Discurso durante a 233ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a atual política econômica brasileira, com proposta de profundo debate sobre a economia, no Senado Federal, para o próximo ano.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexões sobre a atual política econômica brasileira, com proposta de profundo debate sobre a economia, no Senado Federal, para o próximo ano.
Aparteantes
Armando Monteiro, Eduardo Suplicy, Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2011 - Página 55117
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, NECESSIDADE, DEFESA, EMPREGO, BRASIL, IMPORTANCIA, CONTROLE CAMBIAL, PAIS, REGISTRO, RELEVANCIA, DEBATE, ECONOMIA, OBJETIVO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Antes de mais nada, Presidente, quero registrar uma observação, não um protesto, uma vez que estamos aqui entre companheiros.

            A Mesa, por orientação da assessoria, realizou uma permuta da Senadora Lídice da Mata com o Senador Pedro Taques, só que a Senadora Lídice da Mata já havia falado. Então, a assessoria da Mesa induziu a Presidência a fazer uma permuta com quem não tinha mais nada a permutar.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Só um esclarecimento, Senador, sem entrar na polêmica...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Só uma observação.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Não, não. É só para dizer que quem fez a permuta foi quem estava presidindo os trabalhos antes de assumirmos.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Sim, sim. Foi a Mesa, e não V. Exª.

            Quero fazer uma intervenção como se estivesse aqui no plenário deste Senado, no início da minha militância política, falando com o desprendimento com que falava o estudante universitário em uma assembleia do seu diretório.

            Quero começar esta intervenção com Raimundo Correia:

Vai-se a primeira pomba despertada...

Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas

De pombas vão-se dos pombais, apenas

Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada

Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,

Ruflando as asas, sacudindo as penas,

Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,

Os sonhos, um por um, céleres voam,

Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,

Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,

E os sonhos aos corações não voltam mais.

            Quero falar sobre os nossos sonhos. O sonho da construção da Nação, da justiça social. O sonho que nos leva às ruas e às campanhas eleitorais.

            Vai-se parte da 54ª Legislatura do Senado Federal.

            Foi ótima ou boa? Foi regular? Foi ruim ou péssima?

            Confesso que não saberia responder a pesquisa. Talvez me refugiasse no conforto do regular. Nem cá, nem lá, tudo mais ou menos.

            Embora de bancada que compõe a base do Governo, em algumas votações chaves, votei contra o Governo. Por exemplo, salário mínimo e boa parte das medidas provisórias. Quando não, fui o único voto discordante, em votações em que oposição e governo deixaram de lado as divergências circunstanciais que os aparta, para produzirem equívocos quase unânimes.

            A Ministra Ideli Salvatti fez uma boutade sobre o meu posicionamento. Disse que no Senado há a situação, a oposição e o Requião. Nem é bem assim, embora seja verdade que, com frequência, sinta solidão em minhas opções e, com frequência, quase ceda ao desânimo.

            Em meu primeiro discurso, em fevereiro, disse que temas concentrariam o meu trabalho. Ao longo da legislatura, mantive-me fiel ao compromisso, sem medo de ser repetitivo, monocórdio.

            Sem o adjetivo provocativo de James Carville, insisto: é a economia, Srªs e Srs. Senadores, é a economia. De resto, o resto vem por acréscimo.

            Em fevereiro, desta tribuna, deplorava que o Governo Federal, diante dos sinais tão claros de que a crise financeira global não arrefecera - porque os pressupostos que a provocaram não haviam sido removidos -, deplorava que o Governo Federal teimasse em destilar, em gotejar medidas para proteger o País dos efeitos da crise, quando a realidade exigia decisões mais duras, mais incisivas; quando, enfim, em vez da prudência homeopática, exigia-se a urgência, a emergência de doses fortes de remédios fortes.

            Algumas medidas agora anunciadas deveriam ter sido tomadas lá em janeiro, lá em fevereiro, em março, no máximo. No entanto, mais poderosas que os interesses nacionais, mais influentes que a vontade, que as intenções e as decisões presidenciais impuseram-se as vozes do mercado.

