Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa quanto aos resultados da Conferência Rio+20, a ser realizada no Brasil de 20 a 22 de junho deste ano.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Expectativa quanto aos resultados da Conferência Rio+20, a ser realizada no Brasil de 20 a 22 de junho deste ano.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2012 - Página 5160
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • EXPECTATIVA, RESULTADO, REEDIÇÃO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RELEVANCIA, TRANSFORMAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, PENSAMENTO, VALORIZAÇÃO, DEMOCRACIA, IMPORTANCIA, POLITICA SOCIAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, RENDA MINIMA, CIDADANIA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Anibal Diniz, Srs. Senadores, gostaria hoje de falar da importância da Rio+20.

            O mês de março tem uma importância capital, não só por ser o mês dedicado à mulher, como também por ser o terceiro mês de antecedência do mais importante evento da década, que se realizará no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho deste ano. Trata-se de um evento mais importante do que a Copa ou do que as Olimpíadas. Dele depende o futuro da espécie humana e, portanto, da vida de todos nós.

            Avalio que ainda se falou pouco sobre a Rio+20. Já deveríamos ter mobilizado todos os setores da sociedade civil, para que se preparassem para instar os chefes de Estado que aqui estarão presentes e, inclusive, todos aqueles que têm contribuições a dar, a fim de aprovarem ações efetivas para o futuro do Planeta.

            Uma sombra paira sobre a Rio+20. Na Rio 92, foram assinadas as Convenções sobre Biodiversidade e Mudanças Climáticas; foi acordada a Convenção pela Luta Contra a Desertificação do Planeta; e foi lançada a Agenda 21 - um documento-guia sobre desenvolvimento sustentável para uma ação conjunta dos governos, das Nações Unidas, de empresas e de todos os setores da sociedade civil, visando a enfrentar os problemas socioambientais que estão afetando a vida de todos nós.

            Hoje, 20 anos depois, não se vê nenhum resultado mais efetivo acerca da implementação das medidas para a melhoria climática constantes do Protocolo de Kyoto, a não ser uma pequena mudança na situação dos pobres de todos os países, ocorrida não por causa do que foi acordado na Rio 92, mas sim por causa da crise que está assolando os países, antes considerados ricos.

            A situação da pobreza melhorou tanto na China, quanto na América Latina e, principalmente, no Brasil. Cada caso por um motivo diferente. A China, de alguma maneira, transformou o seu sistema. Passou a viver uma economia de mercado; inseriu a sua de mercado à economia internacional, combinada com um forte planejamento de sua atividade econômica e se tornou uma potência com uma grande classe média, embora tenha ainda um bilhão de pobres. Nos países da América Latina, principalmente no Brasil, a erradicação da pobreza, que ainda será completada nos próximos anos, ocorreu em função de que os governos, ao se tornarem mais humanos, investiram recursos em benefício das classes mais pobres e, com isso, possibilitaram que essas pessoas ingressassem no mercado de consumo, passando a fazer parte dos mercados internos dessas nações.

            Nessa área, foi importante o desenvolvimento dos programas de transferência de renda, como o sistema de aposentadoria rural, o benefício da prestação continuada e o programa Bolsa Família, que decorreu do desenvolvimento dos programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Cartão Alimentação, que, em 2003, foram unificados e que ainda poderão ser transformados na Renda Básica de Cidadania.

            Assim, os países de nosso hemisfério puderam sair da crise de 2008, sendo que o Brasil hoje é considerado um dos países do mundo com realizações mais importantes e autênticas contra a pobreza. Nosso então pequeno mercado interno tornou-se bem maior e escapamos naturalmente do que está acontecendo nos Estados Unidos ou na Europa.

            O que está acontecendo é o surgimento de um novo paradigma humano baseado na democracia e não mais no domínio das elites tradicionais. Isto aconteceu e continua acontecendo na Primavera Árabe e na indignação, em todos os países europeus, de suas classes mais pobres no mesmo sentido da Primavera Árabe, exigindo que a dívida dos mais ricos não seja paga apenas por eles, os mais pobres, e que o dinheiro circule por todas as classes sociais, para que tenhamos um mundo verdadeiramente democrático. A mesma coisa aconteceu com a juventude norte-americana, no movimento Ocupem Wall Street. Estas são coisas que não podemos ignorar e que vão continuar neste ano, uma vez passado o inverno do hemisfério norte.

            O mundo naquilo que ele tem de melhor e mais promissor, que é a sua juventude, é que está apontando os verdadeiros caminhos do futuro. Por outro lado, as elites ricas estão reagindo a essas mudanças na tentativa de manter o atual status quo.

