Pronunciamento de Marta Suplicy em 01/03/2012
Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reflexão sobre a questão da desigualdade econômica e social no mundo.
- Autor
- Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Marta Teresa Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
- Reflexão sobre a questão da desigualdade econômica e social no mundo.
- Aparteantes
- Eduardo Suplicy.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/03/2012 - Página 4540
- Assunto
- Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
- Indexação
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- COMENTARIO, RELAÇÃO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, DESIGUALDADE SOCIAL, FINANÇAS, MUNDO, MOTIVO, CRISE, REGISTRO, SITUAÇÃO, REDUÇÃO, DISPARIDADE, RENDA, POPULAÇÃO, PAIS, ESTABELECIMENTO, CONSUMO, MERCADO INTERNO, RESULTADO, PROGRAMA, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Prezada Senadora Vanessa Grazziotin, Senadores, Senadoras aqui presentes, todos nós sabemos que, infelizmente, vivemos em um mundo extremamente desigual. A realidade da nossa aldeia global é a de contraste dos extremos, onde muita riqueza convive com muita pobreza e impera a exclusão nas suas mais diferentes formas.
O Banco Mundial, por exemplo, nos mostra que, enquanto os 20% mais ricos consomem 76,6% da produção mundial, os 20% mais pobres se beneficiam de apenas 1,5%. Olhem a proporção: 76,6% para 1,6%. Por isso, a desigualdade econômica e social deve ser atacada como a mais perigosa doença da qual todos os males derivam, como a fome, a pobreza, e o problema é que essa doença parece estar tornando-se uma epidemia.
Uma das lições da recente crise financeira mundial é a de que nenhum país está totalmente protegido contra essa doença social. Por exemplo, nós presenciamos - e foi uma surpresa triste, ruim - o processo de empobrecimento das consideradas sociedades europeias ricas. Nos cinco anos que se seguiram à adoção do euro, nós vivemos a ilusão de que a desigualdade poderia ser resolvida por esse remédio da união monetária. Realmente, vimos recursos gigantescos saírem dos países mais ricos - como Alemanha, França e Itália - indo para os mais pobres - como Irlanda, Portugal, Grécia -, e foi gerando um desenvolvimento aparentemente bastante grande. Mas, na verdade, por total indisciplina fiscal nesses países, a crise ocorreu.
O que eu quero dizer? Os empréstimos e investimentos foram uma coisa ótima, foi muito bom que tenham ocorrido, mas esses países usaram esses empréstimos para especulações de todo o tipo - imobiliárias, bolhas, aumento de preços -, e o que ocorreu é o que hoje estamos vendo: em alguns desses países, há uma quantidade enorme - 20% - de trabalhadores desempregados emigrando, numa situação terrível.
Hoje, muitos migrantes que tinham ido trabalhar nesses países estão numa situação ainda pior.
Embora a Europa parecesse viver um momento de pujança, para quem estava só olhando pelo lado de fora, e que todas as desigualdades estivessem rumando para uma solução, a crise de 2008 nos fez perceber quão frágil e efêmera era essa situação.
Então, nesses países hoje endividados, com enorme desemprego, incapazes de cumprir os seus compromissos e com uma realidade econômica que talvez exija dos cidadãos europeus um sacrifício extraordinário, estamos percebendo que a desigualdade não pode ser resolvida por instrumentos macroeconômicos.
A desigualdade exige uma ação social duradoura, focada nas pessoas e nas famílias.
Há outro exemplo que eu achei muito interessante nessa direção, que é o caso norte-americano.
Recentemente, eu li um artigo do professor Paul Krugman, que é Prêmio Nobel de Economia, e ele fala exatamente desse ponto.
A sociedade americana sempre acreditou muito no sonho americano, no jeito americano, no american way of life. Segundo essa ideia, bastava garantir a igualdade de oportunidades para todo mundo que o resultado seria uma sociedade mais justa. Aqueles que trabalhassem duro e tivessem competência venceriam e alcançariam o sucesso.
Era a sociedade da perfeita mobilidade social, onde até o integrante da menor das minorias poderia alcançar o éden social.
Essa crença, de um lado, foi muito boa e apoiou muito os movimentos de direitos civis americanos nos anos 60, pois se acreditava que era a falta de oportunidade o maior obstáculo para que o povo negro americano pudesse atingir uma cidadania plena, e o fim da exclusão social e de gênero libertaria as pessoas, para ocuparem o seu lugar de direito na sociedade.
Isso, de fato, ocorreu nos anos seguintes; ocorreu.
No entanto, foram subestimados os efeitos da crescente exclusão econômica que se observava então, porque os excluídos das oportunidades eram, obviamente, os mais pobres, e continuaram a ser os mais pobres, e continuam a ser, também, na última década.
Hoje, apesar de nós termos visto um presidente negro ser eleito nos Estados Unidos, aquele período de grande mobilidade social nos Estados Unidos, nós vemos, hoje, os Estados Unidos mais empobrecidos e desiguais.
Na década de 1980, os 20% dos americanos mais ricos detinham 44% da renda, contra 4% dos mais pobres. Em 2010, nós temos que os 20% mais ricos já concentram 50,2% da renda - quer dizer, de 44% já foi para 50% -, e os mais pobres, que detinham 4,2% da renda, hoje, nos Estados Unidos, têm 3,3% da renda. E o mais grave: a população mais pobre já ultrapassa os 46 milhões, quer dizer, 15% do total da população americana. E a consequência mais terrível é que esse aumento da desigualdade obstruiu a mobilidade social de que os Estados Unidos tanto se orgulhavam e tinham.
