Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica ao discurso proferido hoje pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, na Comissão de Assuntos Econômicos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Crítica ao discurso proferido hoje pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, na Comissão de Assuntos Econômicos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2012 - Página 6158
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PRONUNCIAMENTO, GUIDO MANTEGA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), ASSUNTO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, INOVAÇÃO, PRODUTO, AUMENTO, CAPACIDADE, PRODUÇÃO, TRABALHADOR, OBJETIVO, CRESCIMENTO, INDICE, PRODUTIVIDADE, CONCORRENCIA, INDUSTRIA NACIONAL, IMPORTANCIA, TRANSFORMAÇÃO, SISTEMA DE EDUCAÇÃO, PAIS, REFERENCIA, PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador, mas creio que não vai ser necessário um discurso longo para fazer um pequeno comentário sobre a vinda, esta manhã até o avançar da tarde, no Senado, do Ministro Mantega.

            O Ministro Mantega fez uma bela apresentação, mas, como tenho sempre falado da área econômica do Governo, um discurso concentrado no presente, um discurso sem uma visão de longo prazo, um discurso, Senador Taques, conjuntural, sem a visão estrutural que o Brasil precisa.

            Quando a gente analisa, por exemplo, os impedimentos que ele coloca hoje e os perigos e riscos da economia brasileira, todos são comprometidos com o presente: é a taxa de câmbio, é a redução da demanda internacional por nossos produtos, é a política, a guerra cambial. Ele não coloca o principal problema da economia brasileira, Senador Acir, e que temos conversado sempre. No médio prazo, o nosso problema é só um: chama-se competitividade.

            A economia brasileira está bem, mas ela vai mal. Ela vai mal se a gente analisa a competitividade crescente dos outros países e a competitividade estagnada do Brasil, a produtividade estagnada do Brasil, que é a base da competitividade, enquanto a produtividade cresce em outros países. Na Coreia do Sul, nos últimos 20 anos, a produtividade cresceu 50%; na China, a produtividade, em 20 anos, cresceu 60%. O que quer dizer esse crescimento? Quer dizer que, há 20 anos, se um trabalhador sul-coreano produzia o valor de 100, agora ele produz o valor de 150, o mesmo trabalhador; quer dizer que, se na China um trabalhador produzia o valor de 100, agora ele produz 160. No Brasil, um trabalhador que, há 20 anos, produzia 100, hoje continua produzindo 100. Eu falei que o crescimento da produtividade no Brasil era zero em 20 anos. O Senador Armando Monteiro, que é um homem da indústria, usou uma palavra muito melhor: a produtividade está estagnada. 

            Este é o grande problema do futuro: a incapacidade da nossa produtividade de dar saltos, de produzir mais, cada pessoa, de um ano para o outro, para poder justificar ganhar mais de um ano para o outro.

            Mas a competitividade não vem só da produtividade. Essa é uma visão antiga, tradicional, do tempo em que produzíamos dois, três, quatro produtos. A competitividade hoje vem de duas coisas: a produtividade do processo de produção, quanto um trabalhador produz graças às novas máquinas, e a criatividade de inventar novos produtos.

            O Brasil está pecando nesses dois aspectos da competitividade internacional. Nós não inventamos novos produtos e nós não conseguimos aumentar a capacidade de produção de cada trabalhador.

            Qual é o resultado? Cada trabalhador vai continuar produzindo a mesma quantidade e nós vamos continuar produzindo os mesmos produtos. Aí a demanda não cresce. Ou cresce por reação lá de fora. Lá de fora começam a comprar mais, como hoje acontece com alguns setores. O setor da soja, por exemplo. E está aqui o Senador Blairo, que o conhece bem. Lá de fora a demanda aumenta. E aqui dentro a produtividade também, nesse setor, sobretudo pelo fato de mais de uma cultura ao longo de um ano apenas. Essa é uma invenção brasileira.

            Mas são produtos que não geram a demanda por si, como o caso de um iPad, de um iPod, de um computador, de um equipamento da inovação científica e tecnológica, que é criado e, ao entrar no mercado, cria a demanda. Não é preciso esperar que a demanda venha de fora. Nós, que inventamos o produto, induzimos a demanda. Então, nesses dois aspectos da competitividade, o aspecto da invenção de novos produtos e o aspecto de produção maior por pessoa, produtividade, nós estamos falhando.