            E eis as consequências: declínio do consumo, crescimento zero no terceiro trimestre, aumento da inadimplência, desaceleração industrial, com o consequente recuo no número de vagas de trabalho no setor e a diminuição do valor da folha de pagamento real, e queda nos índices de reajustes salariais, que passaram a não incorporar mais, Senador Paim, os ganhos de produtividade.

            De todo modo, enquanto isso, anuncia-se que aumentou o número de milionários brasileiros, cuja quantidade deve dobrar, até 2016. Quem são esses venturosos senhores ou senhoras infensos aos tormentos da conjuntura? Seriam eles agricultores, industriais, comerciantes, profissionais liberais, ou talvez jogadores de futebol?

            Não, não e não.

            São especuladores, são rentistas, são banqueiros. São, por exemplo, os seletos sócios do mercado de private banking brasileiro, que hoje movimenta R$430 bilhões e que projeta alcançar R$1 trilhão, até 2016.

            São os filhos dos juros.

            São os proxenetas do capital vadio.

            A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aponta que, depois de décadas de desregramento neoliberal, cresceu, acentuadamente, nos últimos 30 anos, a distância entre ricos e pobres. E recomenda o aumento da taxação sobre os mais ricos como forma de reduzir o hiato que se alarga.

            Eu cá pergunto: aumentar o que, cara pálida, se aqui, nestes trópicos, é dos usos e costumes, desde sempre, taxar o pobre e isentar o rico?

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, há uma clara dicotomia no Brasil nesses dias anuviados. Há distância entre o discurso e entre a prática. Há distância, como diria o poeta, entre a intenção e o gesto.

            Os discursos da Presidenta Dilma e do Ministro Mantega tocam-me o coração, reconfortam-me a alma. Eles revelam clara apreensão das raízes da crise, dos males causados pelo cancelamento de qualquer restrição às ações do mercado. Demonstram o entendimento de que a prevalência da especulação sobre a produção, da banca sobre a fábrica aguça, prolonga a crise. Proclamam que a defesa do emprego, o incentivo ao consumo e o corte dos juros, combinados com o aumento dos investimentos públicos e estímulos aos investimentos privados, são essenciais para fazer o País crescer e preservar-se da contaminação da crise mundial.

            Belos discursos.

            Belos discursos que se transformam em palavras ao vento à medida que a prática se revela outra.

            E os investimentos públicos, Srs. Senadores?

            De janeiro a novembro, os investimentos do Governo Federal, em comparação com o mesmo período de 2010, encolheram R$16,5 bilhões. Triunfaram as opções conservadoras; ou seja, preocupado com a inflação, o Governo enxugou os investimentos.

            Havia a opção de reduzir o superávit primário, por exemplo. Mas aí os gênios da lâmpada perguntaram-se aflitos: “Se fizermos exceções na solidez fiscal, nos sagrados pressupostos que fundamentam a nossa política econômica, como reagirá o mercado”?

            Reverentes ao mercado, genuflexos diante do altar da especulação, sacrificaram os investimentos e preservaram o superávit primário.

            Quando se abre mão dos investimentos para manutenção do rigor fiscal, abdica-se do crescimento, aceita-se um PIB raquítico, admite-se o aumento da taxa de desemprego, conforma-se com a diminuição dos salários.

            No início do ano, Guido Mantega dizia que a dita austeridade fiscal seria mantida e que os investimentos públicos iriam crescer. Como a austeridade foi mantida e os investimentos caíram, quem é que pagou o pato?

            E, por esses dias, ouço o Ministro da Fazenda dizer que, para a economia crescer, o Governo depende de investimentos privados.

            Rebate o Presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade: para a economia crescer, o setor privado precisa que o Governo invista em infraestrutura e faça algumas concessões na política econômica.

            Como até agora não vimos sinais de uma coisa nem de outra, a não ser pálidas e tímidas medidas, é de se preocupar com o ano que se aproxima.

            E os investimentos privados?

            O Senador Armando Monteiro, desta tribuna, dias atrás, revelou-nos dados que deveriam despertar de vez o Congresso para a realidade de nosso País hoje.

