Discurso durante a 234ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os acontecimentos mundiais ocorridos em 2011 e perspectivas para o ano vindouro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre os acontecimentos mundiais ocorridos em 2011 e perspectivas para o ano vindouro.
Publicação
Publicação no DSF de 22/12/2011 - Página 55382
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, BALANÇO ANUAL, OCORRENCIA, MUNDO, DISSOLUÇÃO, REGIME POLITICO, PAISES ARABES, DESASTRE, USINA NUCLEAR, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, CRISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EUROPA, ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, POLITICA MONETARIA, POLITICA INDUSTRIAL, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, este, Sr. Presidente, foi um ano ímpar. Foi um ano ímpar do ponto de vista aritmético, um ano que termina com onze. Mas foi ímpar também a maneira como as coisas aconteceram nesses doze meses. Foi um ano ímpar, por exemplo, no exterior.

            A gente analisa, talvez até em primeiro lugar de importância, o que aconteceu nos diversos países árabes ou ao menos em alguns deles. Era inimaginável, há algum tempo - não falo em anos, falo em meses -, o fim de regimes autoritários, longevos, alguns com décadas de duração, em países como o Egito, o Yemen, a Tunísia e a Líbia. Era impossível imaginar isso.

            De repente, uma simples fagulha, e fagulha no sentido literal da palavra, um jovem tunisiano queimar-se em protesto pela maneira como funciona a polícia em seu país, essa fagulha se espalhou não apenas pelo seu país, mas por países vizinhos e até mesmo em países distantes.

            Foi um ano ímpar no mundo árabe.

            Um mundo que propiciou, nesse período, o surgimento da idéia da Primavera Árabe. Foi um ano ímpar. Um ano ímpar que merece uma atenção especial sobre o que vai acontecer no ano par, que substitui esse ano ímpar.

            Para cada um dos fenômenos ímpares que aconteceram, nós temos de ter uma preocupação sobre o que vai poder acontecer.

            O ímpar do que aconteceu nos países árabes pode levar ao florescimento de democracias ou pode levar a regimes teocráticos, com características autoritárias, impondo religião, costumes, hábitos, crenças a todos, sem respeito às minorias.

            Foi um ano ímpar, bem recebido, comemorado no mundo inteiro, mas um ano ímpar que merece uma atenção.

            Nós podemos dizer o mesmo do ano ímpar que foi o que aconteceu no Japão, em Fukushima, um ano ímpar.

            Já tinha acontecido em Chernobyl, mas se dizia que esse era um país sob a tutela soviética, onde os mecanismos de controle não existem e por isso que aconteceu a tragédia, que jamais aconteceria num país organizado plenamente como o Japão. E aconteceu no Japão.

            Obviamente, nem de longe, com a mesma dimensão do problema ucraniano, soviético, mas, de qualquer maneira, com o deslocamento de dezenas de milhares de famílias para longe das suas casas, para as quais até hoje não voltaram.

            O ano de 2011 foi um ano ímpar para o problema da energia com base nuclear. Foi o ano que permitiu o descobrimento de uma maneira mais clara ainda do que em Chernobyl para um problema que nos ataca.

            O ano de 2012 precisa de muita atenção para o que aconteceu em 2011 no Japão, em Fukushima, porque continua, sobretudo no Brasil. O Brasil quase que hoje é o País que mais dá ênfase à ideia de energia nuclear de todos os outros. Sobretudo, no Brasil, continua prevalecendo a ideia de que energia nuclear é algo limpo e permanente, duradouro e equilibrado. Não é verdade! É uma energia de alto risco, e a gente precisa prestar atenção.

            Foi, sim, um ano ímpar, e que ímpar ponha nisso, com o que aconteceu na zona do euro em 2011. Quem imaginava que aquela grande nova potência que surgiu no mundo nos últimos anos, acabando com a polaridade entre comunismo e capitalismo, de um lado e de outro, entre Estados Unidos e União Soviética, Senador Pimentel, depois, como estava surgindo, entre Estados Unidos e China, com a Europa surgindo no meio... Quem imaginava que o euro entraria na crise que vemos a cada dia e, hoje, de maneira ainda mais grave, pelas constatações, pelas análises que são feitas na Inglaterra!