            Isso ele não falou. E a pergunta que fiz a ele foi se o Ministério da Fazenda estava prestando atenção ao novo Plano Nacional de Educação que vai chegar aqui. E o Plano Nacional de Educação é a mãe da competitividade, porque ali, no Plano Nacional de Educação, é que vamos não apenas ter capacidade de inventar novos produtos, como também capacidade de aumentar a produtividade de cada trabalhador, pela sua formação e pelas máquinas que podemos inventar para produzir mais. É ali que está a mãe da própria economia do futuro, porque essa economia do futuro terá que ser a economia baseada no conhecimento. O capital, daqui para frente, não é mais a máquina. É quem inventa a máquina. É quem sabe operar a máquina inteligente, como as máquinas do futuro serão a partir de agora. Nós estamos ficando para trás.

            Por isso, tenho dito e insistido que a economia está bem, mas não vai bem. É claro que há outros problemas: a infraestrutura deficiente, o custo Brasil elevado, a própria taxa de cambio, que dificulta a nossa exportação e termina desindustrializando o Brasil, enquanto industrializa a China, industrializa a Índia, e passamos a ser importadores dos bens industriais. São muitos problemas. São 15 problemas que identificamos nesse trabalho chamado “A economia está bem, mas não vai bem”. Mas, desses todos, talvez o mais importante seja a perda da capacidade de competitividade no exterior, no conjunto da economia, embora, em setores como o da soja e em setores como o do ferro, a gente consiga aumentar a produtividade graças a técnicas novas, e técnicas que surgiram graças a conhecimento produzido, por exemplo, na Embrapa, no caso da soja; produzido no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, no caso da Aeronáutica e da Embraer. 

            Lamentavelmente, a resposta do Ministro Mantega, quando perguntei se o Ministério da Fazenda estava considerando o segundo Plano Nacional de Educação como um vetor, como um instrumento, um motor para a nossa economia, foi de que nós vamos colocar mais dinheiro na educação. Mais dinheiro é necessário, mas mais dinheiro não é suficiente. Hoje, se chover dinheiro no quintal de uma escola, vira lama na primeira chuva. Temos que saber como o dinheiro que a gente coloca chega à cabeça dos alunos, chega à consciência dos alunos. Isso exige uma mudança no sistema educacional brasileiro. Temos que revolucionar, e não apenas melhorar a educação no Brasil.

            Essa revolução exige a criação de um sistema novo, com professores altamente bem remunerados, selecionados com muito rigor, com dedicação absolutamente exclusiva, usando equipamentos da mais nova geração pedagógica, em edifícios bonitos e confortáveis e em horário integral. Não dá para você transformar as escolas de hoje nessa nova escola. Nós vamos ter que fazê-las. Esse é um professor novo que a gente vai ter que buscar no mercado, pagando bem e exigindo muito, inclusive mudando o conceito de estabilidade. Estabilidade em relação ao governador, ao prefeito, em relação ao presidente, em relação ao Estado, mas não estabilidade em relação aos colegas, aos pais, ao povo. Nós temos a obrigação de avaliar os professores no momento em que nós dermos importância à educação, no momento em que pagarmos bem aos professores. Esse novo sistema tem que ser montado, enquanto vamos deixando que o atual sistema, o sistema das escolas ruins, sem horário integral, com professores mal remunerados, sem motivação, escolhidos localmente, esse sistema tem que ir definhando, enquanto a gente vai construindo um novo sistema. Esse é que deveria ser o PNE.

            Lamentavelmente, Senador Cássio, o segundo PNE, Senador Taques, e eu coloquei isso para o Ministro Mantega, é uma repetição do primeiro PNE. Daí eu pergunto, vamos avaliar o primeiro PNE: quanto aumentou a produtividade? Quanto aumentou o grau de consciência da população brasileira? Nada. Nesses dez anos do primeiro PNE, nada mudou substancialmente na educação. O segundo PNE pouco vai mudar, salvo jogar muito dinheiro. Cheguei e disse até ao Ministro: Ministro, o senhor, que é Ministro da Fazenda, tome cuidado, não vale a pena jogar dinheiro sem ver como ele vai ser gasto.

