Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Reverência à memória do ex-Senador e ex-Presidente da República Itamar Franco.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência à memória do ex-Senador e ex-Presidente da República Itamar Franco.
Publicação
Publicação no DCN de 11/08/2011 - Página 2258
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, SENADOR, FAMILIA, PRESENÇA, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM POSTUMA, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; representantes da família; autoridades e representantes do povo mineiro; Sr. Governador de Minas Gerais, Anastasia, que acabou de falar; senhores integrantes desta Mesa de homenagem ao Senador Itamar Franco, usar da tribuna após o Senador Pedro Simon e o Governador Anastasia é, sem dúvida nenhuma, muito difícil para mim, principalmente acometida de uma faringite, que me faz perder um pouco o fôlego.

            O Senador Pedro Simon, conhecido pela sua poderosa oratória e sua envergadura política e moral, que foi Líder no Senado do Presidente Itamar, aqui falou dele com tanta propriedade, com tanta riqueza de detalhes sobre sua administração e sua vida, tornaria até dispensável qualquer outra fala neste dia de hoje. No entanto, sinto-me na obrigação de dar um testemunho a respeito do Presidente Itamar, beneficiada que fui de sua generosidade e, mais do que isso, de sua integridade política.

            Saúdo aqui também seu líder na Câmara à época, Deputado Roberto Freire.

            Fiz questão de, na primeira sessão do Senado após a morte do Presidente Itamar, também aqui me pronunciar. Agora quero falar rapidamente para dizer que não tive uma grande convivência de muitos anos com o Presidente Itamar. Já o conhecia pela história política que tinha, de ler, de ouvir falar, de acompanhar sua trajetória política, mas tive oportunidade de contracenar com o Presidente Itamar, caro Presidente Senador Aécio, quando eleita Prefeita de Salvador e pude visitá-lo.

            Fui eleita numa circunstância, como na política costuma-se dizer, de uma zebra, contra os poderes e o status quo estabelecido em meu Estado, contra o Governo do Estado, fui eleita Prefeita da capital, em oposição aos principais grupos políticos do meu Estado, por uma larga coligação de partidos de oposição ao carlismo, como nós caracterizávamos os opositores ao Senador e Governador Antonio Carlos Magalhães.

            Estive com o Presidente Itamar logo após eleita porque havia sido acordado que Salvador seria a sede da Conferência Ibero-Americana no Brasil. Assim que o Presidente Itamar se elegeu, houve um burburinho de que ele reveria essa situação.

            Então, fui ao Presidente Itamar para convencê-lo de que lá deveria continuar sendo a sede da Conferência Ibero-Americana. Fui acompanhada de dois secretários. Um secretário havia sido seu colega na Câmara dos Deputados e o outro o conhecia havia muitos anos. E o primeiro contato que tive com o Presidente Itamar foi justamente nesse momento em que ele nos acolheu. Nós o tratávamos por Presidente, por Vossa Excelência, fazendo todas as reverências que o protocolo exige, mas ele virou-se e disse: “Leonelli, pára com isso! Você é meu amigo, meu companheiro de luta e vem aqui agora chamar-me de Vossa Excelência. Trate-me por você!” Essa foi a primeira impressão que eu, ainda uma jovem Prefeito, quando também era Prefeito o Senador Jarbas Vasconcelos, tive daquele homem, que era o Presidente do Brasil, que eu visitava cheia de timidez. Presidente do Brasil que não havia sido eleito para Presidente da República no início de uma democracia que já se mostrava absolutamente incipiente. E o Presidente Itamar foi se desdobrando na minha visão, nos nossos contatos.

            No momento seguinte, além de confirmar a Conferência Ibero-Americana em Salvador, disse a mim: “Eu lhe darei todas as condições para que a realize da melhor maneira possível.” Fui ao Ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique, depois Presidente, membro do meu Partido - à época eu era do PSDB -, e lhe disse: “Olha, Fernando, você vai ter que me ajudar. Lá a luta política é muito difícil e é óbvio que o Governo do Estado vai querer me esmagar, me tirar desse jogo, e quem lutou para trazer a Conferência Ibero-Americana para Salvador foi a Prefeitura, não foi o Governo do Estado”. Fernando disse: “Ah, Lídice isso é muito complicado. Isso aqui é protocolo do Itamaraty. Você vai participar, mas vai participar no seu lugar de Prefeita. Não dá para você... Todo mundo da Bahia é assim, já vem brigando, já vem procurando confusão. Não dá para ser desse jeito”. Eu disse: “Ah, tá bom. Se você acha que vai ser assim, eu vou procurar o Presidente porque o Presidente disse que me daria todas as condições para realizar aquela conferência da melhor maneira possível”.

            Procurei o Presidente Itamar. Quando cheguei, historiei para o Presidente Itamar como seria a conferência, de quais atividades estaríamos participando e a forma como participaríamos naquele protocolo rígido do Itamaraty, uma forma muito, muito secundária. Ele disse: “Lídice, volte para Salvador, que vou ligar para o Ministro das Relações Exteriores e dizer que você vai participar de todas, de absolutamente todas as cerimônias junto a Chefes de Estado, porque nós não vamos permitir uma secundarização do papel político da Prefeitura, porque sei o que representa para a cidade de Salvador e para as forças democráticas em Salvador”.