            Foi um ano ímpar, sim, para a Europa, mas um ano ímpar que permite algumas reflexões, a reflexão de que a saída está em jogar dinheiro para os bancos, reduzir os níveis de direito dos trabalhadores para depois retomar o crescimento ou uma visão completamente diferente de procurar um novo padrão de desenvolvimento que não ponha o Produto Interno Bruto como objetivo central, que defina que o que devemos buscar é o bem-estar, e o bem-estar, às vezes, se consegue sem aumento de produção; o bem-estar, às vezes, se consegue com aumento do tempo livre, e não com aumento da renda, se você souber usar bem o tempo livre; o bem-estar se consegue com mais bens públicos, que nem sempre dinamizam a economia, mas aliviam a vida das pessoas.

            Podemos usar o ano ímpar da crise europeia para pensarmos com cuidado quais as formas futuras, quais os rumos que devemos ter para o projeto da humanidade inteira, que estava indo tão bem na Europa e que, de repete, mostrou certo esgotamento, não só esgotamento bancário, financeiro, mas esgotamento dos benefícios sociais, esgotamento da capacidade de a economia crescer por causa da depredação natural que a economia provoca gerando aquecimento global e outras mudanças climáticas. 

            Foi um ano ímpar.

            Foi um ano ímpar também em relação aos países emergentes como o Brasil e, especialmente, a China. Um ano da grande consolidação desses países com economias florescentes. Mas, ao mesmo tempo, economias florescentes com péssimos indicadores sociais. Economias florescentes, todas elas, com altos índices de corrupção na maneira como o poder público atua. O ano de 2011 foi um ano ímpar para o mundo inteiro e aqui no Brasil também.

            O ano de 2011 começa como um ano ímpar, absolutamente ímpar, diferente de todos os outros, com uma mulher na Presidência da República. Isso, na história machista do Brasil, é ímpar, muito ímpar, muito diferente, inusitado, surpreendente, impossível de se imaginar dois anos antes.

            E estamos aí, desde o primeiro dia de 2011, com uma mulher, a Presidenta Dilma Rousseff, na chefia do nosso Governo e do nosso Estado.

            O ano de 2011 foi um ano ímpar para o Brasil, porque nunca vimos uma quantidade tão grande de ministros sendo obrigados a renunciar. Um deles, por coisas que disse; os outros seis, por denúncias que receberam. Nem vou aqui levantar temerariamente a ideia de se as denúncias eram verdadeiras ou se não passavam de calúnias. Essa é uma outra discussão.

            O que posso dizer é que nunca se viu uma imprensa com tanto poder para fazer denúncias, comprová-las ao máximo e, em função disso, o governo ser obrigado a mudar os seus ministros. E não foram ministros quaisquer. Foram ministros em posições fundamentais; ministros fortes, ministros que tinham a cadeira ao lado da presidenta; ministros que eram também presidentes de partido; ministros que tinham a cobertura de partidos grandes.

            Esse foi um ano ímpar, do ponto de vista de que se convencionou chamar - nome que surgiu nesses meses de 2011 - “faxina”. Foi um ano ímpar para a faxina no Brasil.

            De qualquer maneira, cabe lembrar que foi uma faxina com algumas limitações! A primeira as limitações é que foi uma faxina feita pela Presidenta, mas induzida de fora para dentro. Não foi uma faxina que surgiu dentro do Governo; não foi uma faxina resultado de informações que o Governo tinha e que o Governo decidia.

            Foi uma faxina que veio de fora, sob a pressão da mídia, da imprensa. O Governo não teve a competência ou não teve o discernimento - o que é mais grave - de fazer a faxina a partir de constatações. Todas as faxinas foram resultados de denúncias, não de contestações próprias. O Governo não constatou a corrupção; reagiu a denúncias sobre elas. Esse é um item que enfraquece a faxina e enfraquece, sobretudo, o poder da Presidenta como a condutora da faxina. Mas foi um ano ímpar.

            O ano de 2011 foi também um ano ímpar se a gente considera os últimos quase 20 anos de crescimento, de estabilidade - mais ou menos crescimento, mas estabilidade quase constante.