            Ouçam o que ele disse: enquanto a balança comercial brasileira apresentava, até novembro, um superávit de US$26 bilhões, a balança comercial dos manufaturados, tomada isoladamente, escancarava um déficit de US$86 bilhões, com a previsão de fechar o ano com um rombo de US$94 bilhões. Em apenas cinco anos, de 2006 a 2011, esse déficit pula de US$6 bilhões para US$96 bilhões.

            Srªs e Srs. Senadores, a produção industrial brasileira está indo pelo ralo. A primarização da economia, condicionando-nos a exportadores de grãos e minérios, e importadores de produtos acabados, não é mais uma ameaça ao nosso futuro. É uma constrangedora e presente realidade.

            Não é de hoje que o ritmo, a velocidade do setor industrial vem desacelerando, marcando passo, quase parando, colocando em risco nossa plataforma fabril, desempregando, exportando empregos e renda.

            A retomada não se faz de uma hora para outra com um estalo de dedos. No entanto, afora uma ou outra reação, como a do Senador Armando Monteiro, as sempre oportunas advertências do Senador Francisco Dornelles e as intervenções dos Senadores Cristovam e Aloysio, vibram, soam e ressoam, com frequência, por essas paredes espelhadas, louvaminhas, reverências, salamaleques aos tais sólidos fundamentos macroeconômicos, aos acertos das medidas tomadas pela Presidenta Dilma e pelo Ministro Guido Mantega, à magnificência dos números e coisa e tal.

            Não é diferente a reação da Bancada oposicionista. Não vejo da parte dela também qualquer antagonismo à política econômica em curso. Afinal, a oposição acusa a situação de plágio, de usar no Governo um software pirata. Sendo assim, sendo a oposição, no entender dela, a legítima formuladora desses equívocos, não há por que esperar dela qualquer reação aos equívocos. Ela é ciosa do que gerou.

            E os salários? E o consumo?

            Leio nos jornais que o Dieese e algumas empresas de consultorias estimam para este semestre que os aumentos salariais não vão obter índices acima da inflação e que os trabalhadores não organizados em sindicatos, ou liderados por sindicatos fracos, vão ter dificuldades para obter índice que, pelo menos, reponha a inflação. Ganhos de produtividade? Jamais, adeus! Enfim, nada de novo.

            Quando, em fevereiro, defendi um salário mínimo maior do que o proposto pelo Governo e votei contra a proposta do Governo, guiava-me a percepção de que a crise iria aprofundar-se e que antecipadamente deveríamos garantir um ganho maior aos trabalhadores, vítimas preferenciais das crises financeiras globais. Todos nós sabemos, e se não atentamos para o fato é uma lástima, que a distância, que o fosso cavado entre o salário e a produtividade está na origem da crise financeira que espocou e estilhaçou a economia mundial a partir de 2008.

            Será que é tão difícil assim absorver lições da história? Se o Governo segura o salário mínimo, sinaliza, Senador Paim, para o mercado a trilha a seguir. A contenção dos salários, o decréscimo dos aumentos salariais corre paralelo com a elevação da inadimplência. Em média, estima-se que o endividamento das famílias brasileiras atinja 50% do que ganham, o que é uma verdadeira tragédia com os juros aplicados na economia brasileira, que não tem mais nada a ver com a taxa Selic. Não precisa ser nenhum diretor de banco central ou nenhum desses geniais consultores para perceber que isso é uma bomba de fortíssimo poder destrutivo.

            A ditadura da banca, que submete e humilha portugueses, espanhóis, irlandeses, italianos e gregos, que se acumplicia com os governantes da Alemanha, França e Inglaterra, que faz do Presidente Obama um presidente pusilânime e amedrontado, quando não submisso, não vai deixar o Brasil fora de seu alcance só com discursos ou bravatas.

            O voluntarismo não leva a rigorosamente nada. Muito menos um otimismo que se estrutura no vazio, o otimismo declaratório, quando não declamatório. Não existe outra saída a não ser apoiar-se e acreditar nas nossas próprias forças.

