Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a fragilidade das relações federativas.

Autor
Aécio Neves (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Aécio Neves da Cunha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre a fragilidade das relações federativas.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2012 - Página 5209
Assunto
Outros > HOMENAGEM, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MULHER, COMENTARIO, DEFESA, ORADOR, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POLITICA, OBJETIVO, GARANTIA, DIREITO, IGUALDADE, SEXO.
  • REGISTRO, APREENSÃO, ORADOR, PRECARIEDADE, PACTO FEDERATIVO, NECESSIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DIVIDA, ESTADOS, UNIÃO FEDERAL, OBJETIVO, RENEGOCIAÇÃO, GARANTIA, CRESCIMENTO, PAIS.

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Marta Suplicy, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero associar-me às homenagens, várias delas feitas aqui, desta tribuna, ao Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado nesse 8 de março, portanto, amanhã. É inegável que na sociedade brasileira, e em outras partes do mundo também vem ocorrendo o mesmo, nós temos avançado cada vez mais, e em grande parte em função de uma participação cada vez mais ativa das mulheres na nossa sociedade e, em especial, nos espaços públicos.

            Quero também, antes de entrar no tema central que trago hoje à análise e à reflexão dos meus pares, solidarizar-me com a proposta apresentada aqui pelo meu correligionário, Senador Cássio Cunha Lima, que acaba com o foro privilegiado para crimes comuns, uma discussão extremamente relevante e que certamente terá a atenção dos Srs. Senadores.

            Mas retorno hoje, Srª Presidente, a esta tribuna mais uma vez preocupado com as constantes e crescentes ameaças à nossa já frágil Federação. É desta posição que desejo dirigir-me a cada uma das Srªs Senadoras e a cada um dos Srs. Senadores.

            Muito além dos interesses de grupos, das injunções partidárias e da orientação ideológica, aqui encarno a honrosa tarefa que recebemos nas urnas da representação dos Estados federados.

            É em nome deles, Srª Presidente e Srs. Senadores, que retorno à cobrança, Senador Aloysio, de uma solução urgentíssima para a dívida contratada pelos Estados junto à União, sob pena de um verdadeiro dominó de falências e morte anunciada e definitiva do federalismo nacional.

            Antes que o tradicional embate entre o governismo e as oposições recomece, é meu dever registrar - e o faço com alegria já na presença do Presidente José Sarney - as inúmeras manifestações de congressistas de praticamente todos os partidos, inclusive da base do Governo, em apoio à busca de uma saída imediata para o problema.

            Acredito que poucos temas, Senador Jayme, nos permitiriam as condições básicas necessárias para sonharmos com um consenso político, coisa rara nesta Casa.

            Trata-se de resgatar as condições mínimas de governabilidade nos Estados brasileiros, e não de celebrar a vitória sobre o adversário, ou impor a derrota a quem quer que seja.

            Prevalece nessa matéria o interesse nacional sobre o interesse político circunstancial ou meramente partidário.

            Como sabem os senhores, no fim da década de 90, a União assumiu a dívida dos Estados como parte de um amplo programa de reformas econômicas em curso naquele momento, que teve como marcos importantes o Plano Real e o fim da inflação, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Programa Nacional das Privatizações. O objetivo do Governo Federal à época era levar à frente o necessário processo de saneamento financeiro dos Estados, que exigiu a desestatização de empresas e de bancos estaduais que eram altamente deficitários, e com isso garantimos um drástico aumento na responsabilidade fiscal no Brasil.

            O mecanismo adotado foi importante e era o mais recomendável naquela conjuntura econômica. Com ele salvamos Estados da bancarrota e elevamos para um outro patamar a nossa governança fiscal.

            O tempo passou, Srªs e Srs. Senadores, e as circunstâncias hoje são outras. O que era a melhor solução para o problema naquele instante já não nos serve mais. Pelo contrário, tornou-se perversa para o conjunto dos Estados brasileiros. Sabe disso o ex-Governador e Senador Ivo Cassol. E aqui, apenas a título de exemplo, peço licença para citar a realidade do meu Estado, Minas Gerais. Poderia citar qualquer outra, mas cito o Estado que governei por oito anos.

            Nossa dívida, Srs. Senadores, em dezembro de 1998, era, Senador Paulo Bauer, de R$15 bilhões. Desde então, já pagamos a fabulosa soma de R$21,5 bilhões, mas inacreditavelmente, Senador Rollemberg, devemos hoje espantosos R$59 bilhões.

