trata da visita de um chefe de Estado, será sugerido ao Itamaraty e à Presidenta Dilma que faça o convite proposto pelo Senador Cristovam Buarque.

            Tem o aparte, Senador Cristovam Buarque, com muita honra.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Suplicy, fico muito feliz de vê-lo trazendo este assunto aqui. Senador Taques, que preside esta sessão, o Brasil inteiro está de olho em 2014, porque tem uma Copa; em 2016, porque tem Olimpíadas. Não está olhando que, em 2012, nós vamos ter uma reunião dos Chefes de Estado e de governo do mundo inteiro para discutir, aqui no Rio de Janeiro, o futuro da humanidade.

            É claro que não estamos no bom rumo com esse tipo de desenvolvimento. A crise europeia mostra. Aquela não é uma crise apenas financeira. Aquilo é uma crise de um modelo de desenvolvimento baseado, sobretudo, no consumo material que depreda a natureza, que concentra renda, ou pelo menos aumenta a concentração, que gera desemprego, que vive, em parte, das indústrias voltadas para a guerra. Não é possível continuar mais cem anos nesse rumo. Aqui se deveria discutir isso. Nós temos dois problemas sérios. Um problema é que ninguém tem certeza de quais virão aqui representando os grandes países. Pode haver uma crise, um apagão de representatividade. E, segundo, ninguém sabe o que é que vai sair da reunião, do ponto de vista de propostas. O que hoje o Presidente Collor fez, a meu ver, de extremamente positivo foi uma cobrança à Presidenta da República de que ela assuma isso para valer. Outro problema é a desmobilização da sociedade civil e suas organizações que, em geral, nessas reuniões, terminam trazendo mais vantagem do que os próprios governos. Temos que mobilizar a opinião pública brasileira, e uma maneira é trazer o Presidente Nasheed, das Ilhas Maldivas, porque é um país que vai desaparecer em poucas décadas. Desaparecerá um país, Senador Taques, coberto pela água! Ele aqui, com o carisma que tem, certamente, traria mobilização à opinião pública, chamaria a atenção quando ele falasse do drama do povo inteiro, que vai perder o país por causa das mudanças climáticas. O Presidente Collor foi muito enfático hoje na reunião da Comissão de Relações Exteriores, e eu fico feliz que o senhor esteja repercutindo esse debate que ali tivemos.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço, Senador Cristovam Buarque a sua sugestão de o Presidente das Ilhas Maldivas vir ao Brasil para que tenhamos consciência do que pode vir a ocorrer com o seu país.

            Se me permite, Senador Pedro Taques, tendo em vista que ainda são poucos os oradores nesta tarde, eu gostaria de concluir com reflexões - se possível, o quanto V. Exª permitir - de Leonardo Boff sobre o tema.

            O SR. PRESIDENTE (Pedro Taques. Bloco/PDT - MT) - Senador Suplicy, a Presidência dará o tempo que V. Exª desejar.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Foi um texto que ele enviou para a Srª Rosemarie Muraro, nossa líder feminista querida, que me encaminhou e eu avaliei que merece ser dito daqui da tribuna em um alerta importante.

            De Leonardo Boff:

“Está em muitos relatórios já publicados pelo mundo afora que o grande problema agora é o degelo das calotas polares e do permafrost (o solo congelado do norte da Europa, Sibéria e Canadá). Por debaixo existem bilhões de toneladas de metano que está sendo liberado. Ele vai ao ar e é 23 vezes mais agressivo do que o dióxido de carbono. Ele pode provocar o "aquecimento abrupto" de até 4-5 graus Celcius. Com esta temperatura grande parte da vida hoje conhecida não vai poder subsistir; inclusive milhões de seres humanos poderão morrer.

Esse aquecimento abrupto está sendo apontado há tempos pela US National Academy of Sciences. Cito: De acordo com o relatório da Academia, de 2002, evidência científica recente mostra que mudanças climáticas de larga escala têm acontecido com velocidade cada vez maior. O novo paradigma de uma mudança abrupta do sistema climático está muito bem estabelecido por pesquisa através da última década, mas esse pensamento é novo e ainda pouco conhecido e não suficientemente apreciado pela comunidade dos cientistas sociais e pelos que definem as diretrizes políticas pelo País”.

Outro cientista, Andrew C. Revkin, Tipping Points and the Climate Challenge, em 28 de março de 2009, mencionou que, basicamente, nós estamos praticando a roleta russa, com o revólver apontado para a geração de nossas crianças e netos.