            E assim foi. A Conferência Ibero-Americana foi um sucesso em Salvador. A cidade recebeu os Chefes de Estado muitíssimo bem, com todas as condições, porque o Governo Federal liberou recursos e ajudou nessa organização. Mesmo que o Itamaraty insistisse em ficar irritado, o Presidente Itamar fazia de conta que não ouvia as reclamações, e eu participava, ao seu lado, junto com o Governador Antonio Carlos Magalhães, de todas as cerimônias importantes, com a presença dos Chefes de Estados, do rei e da rainha da Espanha, de todos os Chefes de Estado. Lá estava eu, a única que não fazia parte, digamos assim, daquele protocolo estabelecido formalmente.

            No segundo momento, o Presidente Itamar, novamente, não faltou à Bahia quando, logo depois daquele momento, tinha eu como um dos principais aliados da minha gestão o Ministro Jutahy Júnior e seu pai Jutahy Magalhães, Senador desta Casa, e o Governador da Bahia resolveu anunciar que entregaria a Itamar um dossiê com uma série de denúncias de corrupção naquele Ministério. O Presidente Itamar disse que o receberia. E saiu em todos os jornais, em toda a Imprensa que aquele grupo dominava na Bahia dizendo que a Oposição na Bahia ia ruir porque o Presidente Itamar ia receber o dossiê que expressava as falcatruas do Ministério de Integração Regional, do Bem-Estar Social, à época dirigido pelo Ministro Jutahy Júnior.

            Qual não foi a surpresa do ex-Governador do Estado quando, lá chegando, viu que estava convocada toda a Imprensa do Brasil, em uma cerimônia que deixava de ser particular, com o Presidente, uma sessão de intrigas, para que ele demonstrasse, diante da Nação, aquelas acusações que pretendia fazer.

            Ali estava um Presidente que, além de íntegro e honesto, era, acima de tudo, leal com aqueles que ele entendia que representavam o pensamento democrático em nosso País. O Presidente Itamar, como já foi dito aqui, foi o Presidente que estabeleceu a ponte democrática neste País, que consolidou a democracia. Elegemos, pela primeira vez, um Presidente da República que havia saído do governo.

            Naquele momento de instabilidade política, ele assume e dá estabilidade à moeda nacional, implementando o Plano Real, que até hoje é a expressão da estabilidade econômica do nosso País, e dá também a estabilidade democrática. Convida para ser seu líder no Senado um homem com a estatura de Pedro Simon, conhecido do País inteiro pela sua história de vida contra o governo militar em nosso País, convida para ser Líder na Câmara dos Deputados um Deputado que era líder e Presidente de um partido comunista, convida uma ministra do PT, que sai do PT, conhecida pela sua tradição, também, de oposição e de esquerda no Brasil, a Deputada Luiza Erundina e, portanto, faz, na prática, aquilo que era a aliança democrática para constituir a democracia em nosso País.

            O Presidente Itamar desejaria, certamente, ter nascido em Juiz de Fora, em Minas Gerais. Tenho convicção de que, se ele pudesse escolher, teria escolhido nascer em Juiz de Fora. Mas o destino o fez nascer nos mares da Bahia. Mineiro, profundamente dedicado, arraigado às tradições de Minas, talvez possa explicar as suas, às vezes, intempestivas aparições justamente o espírito um pouco anárquico que as águas da Bahia lideram.

            A anarquia dessa relação profunda, mestiça, do nosso povo baiano, fincado profundamente nas suas raízes africanas, que também é comum ao povo mineiro, deu ao Presidente Itamar a oportunidade de não nascer em canto algum do Brasil para que ele pudesse ser de todos os brasileiros e pudesse fazer a sua obra voltada para a defesa dos interesses do nosso País.

            Assim como Ulysses Guimarães, que morreu no mar e não pôde ter um túmulo identificável pela sua obra quase heróica durante o período da ditadura militar, pela representação que teve para todos aqueles que lutavam por democracia em nosso País, o destino fez de Ulysses um homem sem túmulo e fez de Itamar aquele que consolidou a transição democrática neste País, aquele que deu o instrumental fundamental para que a democracia se consolidasse politicamente no Brasil, com o Plano Real, com o plano econômico, com a nova moeda, fez de Itamar aquele que permitiu a abertura política de fato, levando para o seu governo forças políticas que até então eram discriminadas no conjunto da sociedade. Ele também não teve um solo definido para nascer; o destino o tornou, desde o seu nascimento, um homem de todo o Brasil.

            Quero, portanto, deixar a minha homenagem ao Presidente Itamar pela sua retidão de caráter, pela sua firmeza de compromissos, pela suas convicções nacionalistas, pela coragem de enfrentar, em todos os momentos, qualquer um, desde que estivesse expressando as suas posições, como fez quando da privatização, no Governo de Fernando Henrique, da mineradora em Minas, quando surgiu, no Brasil inteiro, o seu brado, ameaçando até o governo constituído, dizendo que ele não ia permitir aquele tipo de ação em Minas. Essa era a característica de Itamar. A referência política, a ciência política que tentar enquadrar Itamar em algum receituário previamente estabelecido não conseguirá, porque ele não tinha essa formação nem esse compromisso; ele tinha um compromisso com os seus próprios ideais, com as suas próprias ideias, e foi absolutamente fiel a eles até o fim.

            Muito obrigada. (Palmas)

 

            


Este texto não substitui o publicado no DCN de 11/08/2011 - Página 2258