            E isto aconteceu, e acontece, porque na segunda década do século XXI está se iniciando um novo paradigma civilizatório para a humanidade, incitado por uma nova tecnologia que caminha à velocidade da luz, isto é, em tempo real (através da Internet nas redes sociais). É assim que os jovens estão conseguindo abalar o mundo, e não as conferências dos governos que, no fundo, não têm essa agilidade para mudanças.

            Precisamos trabalhar para viabilizar a Rio+20 dentro desse novo paradigma. Sem o que continuaremos a esmagar violentamente o novo, que quer se livrar das antigas estruturas já ultrapassadas, como afirmaram os alunos de economia, do último ano da Universidade de Harvard, que se retiraram antes de acabar o curso por acharem que a teoria e a prática econômicas convencionais não dão mais conta do mundo. Eles estão com toda razão.

            Precisamos construir um mundo mais solidário que competitivo, para conseguirmos levar avante este novo paradigma civilizatório que está nascendo, conforme ressalta a nossa querida Rose Marie Muraro. Caso contrário, se a Rio+20 e as revoltas dos jovens fracassarem, o Planeta estará fadado a um triste destino, pois, sem mudanças nas políticas ambientais, as gerações futuras estarão comprometidas.

            Isso lembra o que disse um dos maiores climatologistas do Brasil, o Dr. Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ao filósofo e teólogo Leonardo Boff: "Nós não estamos mais na fase de aumento progressivo do aquecimento global, mas sim do aquecimento abrupto, que fará com que o mar suba repentinamente 2o até 2015 e, até 2020, não podemos prever mais nada".

            Aqui, no Senado, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, da qual ambos fazemos parte, Senador Anibal Diniz, sob a Presidência do Senador Fernando Collor, criou uma Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Rio+20 e do Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas. Esta Subcomissão, coordenada pelo Senador Cristovam Buarque, tem realizado um trabalho efetivo para fundamentar os temas que deverão ser discutidos na Rio+20. Nas diversas audiências públicas realizadas, foram discutidos assuntos como energia, água, mudança do clima, biodiversidade e florestas, economia verde, novos indicadores de progresso, padrões de consumo, pobreza e governança.

            O Senador Cristovam Buarque, inclusive, acaba de publicar um livro pela Editora Ibpex intitulado Desafios à humanidade: perguntas para a Rio+20. O Senador teve a gentileza de me emprestar o livro no qual trata dos mais diversos temas. Aqui, estão perguntas que deverão ser respondidas na Conferência Rio+20.

“Desemprego: como evitá-lo e como conviver com ele

(...)

1. A solução está na redução da jornada e do período anual de trabalho?

2. Como conviver com o desemprego permanente de uma população já descartada do processo produtivo?

3. Como regulamentar o uso do avanço técnico para reduzir o desemprego?

4. Como garantir a vida aos desempregados?”

            No que diz respeito à escravidão, é dito:

“Escravidão: como aboli-la

(...)

1. Como definir o trabalho escravo?

2. Como fazer a escravidão ser considerada um crime contra a humanidade?

3. Como promover a recuperação dos milhões que vivem em escravidão?”

            Sobre a educação, um dos temas ao qual o Senador Cristovam Buarque mais se dedica, pergunta-se:

“1. Como assegurar acesso igual à educação às crianças do mundo inteiro, independentemente do PIB do país, da renda da família e do local onde vivem?

2. Como educar para a criatividade, a solidariedade, a visão crítica, o sentimento estético, os valores éticos necessários à construção de uma sociedade planetária e harmônica entre os seres humanos e entre estes e a natureza?”

            Sobre a utopia, é dito:

“Utopia: como sonhar

A humanidade ainda precisa e pode sonhar com a utopia?

A nova utopia deve se basear ainda na economia ou na educação?

Igualdade ou liberdade devem ser o principal objetivo da utopia?

É possível liberdade com atendimento de necessidades essenciais para todos?

É possível igualdade plena com liberdade?

Há razões novas para justificar a igualdade plena do consumo?

Novo humanismo: como defini-lo.

Como evoluir do pensamento lógico ao pensamento complexo?

Como definir a riqueza?

Como implantar limites ecológicos para o consumo?

Quais são os instrumentos sociais para a construção do limite social abaixo do qual nenhum ser humano ficará excluído do acesso ao atendimento das necessidades básicas?

[Afinal, como será possível acabar com o crime?]

Como reduzir a criminalidade?

Como recuperar os criminosos?

Como tratar os condenados com dignidade?

Como definir corretamente o que é crime?

Como enfrentar a questão da infração de menores?

Como abolir a pena de morte?

Pobreza: como superá-la.

É pobre quem tem baixa renda ou quem não tem acesso à segurança, à educação, à habitação e aos demais serviços públicos essenciais, além da alimentação?