            O ano de 2011 foi extremamente ímpar, surpreendente, inusitado, no alerta dos riscos que corre a economia brasileira, uma economia que até se pode dizer que está bem, mas não vai bem. Ela está bem do ponto de vista de que ainda não entramos em uma recessão com crescimento abaixo de zero, mas ela não vai bem, porque o crescimento talvez não chegue a 3%. Uma economia que vai bem, porque a gente pode dizer que a inflação não saiu do controle, mas não vai bem, porque já ultrapassou os limites máximos previstos da inflação; não apenas os 4,5% que se preveem, mas até mesmo os 4,5% mais os 2% acima de folga que se toleraria. Será acima de 6,5%, e isso é muito grave.

            Foi um ano ímpar, porque mostrou com clareza que a economia brasileira, Senador Paim, que não está mal, vai mal. Vai mal quando a gente analisa a infraestrutura, que não está satisfazendo, incapaz de assegurar uma taxa de crescimento; vai mal quando a gente percebe que a corrupção termina sendo um impedimento ao crescimento; vai mal quando a gente percebe que a educação brasileira não melhorou, do ponto de vista da educação de base, como deveria; vai mal quando a gente percebe que as pequenas melhoras na educação deixaram a gente para trás, porque a melhoria foi menor do que as novas exigências por educação.

            Houve um tempo em que educação quase não era necessária; então, qualquer educação satisfazia. Agora, Senador, a educação melhora um pouquinho, mas as exigências são muito maiores.

            É como se nós andássemos ficando para trás, porque nós andamos, e o resto do mundo anda ao lado mais depressa.

            Este foi um ano ímpar, do ponto de vista da constatação de que a economia pode estar bem, mas não vai bem.

            Este foi um ano ímpar, também, quando a gente analisa que descobrimos que não apenas a educação básica não está dando salto, mas que os saltos no ensino superior estão sendo afundados por falta de uma educação de base.

            Começamos a fechar faculdades. Quando a gente começa a fechar faculdades, precisava acender uma luz de que algum erro está se cometendo. E o erro é tão claro, é tão visível, que dá raiva que as pessoas não percebam. O erro, Senador Paim, é que a educação de base é ruim. E nós aumentamos tanto as vagas no ensino superior que, hoje, tem vaga para qualquer pessoa que queira. E aí entram pessoas que não estão preparadas, que não têm vocação, que não são perseverantes, que não tiveram uma formação mínima necessária.

            Desperdiçamos dinheiro, abrindo faculdades para um número de pessoas que não vão poder concluí-la, segui-la. Daí o alto grau, o enorme grau de abandono de curso.

            Nós estamos num ano ímpar, um ano em que começaram a surgir suspeitas gerais sobre todo o processo do Estado brasileiro. Um ano até que, se compararmos com os anos anteriores, foi ímpar no sentido de que o Congresso esteve mais poupado do que os outros dois Poderes.

            Neste ano ímpar de 2011, o que a gente percebeu foi que, durante todo o ano, as denúncias foram em cima do Poder Executivo e, nestas últimas semanas, em cima do Poder Judiciário. Tanto foi ímpar o ano porque protegeu o Congresso, que sempre era o vilão da história, do ponto de vista da corrupção, como foi ímpar também porque trouxe novos atores sob suspeição. E aí, quando junta tudo, foi um ano ímpar, do ponto de vista da desconfiança geral do povo brasileiro não apenas sobre os políticos, como era antes, mas sobre todas as instituições que fazem funcionar - ou deveriam fazer funcionar - o Estado brasileiro.

            Este, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, foi um ano ímpar não apenas pelo número onze. Foi ímpar pelas coisas que aconteceram lá fora e aqui dentro do Brasil.

            Daqui a alguns dias, nós vamos estar em um ano par. E o ano par tem uma vantagem de, de repente, dar tranquilidade, dizendo que ele vai continuar normalmente. E quando falo par, não falo no cabalismo, não falo na numerologia de dizer que, sendo 12, vai ser bom. Falo par no sentido de comum, de usual.