O antropoceno: uma nova era geológica, enfatiza Leonardo Boff.

As crises clássicas conhecidas, como, por exemplo, a de 1929, afetaram profundamente todas as sociedades. A crise atual é mais radical, pois está atacando o nosso modus essendi: as bases da vida e de nossa civilização. Antes, dava-se por descontado que a Terra estava aí, intacta e com recursos inesgotáveis. Agora não podemos mais contar com a Terra sã e abundante em recursos. Ela é finita, degradada e com febre não suportando mais um projeto infinito de progresso.

A presente crise desnuda a enganosa compreensão dominante da história, da natureza e da Terra. Ela colocava o ser humano fora e acima da natureza com a excepcionalidade de sua missão, a de dominá-la. Perdemos a noção de todos os povos originários de que pertencemos à natureza. Hoje, diríamos, somos parte do sistema solar, de nossa galáxia que, por sua vez, é parte do universo. Todos surgimos ao longo de um imenso processo evolucíonário.

Tudo é alimentado pela energia de fundo e pelas quatro interações que sempre atuam juntas: a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte. A vida e a consciência são emergências desse processo. Nós humanos representamos a parte consciente e inteligente da Via-Láctea e da própria Terra, com a missão, não de dominá-la, mas de cuidar dela para manter as condições ecológicas que nos permitem levar avante nossa vida e a civilização.

Ora, essas condições estão sendo minadas pelo atual processo produtivista e consumista. Já não se trata de salvar nosso bem-estar, mas a vida humana e a civilização. Se não moderarmos nossa voracidade e não entrarmos em sinergia com a natureza dificilmente sairemos da atual situação. Ou substituímos estas premissas equivocadas por melhores ou corremos o risco de nos autodestruir. A consciência do risco não é ainda coletiva.

Importa reconhecer um dado do processo evolucionário que nos perturba: junto com grande harmonia, coexiste também extrema violência A Terra mesma no seu percurso de 4,5 bilhões de anos, passou por várias devastações. Em algumas delas perdeu quase 90% de seu capital biótico. Mas a vida sempre se manteve e se refez com renovado vigor.

A última grande dizimação, um verdadeiro Armagedon ambiental, ocorreu há 67 milhões de anos, quando, no Caribe, próximo a Yucatán no México, caiu um meteoro de quase dez quilômetros de extensão. Produziu um tsunami com ondas do tamanho de altos edifícios. Ocasionou um tremor que afetou todo o Planeta, ativando a maioria dos vulcões. Uma imensa nuvem de poeira e de gases foi ejetada ao céu, alterando, por dezenas de anos, todo o clima da Terra. Os dinossauros, que, por mais de cem milhões de anos, reinavam, soberanos, por sobre toda a Terra, desapareceram totalmente. Chegava ao fim a Era Mesozóica, dos répteis e começava a Era Cenozóica, dos mamíferos. Como que se vingando, a Terra produziu uma floração de vida como nunca antes. Nossos ancestrais primatas surgiram por esta época. Somos do gênero dos mamíferos.

Mas eis que, nos últimos trezentos anos, o homo sapiens/demens montou uma investida poderosíssima sobre todas as comunidades ecossistêmicas do Planeta, explorando-as e canalizando grande parte do produto terrestre bruto para os sistemas humanos de consumo. A consequência equivale a uma dizimação como outrora. O biólogo E. Wilson fala que a "humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar numa força geofísica" destruidora. A taxa de extinção de espécies produzidas pela atividade humana é cinquenta vezes maior do que aquela anterior à intervenção humana. Com a atual aceleração, dentro de pouco - continua Wilson -- podemos alcançar a cifra de mil até dez mil vezes mais espécies exterminadas pelo voraz processo consumista. O caos climático atual é um dos efeitos.

O prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul J. Crutzen, aterrorizado pela magnitude do atual ecocídio, afirmou que inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. É a idade das grandes dizimações perpetradas pela irracionalidade do ser humano (em grego ántropos). Assim termina tristemente a aventura de 66 milhões de anos de história da Era Cenozóica. Começa o tempo da obscuridade.

            Para onde nos conduz o antropoceno? Cabe refletir seriamente, Sr. Presidente.

            Por essas razões, quero incluir entre os convidados para a preparação da Rio+20 na Comissão de Relações Exteriores Leonardo Boff, pelo alerta tão significativo que aqui nos faz.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Pedro Taques, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2011 - Página 54243