Pronunciamento de Alvaro Dias em 07/03/2012
Pela ordem durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Encaminhamento de discurso em homenagem a Aracy Guimarães Rosa.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Pela ordem
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Encaminhamento de discurso em homenagem a Aracy Guimarães Rosa.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/03/2012 - Página 5257
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, EX-EMPREGADO, CONSULADO, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, ELOGIO, ATUAÇÃO, DEFESA, POPULAÇÃO, JUDAISMO, PERIODO, DITADURA, NAZISMO.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Eduardo Braga, Senador Inácio Arruda, rapidamente, faço nossa homenagem às mulheres na figura de uma heroína paranaense.
Sr. Presidente, vou encaminhar, como lido, o meu discurso a V. Exª, para que autorize a sua publicação.
Eu pretendia fazer este registro, com a esperança de lançar um pouco de luz sobre o maravilhoso exemplo de coragem, de ousadia e, principalmente, de amor ao próximo e de solidariedade humana que nos deu essa autêntica heroína brasileira chamada Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, heroína - repito - merecedora de reconhecimento por parte do nosso País muito maior do que o que teve até agora.
No último dia 3, sábado, ela comemoraria 102 anos de idade. É o primeiro ano de seu falecimento. Aracy Guimarães Rosa merece todas as homenagens por ter ousado, inclusive com risco pessoal, em nome da solidariedade humana, desafiar a ditadura do Estado Novo, que dominava o Brasil no final dos anos 30. E mais que isso, vivendo naquela época na Alemanha, corajosamente, desafiou também o nazismo, que já assumira o poder e começava a sua implacável perseguição aos judeus.
Aracy nasceu em Rio Negro, no Estado do Paraná.
Peço a V. Exª que considere lido o meu discurso.
Agradeço ao Senador Inácio Arruda.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ALVARO DIAS.
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O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna com o objetivo de lançar um pouco de luz sobre a memória de uma figura admirável, cujo primeiro ano de falecimento, aos 102 anos de idade, se completou no último sábado, dia 3. Uma figura que conquistou o reconhecimento internacional mas é pouco enaltecida em seu próprio país, o Brasil. Mesmo em seu estado natal, o Paraná que aqui represento, onde nasceu na cidade de Rio Negro, essa heroína a que me refiro não tem o reconhecimento que mereceria como uma paranaense que se tornou cidadã do mundo, mercê de sua grande alma, de sua incrível coragem e inabalável determinação em ajudar vítimas de perseguições.
Estou me referindo à rionegrense Aracy Moebius de Carvalho, quando solteira, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, desde que se casou com o nosso escritor maior, ao lado de quem viveu até a prematura morte dele, em 1967. Ela merece todas as homenagens que recebeu e as que deveria receber, não por ter se tornado a esposa e companheira, até o final da vida dele, daquele que é apontado como o maior escritor brasileiro de todos os tempos.
Aracy Guimarães Rosa merece todas as homenagens por ter ousado, inclusive com risco pessoal, em nome da solidariedade humana, desafiar a ditadura do Estado Novo, que dominava o Brasil no final dos anos 30. E mais que isso, vivendo naquela época na Alemanha, corajosamente desafiou também o nazismo, que já assumira o poder e começava a sua implacável perseguição aos judeus.
Funcionária do consulado do Brasil em Hamburgo, cabia a Aracy preparar os processos dos alemães que solicitavam visto de entrada no Brasil. Ainda que em função relativamente subalterna, Aracy decidiu que não iria acatar a determinação do governo ditatorial de Getúlio Vargas, expressa na famigerada Circular Secreta n9 1.127, de 1937, que orientava o Itamaraty a recusar vistos de entrada a judeus. À revelia de seus superiores, ela preparava os processos omitindo a condição de judeus dos solicitantes e colocava os vistos em meio a outros documentos que levava para despachar com o cônsul geral, para que ele os assinasse sem perceber do que se tratava.
Aracy não só desacatou as ordens do governo brasileiro como também enganou a Gestapo nazista. Com a cumplicidade de um funcionário de um organismo policiai alemão ela obtinha, para os fugitivos, passaportes alemães sem a obrigatória identificação de que eram judeus. Para outros, que vinham de outras cidades mas precisavam provar que viviam em Hamburgo, para terem direito a requerer o passaporte, ela providenciava documentos falsos que confirmavam serem lá residentes. Chegou a transportar um judeu escondido no porta-malas do carro do consulado, protegido por placa do Corpo Diplomático. Abrigou temporariamente muitos deles em sua própria casa ou em casas de amigos. Utilizou o mesmo veículo oficial para levar, até os locais onde havia judeus escondidos, gêneros alimentícios que desviava do estoque do consulado, porque já havia racionamento.
Com determinação e muita ousadia, valendo-se de seu passaporte diplomático, escoltava os fugitivos do nazismo até o porto e até o interior dos navios. E levava em sua bolsa, para impedir que no momento do embarque fossem confiscados pelos nazistas, os eventuais dinheiro e jóias dos fugitivos. Estima-se que pelo menos uma centena de judeus alemães, dessa forma, tiveram a oportunidade de escapar da perseguição nazista, inclusive trazendo alguns bens para recomeçar suas vidas entre nós.