            Como disse desta tribuna recentemente o Senador Luiz Henrique, os Estados pagaram, até dezembro de 2010, R$135 bilhões, com todos os sacrifícios aos investimentos em infraestrutura, aos programas sociais desses Estados. E mesmo tendo pagado esses R$135 bilhões, o saldo devedor ainda alcança, com juros e correção, R$350 bilhões. Ou seja, mesmo depois de uma década de pagamentos substantivos por parte dos Estados, o estoque mais que triplicou.

            Aqui repito também mais uma lúcida equação que ouvi do Senador Lindbergh Farias: é como se a União, com a manutenção desse modelo, buscasse auferir lucro com a penúria alheia.

            Todos sabemos, Srªs e Srs. Senadores, que não há outro caminho senão o da renegociação. Alguns Estados pleiteiam que o indexador dessa dívida seja substituído e passe a ser o IPCA, o índice oficial de inflação, e não mais o IGP-DI. Àqueles que se preocupam que a troca de indexadores possa ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, respondo como um daqueles que mais lutaram pela sua aprovação na Câmara dos Deputados, que a lei que trata da rolagem da dívida já previa a troca de indexadores. Ou seja, não há desrespeito àquela fundamental legislação para a gestão pública brasileira.

            Outros entendem que a mudança de indexador pode não ser o caminho acertado. Se há divergências sobre esse ponto, há um consenso de que o Governo Federal precisa sinalizar, de forma inequívoca e urgente, para uma renegociação que reduza o percentual de comprometimento das receitas dos Estados com o pagamento dos serviços da dívida.

            Hoje - volto a Minas Gerais -, 13% da nossa receita corrente líquida estão comprometidos com juros e amortização. Em outros Estados, essa marca chega a alcançar 15%.

            Sei que podemos ouvir de alguns especialistas uma série de argumentos que justificariam o crescimento do saldo devedor como um reflexo do teto fixado para o pagamento dos Estados. No entanto, chamo a atenção para o fato de que o acesso da população aos serviços públicos essenciais, que demandam capacidade de investimento de Estados e Municípios, não pode depender de mera matemática financeira.

            Srªs e Srs. Senadores, há ainda outras formas de examinar o quadro atual, lendo nele os grandes desafios existentes, mas também as oportunidades que decorrerão de seu enfrentamento.

            Como todos sabem, o baixíssimo nível de poupança doméstica é um dos fatores que justificam o reduzido investimento público no Brasil. Continuamos abaixo do nível de investimentos registrados, Srª Presidente, em economias equivalentes e até em economias muito mais modestas que a nossa. E tenho certeza de que ninguém questiona esse vetor como fundamental à instalação de um novo ciclo de crescimento, após a estagnação recente, para que não voltemos a repetir o crescimento pífio registrado no último ano.

            Ora, por que não estimular outras frentes de ação capazes de impulsionar a roda da economia? Por que não podemos nos permitir um vigoroso processo de descentralização capaz de estimular Estados e Municípios a também fazerem investimentos, no lugar de engrossar a fila dos pedintes, como ocorre hoje?

            O mecanismo óbvio é a renegociação da dívida, tenha ela o formato que tiver, desde que conduza à superação das dificuldades que afetam as finanças públicas - repito - de todos os Estados brasileiros. Significa, Srs. Senadores, libertar os Estados e Municípios desse lugar de pagadores escravizados por um sistema de cobrança absolutamente draconiano, para reconhecê-los como novos e importantes parceiros no processo de desenvolvimento nacional. Esse seria, na prática, um primeiro passo para começarmos a inverter a dramática dinâmica da fragilização do pacto federativo no Brasil.

            Acredito que é razoável admitir, Srs. Senadores, que esse não é um problema novo, assim como se faz necessário pontuar que ele se agravou como nunca antes na história deste País. Soma-se a ele o crescente e perigoso fenômeno da transferência de responsabilidades para Estados e Municípios em contraposição ao distanciamento da União de grandes problemas nacionais. Lembro aqui que continuam no limbo da falta de vontade política as iniciativas propostas para recompor perda dos entes federados no resultado fiscal.

            Eu mesmo assinei duas propostas nessa direção, um projeto de lei e uma emenda à Constituição, que, infelizmente, poucos passos deram nesta Casa.