Estudos recentes comparando os países mais desenvolvidos mostram que, em países com o estado de bem-estar social consolidados, como a Dinamarca, a Noruega, a mobilidade social é mais do que o dobro do que em países como os Estados Unidos e o Reino Unido. Isso reforça a tese - e aí que é muito importante - de que uma política pública social bem focada, atacando diretamente a desigualdade e a pobreza é que faz a diferença em uma sociedade, não é só abrir a oportunidade, porque os que estão excluídos não vão conseguir dar conta dessa diferença de desigualdade que o país vive. Também não se trata só de gasto social, porque, curiosamente, o gasto social do governo americano não é baixo; aproximadamente 16% do PIB. Ocorre que o gasto público per se, sem programas públicos consistentes, acaba inócuo. Nos Estados Unidos o gasto se dá, em grande parte, de forma indireta, com subsídios, incentivos fiscais e não com a ação direta do Estado como ocorre no Brasil.
Na saúde, por exemplo, dados do U.S. Census Bureau - o IBGE norte-americano - mostram que o número de pessoas em qualquer cobertura de saúde pública ou privada aumentou nas últimas décadas, foi de 12%, em 1987, para 16% em 2010. Quer dizer, mais gente pobre. E lá eles não têm cobertura.
No Brasil, não existem pessoas sem cobertura de saúde, pois nosso sistema é universal e todo brasileiro tem o direito de ser atendido pelo SUS. Com problema ou sem problema, nós temos esse direito. Vale dizer que, nos Estados Unidos, cerca de 70% da população depende de cobertura privada de saúde, ao passo que, no Brasil, esse número é de 25%, sendo o restante coberto pela saúde pública do SUS. Ainda que precisemos avançar muito na qualidade do serviço do SUS, imaginem o que é não ter o direito a nada, a nenhum tipo de cobertura de saúde.
No Brasil, nós observamos, nos últimos anos, um forte aumento do gasto social, que, segundo Ipea, foi de 11,51% do PIB em 1997, para 15,8% em 2009. Ou seja, ainda gastamos menos que os Estados Unidos. Mas aperfeiçoamos nossos mecanismos de proteção e promoção social com a implantação de programas como Bolsa Família, desenvolvimento da educação básica e técnica, ampliação da atuação do SUS em termos de procedimento, acesso a medicamentos e programas de vacinação, políticas de redistribuição da renda, aumento do salário mínimo.
Nesse sentido, estamos construindo um estado de bem-estar social que não só tem efeitos importantes em termos de inclusão e redução da pobreza, mas também em termos econômicos, pois estamos construindo um mercado interno de consumo importante e que tem feito toda a diferença nas crises internacionais que temos enfrentado. Os resultados em termos de redução de desigualdade de renda e de pobreza são claros.
Reduzimos significativamente o número de brasileiros pobres: de 58,5 milhões para 39,6 milhões. Reduzimos a desigualdade de renda. Em 2001, os 20% mais ricos detinham 63,7% da renda e, hoje, esse percentual reduziu para 58,7%. Ainda somos um país extremamente desigual.
Mas vamos agora ao ponto. Como resultado, conseguimos promover em nosso País uma mobilidade social sem precedentes. Daí por que é interessante fazer essa comparação da situação americana com a nossa e com a europeia, porque o resultado do programa que nós tivemos aqui, que começou no governo Lula e a Presidenta Dilma continua, foi que propiciou essa enorme mobilidade social.
Na última década, cerca de 40 milhões de brasileiros ascenderam à classe média, com efeitos claros quanto à promoção social de negros e mulheres, que são parte muito expressiva aqui no Brasil.
Isso mostra que nós não podemos abdicar de ações focalizadas que visem combater a desigualdade econômica e social.
A igualdade de oportunidades não leva à mobilidade social se a desigualdade de renda e a pobreza prevaleceram. Ainda bem que o Brasil escolheu o caminho certo.
Obrigada, Senadora Vanessa...
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não, se a Senadora Vanessa, que está dirigindo, permitir, pois o tempo meu já esgotou.
A SRª PRESIDENTE (Vanessa Grazziotin. Bloco/PCdoB - AM) - Fique à vontade, Senadora Marta. V. Exª tem tempo ainda.
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª mencionou o Prêmio Nobel de Economia Professor Paul Krugman, que tem sido um dos articulistas mais influentes, com seus artigos no The New York Times, que, felizmente, os jornais brasileiros têm reproduzido. Em 2009, no primeiro ano do Presidente Barack Obama, eu tive oportunidade de dialogar com ele por ocasião da conferência que ele fez para a Eastern Economic Association. Estarei justamente lá, na semana que vem, e possivelmente irei encontrá-lo novamente. Estava iniciando-se o Governo Barack Obama e ele tinha acabado de recomendar a todos os economistas que fizessem a releitura dos livros de John Maynard Keynes e do pós-keynesiano James Tobin. Então, perguntei a ele, já que ambos haviam sido propugnadores de uma renda básica incondicional, o que ele achava e a resposta dele foi: “A primeira prioridade que avalio ser importante agora é que venhamos a instituir, como o Presidente Barack Obama iniciou logo de pronto no seu governo, um sistema de saúde pública para todos os norte-americanos”. Essa é uma meta que Barack Obama tem levado adiante. Ele disse que via como muito importante e ele dizia que tem toda a simpatia para que tenhamos no horizonte a instituição de uma renda básica para todas as pessoas incondicionalmente. Então, eu queria registrar que também esse grande economista coloca isso como uma perspectiva muito importante. Meus cumprimentos a V. Exª.
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigada, Senador Suplicy, pelo aparte.
Agradeço à Senadora Vanessa.