            O medo servil, que faz duvidar da possibilidade de libertar-se, que resiste à ideia da emancipação, o sabujismo colonial, que se conforma ou aprecia a submissão, a espinha sempre recurva aos interesses alheios e essa contrafação marota, oportunista, do internacionalismo, que não vê mais espaço às nações, aos projetos e sonhos nacionais, são três vertentes da mesma fonte, a fonte absoluta da mediocridade.

            Não vamos a lugar algum se não tivermos coragem de radicalizar. Radicalizar na defesa do salário e do emprego; radicalizar na defesa da indústria nacional; radicalizar no corte de juros impostos; radicalizar na defesa da moeda, no controle do câmbio; radicalizar na regulamentação do mercado financeiro, com rígidas, duras medidas de restrição à especulação; radicalizar ao ponto de intervenção às atividades da banca, toda vez que os bancos sobreponham seus interesses aos interesses da economia nacional, da produção, do emprego e da segurança econômica dos brasileiros.

            Quanto a isso, a quem torcer o nariz à minha proposta, lembro o que aconteceu em 2008, quando arrebentou a crise. O Presidente Lula, para que a banca irrigasse a economia de créditos, fazendo-a girar, liberou o compulsório. O que fez a banca? Aplicou os recursos liberados em letras do Tesouro e deu uma banana a quem precisasse de crédito para produzir, para comprar ou vender. Uma banana para o País! Essa foi a resposta da banca.

            Radicalizar para crescer. Radicalizar para desenvolver. Radicalizar para viver. Radicalizar para existir como nação soberana, próspera, solidária, boa e justa para todos.

            Srªs e Srs. Senadores, espero que, no próximo período desta Legislatura, concentremos nossas energias no que interessa: a discussão da economia. Assim farei, nem que clame no deserto deste plenário, no deserto desta Esplanada de Ministérios, no deserto desta Praça dos Três Poderes.

Vai-se a primeira pomba despertada...

Vai-se outra [...]... mais outra... enfim

Dezenas de pombas vão-se dos pombais,

Apenas raia sanguínea e fresca a

madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada

Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,

Ruflando as asas, sacudindo as penas,

Voltam todas em bando e em revoada...

(...)

No azul da adolescência as asas soltam,

Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,

E [os sonhos] aos corações não voltam mais...

            Eu vim ao Senado da República sonhar com o renascimento da Nação brasileira, com o fim da escravidão e do neoliberalismo. Eu não vim para assistir a uma explanação como a que fez hoje o Tombini, Presidente do Banco Central. Absolutamente não técnica.

            Hipóteses impalpáveis e improváveis. Não é possível que o Senado da República se alimente com essa conversa mole da tecnologia submetida ao capital financeiro e ao capital vadio, que não produz nada, Senador Suplicy, uma peça, um botão, uma camisa, não faz funcionar uma máquina e não gera um emprego. Vive da fantasia, da jogatina das bolsas.

            Não é possível que o Senado da República e o País se conformem com a duplicação dos milionários brasileiros, todos eles extraídos das bolsas, da especulação e do capital vadio; nenhum ligado à produção agrícola ou industrial ou a uma atividade liberal, qualquer que seja.

            Com a palavra o Senador Armando Monteiro.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Em seguida...

