Discurso durante a 231ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a maioridade penal.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL.:
  • Considerações sobre a maioridade penal.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2011 - Página 54647
Assunto
Outros > CODIGO PENAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, EXECUTIVO, DISCUSSÃO, SOCIEDADE CIVIL, DEBATE, REFERENCIA, REDUÇÃO, MAIORIDADE, PENA DE DETENÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO.

            O SR. CASILDO MALDANER (Bloco/PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado a V. Exª, Senador Acir Gurgacz, que preside esta sessão, caros colegas, embora de maneira breve, não posso deixar de trazer aqui um tema que vem afligindo e preocupando o Brasil. Há diversas comissões tratando o assunto. Em todos os lugares por onde se anda há uma preocupação em relação à redução da maioridade penal para os 16 anos. Ainda na última segunda-feira à noite, em um canal de televisão em Florianópolis, os três representantes do nosso Estado no Senado, Senador Luiz Henrique, Senador Paulo Bauer e eu, tivemos um debate, ao vivo, e as perguntas dos telespectadores, muitas delas eram relacionadas à redução ou não da idade penal. Perguntas sobre como se deve enfrentar isso, sobre a questão prisional que há no Brasil, e toda essa preocupação das famílias, esse conjunto de teses e ações.

            Há muitas tendências. Alguns reduzem para 16 anos, outros não reduzem a maioridade penal. Para alguns não há onde colocar os jovens se se reduzir a maioridade, pois os presídios estão lotados. Não há como colocar mais pessoas com essa idade no meio de prisioneiros profissionais. Isso não recupera. É a preocupação das famílias.

            Temos a preocupação com o trafico; a questão que envolve menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

            Então, embora o Congresso entre em recesso nos próximos dias, na próxima semana, esse é um tema que não pode sair da pauta. Nós não podemos deixar de tratar desse caso. Devemos entrar em um debate nacional, em um debate com todos os setores, principalmente os que lidam com esse tema, para que possamos harmonizar e encontrar o melhor para todos.

           Cresce, em nosso País, a discussão acerca desse tema de extrema relevância. Refiro-me à redução da maioridade penal, como disse antes, que deve ser motivo de nossa total atenção.

           Primeiramente, gostaria de deixar claro que, por envolver repercussões tão variadas e significativas, a questão deve passar por um profundo e extenso debate, envolvendo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em todos os seus níveis, bem como a sociedade civil. Não tenho a pretensão de expor convicções definitivas e imutáveis. Nossa intenção é, primordialmente, apresentar questões para esta indispensável reflexão sobre o assunto.

           Por outro lado, não é possível discutir redução de maioridade penal sem, concomitantemente, avaliar nosso sistema penal. Não há como negar que vivenciamos um verdadeiro estado falimentar, com superlotação, fugas e, acima de tudo, distante de prática reintegradora e educativa.

            Nossas cadeias, grosso modo, tornaram-se grandes amontoados de presos que de lá saem, por vezes, piores do que entraram. É forçoso admitir que iniciativas e políticas socioeducativas são exceção. No jargão popular, essas instituições tornaram-se verdadeiras universidades do crime.

            Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, a população carcerária brasileira, ao fim de junho de 2011, era de 513.802 pessoas, entre homens e mulheres, em regimes fechado, semi-aberto e aberto em cadeias, penitenciárias, presídios e delegacias de polícia, nos âmbitos federal e estadual. Isso mesmo, mais de meio milhão de pessoas - população igual à de cidades médias brasileiras - compõe esse contingente que cumpre algum tipo de restrição de liberdade. Igualmente alarmante é o déficit de vagas: mais de 200 mil.

            Sem dúvida, a solução não é, unicamente, construir mais e mais presídios, pelo menos não no modelo atual.

            Reforçando o que disse acima, do total dessa população carcerária, somente 43.334 participam de atividades educacionais, ínfimos 8,4% do total. Como reflexo imediato, os altos índices de reincidência no crime.