            Cito aqui a regulamentação da Emenda nº 29, quando a União se eximiu a ferro e fogo de assumir limite mínimo de investimentos na área de saúde pública, impondo-os, no entanto, e sem nenhum constrangimento, aos Estados e Municípios. Lembro que benemerências como as diversas isenções fiscais têm incidido sistematicamente, não por mera coincidência, sobre parcela de ganho fiscal compartilhado por Estados e Municípios e nunca, jamais, sobre o grande montante arrecadado exclusivamente pelo Governo central.

            Em recente artigo, exemplifiquei o cenário que vivemos hoje com a contradição existente entre as taxas que corrigem as dívidas dos Estados - essas nas alturas - e as taxas generosamente subsidiadas pelo BNDES para financiar a iniciativa privada. A flagrante contradição do Governo é que ele cobra empréstimos de empresas a taxas que giram em torno da metade ou até mesmo de um terço daquelas que exige dos outros governos estaduais e municipais.

            Em que federação, Srª e Sr. Presidente, em que federação no mundo, em que momento da história, um governo empresta para empresas privadas com condições muito mais vantajosas do que aquelas que exige dos demais governos?

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG) - Ora, e caminho para terminar, Srª Presidente, se é importante baratear o financiamento do processo de crescimento nacional - especialmente se essa for uma regra para todos -, por que penalizar o investimento público, Senador Magno, sob cuja guarda permanecem serviços essenciais como a saúde, a educação e a segurança?

            E mais: como é possível levar adiante esse modelo, apoiando e estimulando novas demandas e novos ônus financeiros sobre os Estados e Municípios?

            É preciso haver um mínimo de responsabilidade gerencial.

            Por que não debater, portanto, ideias extremamente interessantes, como as das assembleias legislativas de diferentes Estados, que levantaram a possibilidade de os Estados carimbarem os eventuais ganhos advindos desse processo de renegociação, orientando-os para áreas que precisam de mais recursos como, por exemplo, a saúde pública? Ou para um inédito e motivador investimento na qualidade da educação brasileira?

            Outra ideia que deveria ser objeto da nossa análise é a flexibilização dos pagamentos mensais de modo a converter parte deles em investimentos em infraestrutura e em projetos prioritários dos Estados e Municípios.

            Na prática, os Estados continuariam pagando o mesmo, porém parcela da receita retornaria para esses Estados aplicarem em investimentos fixos, previamente acordados com o Governo Federal.

            Criaríamos, assim, uma nova sinergia no processo de desenvolvimento do País.

            Caminho para concluir, Srª Presidente.

            Não faltam boas ideias a esse debate. Estas são, como disse no princípio, diferentes maneiras de transformar um problema grave em saídas para outros desafios até aqui sem resposta.

            Acredito que é hora de o Governo se posicionar, sob pena de assistir impassível a um dramático processo de judicialização da crise de governança, imposta por um sistema que todos nós entendemos como abusivo e já indefensável até mesmo pelos aliados do poder.

            Ao contrário da luta pelo poder e pelo mando político, o Governo Federal tem a oportunidade de oferecer ao País uma inédita e inequívoca demonstração de um outro tipo de protagonismo: o da solidariedade política.

            A responsabilidade administrativa.

            O espírito republicano e a visão nacional.

            Já disse e repito: continuamos órfãos de um projeto de País. Não nos basta apenas um projeto de poder e de governo.

            Senhoras e senhores, encerro fazendo um sincero apelo a cada um dos Senadores. É preciso que esta Casa - a Câmara Alta - não se curve às circunstâncias políticas. Vários temas correlatos a esses estarão em debate: a discussão dos novos critérios para FPE, a distribuição dos royalties. Portanto, temas que deveriam convergir para uma única e profunda discussão sob o comando do Presidente desta Casa, José Sarney.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Para encerrar, por favor.

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG) - É preciso que esta Casa exercite em plenitude, com autonomia e altivez, a guarda dos princípios federativos que estão sob sua direta e inalienável responsabilidade.

            Não há questão, portanto, Srª Presidente, Srs. Senadores mais substantiva a ser discutida hoje no Brasil. E nesse sentido pretendo, tenho certeza, ao lado de outros Srs. Senadores e Srªs Senadoras, aprofundar esse debate, porque acredito que é exatamente aqui que ele deve ocorrer, porque a nossa responsabilidade é, acima de qualquer outra, preservar a Federação no Brasil.

            Obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2012 - Página 5209