            O Sr. Armando Monteiro (PTB - PE) - Meu caro Senador Requião, quero congratular-me com V. Exª e dizer que é importante a sua presença no debate desta Casa. V. Exª faz um pronunciamento instigante e é bom vê-lo, já maduro nessa sua trajetória na vida pública, aliás, pontilhada de conquistas, de êxitos, vê-lo ainda com esse inconformismo, com posições, eu diria, que, de alguma maneira, lembram ainda a sua vida como estudante, ou seja, V. Exª não perdeu a capacidade de sonhar e não deixou de ter posturas irredentas. É preciso tê-lo no debate desses temas. Devo dizer que não concordo com todos os conceitos que V. Exª emitiu, mas quero dizer que tenho um profundo respeito pela verticalidade da sua presença nesta Casa, de alguém que se coloca, que se posiciona, que não teme o debate e que, por isso mesmo, estimula o debate nesta Casa. Guardarei esse seu pronunciamento como um bom momento deste primeiro ano aqui no Senado. E quero dizer, Senador, que V. Exª tem muita razão. Nós precisamos aprofundar o debate nesta Casa sobre os temas que são verdadeiramente de interesse do País; discutir o futuro da indústria brasileira, dessa indústria que foi produto do trabalho de gerações e que está ameaçada, hoje, por conta de alguns equívocos. Portanto, esta Casa haverá de reconhecer que o tempo político tem que olhar o tempo econômico. O tempo econômico não espera o tempo político. Há um sentido de urgência de uma agenda que o Brasil precisa retomar. Por isso, congratulo-me com o pronunciamento de V. Exª e tenho certeza de que vamos seguir discutindo esses temas, sempre com a coragem e com a firmeza de V. Exª.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Já é tarde, Senador, mas ainda é tempo.

            Com a palavra o Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-lo, prezado Senador Roberto Requião, pela maneira como hoje resolveu se dedicar e se preparar para um discurso longo a respeito da política econômica. Quisera que V. Exª tivesse também travado um diálogo com o Presidente Alexandre Tombini, porque, com o debate, todos iríamos aprender mais. Mas haverá oportunidade para isso, porque certamente o Presidente Alexandre Tombini, do Banco Central, estará ouvindo as suas observações. Mas também é preciso colocar as coisas nos devidos termos. V. Exª menciona que tem havido um aumento da concentração de riqueza em diversos países, inclusive nos Estados Unidos da América e nos países europeus, algo que tem sido ressaltado, por exemplo, pelo laureado com o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz. Felizmente, no Brasil, temos tido uma tendência de melhoria da distribuição da renda, conforme hoje expôs não apenas o Presidente Alexandre Tombini, no Banco Central, mas o IBGE, que mostra que o Coeficiente de Gini, de desigualdade, ano a ano, desde 2002 para 2010, todos os anos decresceu. Então essa é uma tendência que há que se reconhecer. Ressaltou V. Exª que há uma pesquisa, uma previsão de que o número de pessoas ricas no Brasil tem aumentado e deverá aumentar ainda muito significativamente, mas há que se observar em que medida está-se efetivando o Brasil Sem Miséria, a erradicação da pobreza extrema e, eu espero, da pobreza absoluta. V. Exª sabe que instrumentos têm sido colocados nessa direção e poderão ser aperfeiçoados.