            Outras informações desse relatório já nos indicam uma linha de reflexão. A maior parte dessa população carcerária está na faixa etária de 18 a 25 anos e não tem sequer o ensino fundamental completo.

            Por fim, outro dado merece relevo: dentre os crimes tentados e/ou praticados, considerando toda a tipificação de nosso Código Penal, a imensa maioria é composta por crimes contra o patrimônio e crimes envolvendo o tráfico de entorpecentes, este campeão absoluto de ocorrências, mais de 110 mil. Esse fato, em si, já merece outro debate.

            O mesmo se repete nos centros de correção de menores infratores cuja fórmula tornou-se mera reprodução do modelo empregado nas prisões.

            Mas esse quadro não pode desestimular a discussão e tampouco a busca por soluções, senão definitivas, ao menos mitigatórias.

            Com relação ao sistema penitenciário, uma alternativa viável consiste na descentralização das unidades penitenciárias. A opção por grandes construções exige uma logística complicada, gera altos custos, além de promover o afastamento dos apenados de seus familiares e um pernicioso ajuntamento, permitindo a formação de grupos e gangues. Seria interessante que, em determinado momento, cada comarca do Poder Judiciário pudesse ter uma pequena unidade prisional, proporcional ao número de habitantes, possibilitando a aplicação mais eficiente de políticas educativas reintegradoras. Acho que uma saída é pensarmos nessa descentralização.

            Já a questão que envolve os menores infratores demanda outra reflexão. O Estatuto da Criança e do Adolescente, um grande avanço na legislação brasileira no campo dos direitos humanos, classifica como criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Até lá, são inimputáveis.

            Isso não significa, no entanto, que não sofrem restrições. Dos 12 aos 18 anos, o menor está sujeito a uma série de medidas educativas e punitivas, inclusive privação da liberdade por um período máximo de três anos.

            Cito o Promotor de Justiça no Estado de São Paulo José Heitor dos Santos, em artigo publicado no site do Ministério Público do Rio Grande do Sul:

É verdade que, ao criar as medidas socioeducativas, o legislador tentou dar um tratamento diferenciado aos menores, reconhecendo neles a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois, ao serem executadas, transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando a impunidade tão reclamada e combatida por todos. No processo de sua execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em castigos, revoltam os menores, os maiores, a sociedade, não recuperam ninguém, a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado para os adultos.

            Por outro lado, não podemos ignorar o clamor de parte da população diante deste tratamento diferenciado, especialmente na ocorrência de crimes hediondos, como estupro ou latrocínio.

            É difícil imaginar que um menor, por exemplo, de 17 anos não tenha a mínima compreensão da dimensão do seu ato e, consequentemente, não tenha uma punição compatível , proporcional.

            Então, eu acho e defendo a tese de que o menor de 18 anos deve ter uma punição, porque ele consegue assimilar, de acordo com a informação avançada que existe no Brasil hoje. Agora, deve haver uma diferenciação nesses casos.

            Há grandes diferenças. Comparamos a legislação brasileira com a de outros países. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, não existe idade mínima para aplicação de penas, por exemplo. Lá é levada em conta a índole do criminoso, tenha a idade que tiver, e se a sua consciência respeita a gravidade do ato que cometeu. Em Portugal e na Argentina, o jovem atinge maioridade penal aos 16 anos. Na Alemanha, a idade limite é de 14 anos. E, na Índia, sete anos. Pasmem!

            O Brasil optou por uma análise puramente biológica para determinar a compreensão do jovem acerca do ato cometido. Uma alternativa seria avançar para uma análise mais ampla de características biopsicológicas. Nós tínhamos que não só ficar na idade biológica, mas a ideia que propomos é que, além da biológica, a parte psíquica também se envolva nesse caso.