A solução para a pobreza está mais no aumento da renda privada de cada família pobre ou na oferta universal dos serviços públicos?

A pobreza é resultado da baixa produção ou da má distribuição de renda?

Como usar a economia para reduzir a pobreza?

A transferência de renda é um caminho para eliminar a pobreza, ou o caminho está na garantia de bens e serviços públicos gratuitos?

Qual o papel das transferências condicionadas de renda?

É possível um Plano Marshall Social Global para enfrentar a pobreza no mundo?

Como mobilizar a mão de obra pobre ociosa para produzir o que a população pobre precisa?

            Aqui estão algumas das questões colocadas por aquele que - nosso colega - é o responsável pela Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Rio+20.

            Conforme V. Exª, Senador Anibal Diniz, e a Senadora Ana Rita conhecem, uma das proposições que tenho para responder a essas perguntas está justamente na implantação da renda básica de cidadania, que eu desejo ver discutida também na Rio +20, como um meio de compatibilizar a boa e inteligente preocupação com a sustentabilidade, o meio ambiente, a questão de como erradicar a pobreza absoluta e construir uma sociedade justa e prover dignidade e liberdade real para todos.

            Nas Comissões de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, presidida pelo Senador Rodrigo Rollemberg, foi criada uma subcomissão temporária para acompanhamento da Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. Ambas as comissões ouvirão, na próxima quinta-feira, o Embaixador Sha Zukang, Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20.

            Como podemos ver, o Senado tem dado uma contribuição muito significativa, e espero que, cada vez melhor ainda, para o sucesso da Conferência Rio+20.

            Esse exemplo do Senado precisa ser seguido por toda a sociedade, pois, se não dedicarmos a devida atenção para esses problemas, a começar por descurarmos de uma exigente preparação para a Rio+20, as gerações futuras creditar-nos-ão a conta pela degeneração da qualidade de vida na Terra.

            Uma contribuição que considero muito interessante - recomendada fortemente pelo Professor Philippe Van Parijs, filósofo e economista da Universidade Católica de Louvain, que já esteve também como Professor convidado, na Universidade de Harvard e, este ano, estará na Universidade de Oxford, além de ser um dos principais fundadores da Basic Income Earth Network, BIEN, Rede Mundial da Renda Básica - é a divulgação da reflexão formulada no excelente livro de Edward Glaeser, publicado em 2011, denominado The Triumph of the City, O Triunfo da Cidade, traduzido para o português pela Editora Elsevier, com o nome de Centros Urbanos, que, na página 221, diz:

O ambientalismo inteligente precisa ter incentivos (...) Em todo o mundo, podemos adotar um imposto de emissão global que incida sobre as pessoas pelo dano causado pelas emissões de carbono. (...) Os opositores do aumento da atividade governamental compreensivelmente vão se preocupar que esse tipo de política venha a se tornar uma fonte adicional de receita para o governo, mas essa preocupação poderá ser reduzida por um compromisso público de abater o imposto pago por cidadãos por meio um dividendo de energia, de forma semelhante à que o Alasca paga a cada um de seus cidadãos por meio de um dividendo anual proveniente das receitas de petróleo.

            Sabe, Senador Anibal Diniz, o Alasca por 29 anos estar pagando cada um dividendo igual a todos os seus habitantes, que evoluíram de 300 mil, em 1976, quando foi aprovado o mecanismo, até hoje, 2012, o Alasca se tornou o mais igualitário dos 50 Estados norte-americanos e paga a todos, hoje, 700 mil habitantes, um valor superior a US$1,5 mil anuais. Em 2008, foi o ano de maior pagamento, foi de US$3,269 mil para cada habitante, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, apenas com a exigência de ali morar a um ano ou mais. Numa família de cinco, foram US$16 mil.

            Ora, fico pensando nesta proposição de Edward Glaeser: quem sabe se pudesse até pensar, por exemplo, numa metrópole como São Paulo, com 11.300 milhões habitantes, ali se instituir um sistema de pagamento de pedágio, não que fosse interromper o trânsito aqui e acolá com postos de pedágios, mas através de chipes, que mediriam o quanto cada veículo está andando pela cidade, causando poluição e, por isso, em contrapartida, e até para serem desestimulados a poluírem as pessoas, os responsáveis pagariam um certo imposto, uma certa taxa com a qual se formaria um fundo que, por seu turno, seria suficiente, na medida do possível, para pagar a todos uma renda básica de cidadania.

            Está aí uma possível ideia para ser considerada pelos candidatos a prefeito de São Paulo, inclusive pelo meu candidato, o ex-Ministro da Educação, Fernando Haddad, a quem já dei o livro de Edward Glaeser..

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Anibal Dinis, pela paciência de estar me ouvindo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2012 - Página 5160