            Eu tenho a convicção de que, se fizermos a transição do Programa Bolsa Família para o direito universal e incondicional de toda e qualquer pessoa neste País receber uma renda básica de cidadania, esse será um instrumento muito importante para a melhoria da distribuição da renda e para prover dignidade e liberdade real para todos. V. Exª também tem consciência, mas não mencionou, que, embora o aumento do salário mínimo este ano não tenha sido tal como V. Exª havia proposto, já está previsto, inclusive no Orçamento que deveremos aprovar possivelmente até quinta-feira próxima, um aumento bem mais significativo do salário mínimo, porque a regra estabelecida foi a de que deveria ser levado em consideração tanto o aumento do custo de vida, da inflação, mais o aumento do PIB no ano. No caso de 2010, foi de 7,5% e, portanto, sabe-se já que o aumento, no próximo ano, será bem mais generoso, acima de 16%. Isso terá um efeito significativo também, do ponto de vista de aumentar a remuneração além da inflação, no próximo ano. Então, isso precisa ser considerado. O fato é que V. Exª faz uma crítica severa às decisões do Banco Central, mas, felizmente, pelo menos, a três reuniões do Copom que a taxa de juros Selic vem diminuindo. Eu também gostaria e quero vê-la diminuir ainda mais intensamente. No meu diálogo com o Presidente do Banco Central, ressaltei - nesse ponto, acredito que eu esteja em consonância com V. Exª - que a diminuição das taxas de juros acaba tendo um efeito também estimulador sobre os investimentos da economia, sobre o aumento da capacidade produtiva e, pelo menos em médio prazo, isso acaba colaborando para a diminuição das pressões inflacionárias, porque o aumento da produção de bens e serviços e de sua capacidade de produzir acaba tendo esse efeito. Mas eu acho que as considerações de V. Exª e, sobretudo, o desafio a todos nós Senadores para aprofundarmos o debate sobre a política econômica é muito bem-vindo. Hoje, quando V. Exª me disse que seria muito bom que viéssemos a convidar o Prof. Dércio Garcia Munhoz, a quem muito estimo, respeito e considero também um excelente economista. Sim, vamos convidá-lo para vir à Comissão de Assuntos Econômicos porque é muito importante que V. Exª esteja estimulando o debate e quem sabe tenhamos um ano de 2012 em que a economia estará no centro maior e privilegiado de nossas atenções. E terá todo o meu apoio com esse direcionamento. Meus cumprimentos a V. Exª, Senador Roberto Requião.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senador Suplicy, um déficit há cinco anos dos produtos industrializados, manufaturados, de 6 bilhões de dólares. Este ano vai para 96 bilhões de dólares. Bolsa Família e as bolsas são positivas para retirar uma parte da população da miséria. Salário congelado, a satisfação do povo mantida à custa de empréstimo, de crédito, que foi a solução engendrada pelo capitalismo americano antes de explodir. A produtividade completamente desvinculada do aumento salarial. É uma bomba que está acionada, e eu não vejo nenhuma medida de real eficiência iniciada para conter esse processo. Eu acho que as medidas do Governo são muito tímidas. O discurso está correto, mas a prática é o critério da verdade. E a prática não tem nada a ver com o discurso. E me preocupa extremamente o que vai acontecer no fim desse processo.

            Desindustrialização do Brasil. Nós estamos gerando emprego na China, no Japão, na Alemanha, nos Estados Unidos. Noventa e seis bilhões de dólares de déficit contra 6 bilhões de dólares, há cinco anos. Os juros engolindo o salário, o ganho das famílias, 50%. Um economista desses econometristas clássicos diria “mas tem países que sobrevivem com muito mais do que isso”, mas não tem o nível de juros do País nosso, que é o maior do mundo, recordista mundial de juros. As famílias estão desestruturadas, o risco é iminente e não é conversa mole que vai resolver esse problema.

            Senador Randolfe Rodrigues.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas V. Exª tem que considerar que a taxa de desemprego desses últimos meses tem sido das mais baixas.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - A custa da diminuição do salário.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - A taxa de desemprego...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - À custa de diminuição do salário. A taxa de emprego está alta e o salário baixando, porque o Governo Federal sinalizou com o congelamento do salário mínimo. Isso não leva a sucesso bom.