Hoje, muitos jovens brasileiros, descendentes de refugiados judeus alemães, talvez nem saibam que foi graças à coragem, ao destemor e espírito de solidariedade desta heróica e incomum brasileira que tiveram a oportunidade de nascer neste país, longe das guerras e das perseguições e discriminações por conta de suas origens. Mas a maioria da comunidade judaica brasileira tem consciência da importância da ação que Aracy desenvolveu no distante final dos anos 30, início dos anos 40 do século passado. Tanto que ela, ainda em vida, recebeu por parte deles diversas homenagens. Não por acaso, passou a ser chamada "o anjo de Hamburgo". Em homenagem a Aracy, a B'nai B'rith, entidade judaica de São Paulo, criou o Prêmio "O Anjo de Hamburgo", para reconhecer o trabalho de pessoas que, como ela, se disponham a lutar contra todas as manifestações de racismo.
O espírito humanitário e solidário de Aracy Guimarães Rosa também obteve o reconhecimento e a gratidão do Estado de Israel. Em 1985, ela fez sua última viagem internacional, como convidada do governo daquele país, para inaugurar uma placa em sua própria homenagem, no "Jardim dos Justos Entre as Nações", junto ao Museu do Holocausto, em Jerusalém. Ela ainda teve a honra de inaugurar naquele país um bosque com seu próprio nome e também ser homenageada pelo Museu do Holocausto de Washington.
Aracy foi a única mulher entre 18 diplomatas de vários países que tiveram o reconhecimento do Estado de Israel por terem ajudado judeus a escapar do nazismo. Ela não era apenas a única mulher como também a única funcionária consular. Isto destaca mais ainda a sua coragem, porque, como simples funcionária, ela se expôs numa situação bem mais vulnerável do que os cônsules e embaixadores que eram os outros diplomatas homenageados.
A história dessa brasileira exemplar é toda marcada por gestos de coragem e ousadia. No início dos anos 30, ainda no Brasil, ousou colocar fim ao seu primeiro casamento numa época em que a situação de "desquitada" era um estigma terrível para as mulheres. Em seguida, filha de pai brasileiro e mãe alemã, corajosamente decidiu, levando seu filho de apenas cinco anos, recomeçar a vida na Alemanha, junto a uma tia, irmã da mãe dela.
Extremamente culta, falando fluentemente alemão, francês e inglês, Aracy não encontrou dificuldade nenhuma para ser contratada como funcionária do consulado brasileiro em Hamburgo. Lá ela viria conhecer seu futuro companheiro. João Guimarães Rosa, que já destacava como escritor, viu na diplomacia um caminho para conhecer o mundo e por isso abandonou a medicina e fez concurso para o Itamaraty. Também por sua extraordinária cultura e por dominar diversos idiomas, foi aprovado em segundo lugar e designado cônsul adjunto em Hamburgo. Lá, os dois, ambos saídos de casamentos que não deram certo, se conheceram e se apaixonaram. O escritor, que por sua formação humanista abominava o nazismo, soube por Aracy da ação que ela desenvolvia secretamente e a apoiou, apesar de preocupado com os riscos a que ela se expunha.
Se alguém achar que os gestos de ousadia e rebeldia de Aracy Guimarães Rosa foram apenas arroubos típicos de jovens, engana-se. Bem mais madura, já viúva, vivendo no Rio, por ocasião da decretação do Ato Institucional n^ 5, foi a um encontro de intelectuais, preocupados com o clima de violenta repressão que se instalara no país.
Soube então que estava sendo particularmente caçado pela repressão o compositor que fizera a trilha sonora um filme baseado em conto do falecido marido dela, "A hora e a vez de Augusto Matraga". Ela nem sabia ao certo de quem se tratava mas, com a sua generosidade de sempre, se ofereceu para escondê-lo em seu apartamento.
Foi assim que Aracy conheceu e protegeu Geraldo Vandré até que surgissem condições para que ele deixasse clandestinamente o país e se asilasse no Chile. E foi assim que o perseguido compositor pôde, naquele momento de extrema tensão no país, da janela do escritório onde Guimarães Rosa trabalhara e que se convertera em seu alojamento, observar a movimentação de militares no interior do Forte Copacabana, porque o prédio onde ele estava escondido ficava bem próximo à unidade militar.
Extremamente discreta, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa jamais se vangloriou do importante papel que desempenhou na salvação de vidas humanas ameaçadas. Sua corajosa atuação veio a público muito mais por iniciativa das pessoas que ajudou. Durante uma homenagem em São Paulo, um jovem de origem judaica aproximou-se e perguntou-lhe o que a levara a fazer tudo aquilo, já que não tinha nenhum vínculo com o judaísmo. "Fiz porque somos todos irmãos", foi a resposta que o jovem ouviu.
Este, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, era o registro que eu pretendia fazer, com a esperança de assim, conforme disse no início, lançar um pouco de luz sobre esse maravilhoso exemplo de coragem, ousadia e principalmente amor ao próximo e solidariedade humana que nos deu essa autêntica heroína brasileira que foi Aracy de Carvalho Guimarães Rosa. Heroína, repito, merecedora de um reconhecimento, por parte do nosso país, muito maior do que o que teve até agora. Muito obrigado.