            De minha parte, acredito ainda numa alteração na legislação atual que crie uma espécie de regime diferenciado, talvez compreendendo as idades entre 14 a 18 anos, aliado a uma análise psicológica e psiquiátrica. Esse prazo máximo de três anos para medidas socioeducativas, por exemplo, deve ser revisto quando da ocorrência de determinado tipo de crime. Compartilho também a opinião externada pelo Senador Paulo Bauer, com larga experiência na área educacional. O nobre colega quer punição para aqueles que aliciam menores para seus serviços criminosos, contando com uma alegada impunidade. Esses aliciadores devem ser apenados duas vezes: pelo crime que cometem e pelo envolvimento em desencaminhamento de menores, enquanto os que foram aliciados teriam uma redução proporcional na sua punição.

            Então, veja, Sr. Presidente Acir, é duro, mas é uma tese que merece atenção.

            Se esse menor, se ele foi induzido ao crime por um maior, por um profissional do crime, que usa, para se esconder, o menor como mula, como se diz na gíria, como laranja, se o usa como escudo, se esse menor foi induzido ao crime, se ficar comprovado isso, tem que haver pena? Sim. O menor de 18 a 16 anos, uma coisa covarde, tem que receber pena, sim. Mas, se é comprovado que foi induzido, a pena desse jovem será aliviada, minimizada. Agora, será reforçada a pena do profissional, daquele que esteve por trás, que induziu o jovem; ele será responsabilizado e, de acordo com a proposta do Senador Paulo Bauer, até em dobro. Precisamos fazer com se exija isso no Brasil, para que se dê mais responsabilidade, se criminalize mais os que induzem os jovens como instrumento para se protegerem e alcançarem principalmente crimes violentos.

            Por fim, como citei no início deste pronunciamento, estas são apenas algumas reflexões que devem permear um debate maior, a ser aprofundado e estimulado por todos nós.

            Algumas certezas, no entanto, são irrefutáveis: o tráfico de entorpecentes está na raiz da criminalidade brasileira. Contra ele, precisamos, sim, intensificar o combate, a repressão, mas também fortalecer campanhas educativas.

            Educação de forma geral, ampla e irrestrita, é a melhor arma para combater a escalada da criminalidade e da insegurança que galopa a passos largos e mantém os brasileiros reféns do medo. Trata-se de caminho inevitável para um futuro melhor para o nosso País, para a sociedade justa e democrática que queremos. Este conceito não deixa margem a dúvidas.

            São essas as nossas considerações, Sr. Presidente Acir, que trago já no início da tarde de hoje, no limiar desta sexta-feira. É um debate que está na pauta nacional: como é que vamos enfrentar esta questão, se diminuímos ou não a criminalidade dos menores de 18 anos; de que maneira vamos pautar isso; como é que vamos criminalizar; de que forma; como responsabilizar mais os profissionais de crimes, os maiores que usam os menores para o crime. E as prisões, a descentralização. Há uma tese de que, nas comarcas do Brasil inteiro, poderíamos ter prisões menores, de acordo com o número de habitantes de cada comarca, que muitas vezes abrangem vários municípios. Que ali mesmo possam se resolver as questões, para que fiquem ali mesmo, no seu ambiente, na sua região, para não entupirmos as prisões em todos os lugares. É claro que tem de ter excepcionalidade - presos especiais. Tem que haver isso. Precisamos encarar isto: na descentralização, harmonizar não só para os que são profissionais e são condenados, mas também para aqueles que são menores e são ou induzidos, ou que procuram praticar sponte propria. Como vamos tratar disso nas próprias comunidades, nas próprias comarcas. Acho que é uma das saídas para essa questão tão forte no Brasil inteiro.

            No mais, Sr. Presidente, muito obrigado pela tolerância, sob a Presidência de V. Exª, mas eu não podia deixar de tratar deste tema tão relevante. Na próxima, se Deus quiser, vamos fazer um resumo das atividades desenvolvidas durante o ano, de nossa parte, no Congresso Nacional.

            Muito obrigado a V. Exª e aos caros colegas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2011 - Página 54647