            Senador Randolfe.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Roberto Requião, V. Exª, hoje, na Tribuna me lembra um trecho de Drumond “São tão forte as coisas, mas eu não concordo com as coisas e me revolto”. V. Exª tem tido uma trajetória marcada pela sua coerência. Ora, se a definição foi que aqui existe governo, oposição e Requião, então permita-me alinhar com V. EXª. Porque eu tenho profundas divergências com a oposição e com o perfil programático da chamada oposição - PSDB e Democratas - e tenho também divergências com a linha adotada pelo Governo. V. Exª utilizou um termo: radicalizar, radicalizar na política econômica. Eu vou usar algo que neste caso da economia me parece que podem e são sinônimos: ousar, ir adiante, dar passos adiante. Só assim, o dado que V. Exª; os 96 bilhões ...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Radicalizar do italiano radice, ir à raiz das coisas.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Exatamente. Os 96 bilhões são de dólares o déficit da indústria. Esse dado que o Senador Armando, V. Exª, a Senadora Ana Amélia utilizaram essa Tribuna, no decorrer deste ano, com tanta propriedade, me parece que foi pouco escutado este drama que vive a indústria nacional. Mesmo o Governo, no meio do ano, tendo assumido um pacote de medidas de incentivo à indústria, nos estamos caminhando, lamentavelmente, para uma papel periférico na ordem mundial e o Brasil pode ter um papel protagonista na nova ordem mundial. O Brasil do chamado Bric, o Brasil ao lado de Rússia, Índia e China é o único que tem uma condição política e os outros três não têm; tem uma democracia estável e nós estamos perdendo oportunidade. Nós estamos caminhando para uma ordem mundial em que nós seremos meros fornecedores de matéria prima e a China será a grande nação da industrialização.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Matéria prima e mão de obra barata, trabalho aviltado.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Matéria prima e mão de obra barata, inclusive para os chineses. E essa é a advertência que V. Exª está fazendo concretamente aqui, da necessidade de ousadia. Ora, o Brasil tem capacidade e está tendo uma oportunidade, porque no que nós estamos assistindo ma ordem econômica mundial é uma inversão, é a partir da crise econômica que está acontecendo e a possibilidade do Brasil sair com papel de protagonista; e nós temos tido um discurso da área econômica de apoio ao crédito, mas medidas econômicas e medidas na área social concretamente tímidas, uma total submissão continuada ao capital financeiro. A prova maior disso é só abrir o Orçamento da União e ver que 48% do nosso Orçamento ainda está comprometido com o chamado superávit primário; isso contrário a, por exemplo, sermos condenados a ser o 18º ou 20º país do mundo em investimento na nossa saúde, enquanto que vizinhos nossos, como a Argentina, investem em saúde pública quase 10% da receita bruta do Estado.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Educação e saúde.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Em educação e saúde. E nós não tivemos coragem aqui no Senado de aprovar, na regulamentação da Emenda nº 29, 10% do orçamento, 10% da receita bruta da União em saúde pública. Então, se existem três vertentes aqui, se existe também a Requião, permita-me aliar a V. Exª nessa terceira vertente, porque não é a política econômica aqui adotada, que já foi adotada no Brasil pelo PSDB e pelo Democratas...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Não posso mais reclamar do meu isolamento, já somos dois aqui.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Não pode não. Somos dois aqui. Não é essa política econômica dirigida e conduzida pelo PSDB e Democratas que levou o Estado brasileiro a fragilizar nosso papel na economia internacional, mas também não é, como V. Exª muito bem disse, essa política econômica tímida, que chega a ter discursos bons mas uma prática que nos leva a estar caudatários no cenário econômico internacional.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Com a tolerância do Senador Paim, mais um minuto para uma observação.

            O Senador Lindbergh Farias colocou uma proposta na Comissão de Economia que foi aprovada por unanimidade: o Banco Central não cuidaria mais apenas da moeda, mas, cuidaria do emprego e do desenvolvimento econômico. A grita foi tão grande que esta matéria saiu de pauta, o que demonstra que estamos mais amedrontados do que devíamos e demonstra o predomínio absoluto do capital vadio sobre a condução da política econômica.

            Sr. Presidente, agradeço a tolerância e espero que no ano que vem a economia seja debatida em profundidade no Plenário do Senado da República.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Requião, o seu discurso foi ouvido por muita gente, porque tem uma fila enorme de mensagens elogiando o seu pronunciamento pela coragem e alertando o País sobre o que pode acontecer a partir do ano que vem.

            Meus cumprimentos a V. Exª, principalmente quando fala da sua preocupação com emprego e salário, sabendo que dedico minha vida nessa área.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Fundamental, Senador Paim, é que nós, Senadores, não subamos à tribuna para agradar à mídia, à opinião publicada. Que utilizemos a experiência que tivemos ao longo da vida, como políticos e administradores, para orientar a opinião pública, e não nos submetermos ao interesse dos grandes jornais, das televisões, das cadeias de rádio dominadas pelo capital.

            Aliás, a resistência do Lula é um exemplo maravilhoso disso, pelo seu sucesso, e eu lembraria também que a Senadora Cristina Kirchner foi quase que solitária e escoteira opositora do regime do Menem, que o Clinton dizia ser o melhor presidente do mundo, a glória dos presidentes da América Latina, quando entregava a Argentina ao capital financeiro mundial.

            A resistência é necessária e ela será transformadora. E esta tribuna do Senado ninguém vai nos tirar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2011 - Página 55117