            Nós vamos entrar no ano par na aritmética, mas é preciso fazer com que ele seja diferente do resto. É preciso fazer com que o 12 seja ímpar. É preciso fazer do 12 um número ímpar, obviamente não na aritmética, mas na história, na política, na gestão dos interesses públicos. E o ano ímpar, do ponto de vista da novidade, da criatividade, do novo, seria um ano em que nosso Governo, nossa Presidenta, nosso Congresso, nosso Poder Judiciário, nós fizéssemos uma grande reflexão sobre onde é que nós estamos errando por não sermos capazes de trazer ao povo brasileiro o avanço em direção a uma nova fronteira que o Brasil precisa. Onde é que estamos errando por continuarmos ficando em cima da ponte enquanto, do outro lado, há uma fronteira querendo nos abraçar com um mundo novo, o mundo do desenvolvimento sustentável ecologicamente, o mundo da inclusão social absoluta, onde não haja ninguém excluído; um mundo onde não seja possível roubar, mesmo quando um ladrão chegue ao poder. Uma fronteira do outro lado da ponte de transição em que estamos, onde a gente saiba que o Brasil tem uma economia baseada na indústria de alto conhecimento, da inovação, da ciência e da tecnologia, uma economia que não vai depender da demanda de bens primários, seja ferro, seja soja, ou até mesmo os primários industriais, como indústria metal-mecânica, mas uma economia capaz de criar demanda com os novos produtos, que, ao serem criados, recebem sua demanda imediatamente, como os outros países estão fazendo, inventando os seus tablets, seus telefones celulares, seus produtos da área da saúde, seus novos meios de transporte, enquanto o Brasil continua viciado na simples e pura reprodução dos bens inventados lá fora e na produção de antigos produtos, como ferro, como soja, produtos que já existem por toda a vida.

            Há uma fronteira ali esperando o Brasil chegar. E estamos nós aqui, incapazes de liderar o Brasil nessa direção. O último que conduziu o Brasil a uma nova fronteira, atravessando uma ponte, foi Juscelino Kubitschek, quando nos transformou de uma economia agrária, de uma sociedade rural em uma sociedade urbana, em uma economia industrial. De lá para cá, pequenos ajustes foram feitos. Mas nada nos transformou, nada nos fez dar o salto em direção à fronteira nova. E a falta dessa fronteira nova é que está afastando os jovens da política. Claro que a corrupção também. Claro que a desconfiança moral também afasta os jovens da política. Mas, sobretudo, o que afasta os jovens dos partidos é a falta de partidos com propostas...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - O que afasta os jovens da política é, sobretudo, a falta de partidos, de partidos com propostas avançadas, que ofereçam uma nova fronteira, uma margem do outro lado da ponte a ser atravessada.

            Que 2012 seja o ano, Sr. Presidente, em que nós que estamos aqui, que deveríamos pelo menos ser os líderes desta Nação, junto com outros políticos do País, que nós sejamos capazes de acenar ao outro lado da margem que nos espera na história, acenarmos aos jovens brasileiros, atraindo-os para que venham conosco atravessar a ponte da transição onde nós estamos. É isto que eu desejo para 2012: que seja o ano que vá além da transição; que atravessemos a ponte, que cheguemos à nova fronteira de um Brasil moderno, mas moderno não no sentido de termos carro demais nas ruas, e, sim, de termos um bom transporte público.

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Jayme Campos. Bloco/DEM - MT) - Para concluir, Senador Cristovam, mais um minuto para V. Exª.

            Há vários oradores inscritos ainda.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Concluirei imediatamente. Até aqui foi um minuto só de tolerância. Vou concluir nos 50 segundos que tenho.

            Um Brasil que seja não apenas sétima potência econômica do mundo, mas um Brasil que seja de altíssimo bem-estar para sua população, que seja não apenas um Brasil que esteja bem, mas um Brasil que vá bem ao longo das suas décadas. Sobretudo, para isso, vamos usar 2012 para começar a revolução educacional que a gente evita, adia, posterga, nega ao povo brasileiro.

            Que 2012 traga o início de uma revolução na educação brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/12/2011 - Página 55382