            Mas o que mais me preocupa é essa falta de visão entre o setor educacional e o conjunto da sociedade brasileira. Achamos que a educação é uma questão lá, da educação, que a economia é uma questão cá, dos empresários. Ou a gente casa essas duas coisas ou a educação não vai dar o resultado. Nós achamos que educação é uma coisa lá, da educação, e que a corrupção é uma coisa cá, da justiça. Sem educação combinada com consciência a gente não vai dar o salto para uma sociedade honesta. A gente acha que a violência é uma questão cá, dos policiais, e a educação lá, dos professores. Sem casar professores, educação e uma consciência pacífica das nossas crianças no processo de crescimento, a educação não trará o efeito necessário para mudar o quadro violento do País e a luta contra a violência não será a mesma que a luta pela paz. É uma pena que a gente se conforme com tão pouco. A gente se conforma em ter mais vigilantes, em ter toda a vida da gente coberta de vídeos para saber quem é e quem não é ladrão, a gente aceita viver cercado de cercas, em condomínios, comprando em shopping centers, porque não pode ir à rua; entrando em restaurante com vigilantes privados, vendo quem entra e quem não entra. Nós nos conformamos como se isso fosse paz. Isso é segurança; isso não é paz. Paz é quando não se precisar de barreiras; quando a gente puder passear no centro da cidade sem medo. Aí é paz. Mas a gente não quer a paz, a gente quer a segurança. Até precisa da segurança momentaneamente, mas tem de olhar para a paz; até precisa de uma economia que esteja bem, mas a gente tem de olhar uma economia que vá bem no futuro, e essa depende de uma visão integrada.

            Mas, lamentavelmente, nós temos um Governo hoje que não consegue casar longo e curto prazo. Não há um diálogo, Senador Taques, entre o que se faz hoje e o que se espera para amanhã. Às vezes, a gente faz hoje sem olhar para o amanhã; a gente faz, às vezes, para amanhã, sem ver a base hoje.

            Vou dar um exemplo: o imenso, grande, bonito projeto de Suape, em Pernambuco. Todos sabem hoje que o projeto de Suape, em Pernambuco, é um projeto olhando lá na frente, que vem do Senador Jarbas Vasconcelos. Esse projeto, olhando lá na frente, está fracassando porque não criou uma base educacional. Não tem mão de obra para fazer funcionar as coisas. Um imenso navio, construído em Pernambuco, que orgulhou Pernambuco, lançado ao mar pelo Presidente Lula, está no estaleiro, voltou ao estaleiro, segundo dizem, por deficiência na mão de obra que fez as soldas dentro do navio.

            O Ministro Mantega falou muito bem, mas falou muito bem do momento. Ele não tocou no projeto de Brasil. É como se o problema dele fossem os próximos anos, e não as próximas décadas. Isso é que deixa preocupação em quem não se contenta apenas de ter o Brasil estando bem e quer o Brasil indo bem para o futuro. Não satisfez, portanto, a fala do Ministro numa perspectiva mais longa.

            Acho que a gente deveria chamá-los aqui juntos, o Ministro Mantega, o Ministro da Ciência e Tecnologia, o Ministro da Educação, e ter um debate sobre o Brasil, porque nos acostumamos a debater em cada comissão o aspecto específico daquela comissão e estamos deixando de discutir o aspecto amplo da Nação brasileira, na sua complexidade, na necessidade de interação entre seus diversos setores. Cada um está trabalhando por um lado e cada um olhando só o seu presente. E aí a gente não pode colocar a culpa apenas nos Ministros, na Presidenta. Os sindicatos só pensam no curto prazo; eu diria que o sistema judiciário está comprometido com o curto prazo; nós, políticos, estamos comprometidos com o curto prazo. O nosso horizonte mais longo é a próxima eleição, em vez de ser a próxima geração. Nós estamos prisioneiros de estar bem, e não de ir bem. Isso é extremamente preocupante, mesmo quando os indicadores atuais são bons.

            Era isso, Senador Cássio, que eu queria colocar, dizendo: bela apresentação do imediato, triste apresentação, olhando o futuro do Brasil.

            O SR. PRESIDENTE (Cássio Cunha Lima. Bloco/PSDB - PB) - Cumprimento V. Exª, Senador Cristovam, por mais um pronunciamento extremamente lúcido, de alguém quem tem uma folha de serviços prestados a este País e uma preocupação permanente com o seu próprio futuro, com o arrimo, a base da educação brasileira.

            O Senado e os telespectadores da TV Senado são brindados, mais uma vez, com a palavra sempre lúcida e cidadã de V. Exª.

            Cumprimento-o pelo seu pronunciamento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2012 - Página 6158