Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca da estagnação brasileira na produção de conhecimento e defesa de alterações no projeto que trata do Plano Nacional de Educação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Comentários acerca da estagnação brasileira na produção de conhecimento e defesa de alterações no projeto que trata do Plano Nacional de Educação.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2012 - Página 6685
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ATRASO, BRASIL, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, SOLICITAÇÃO, ORADOR, DESTINAÇÃO, SENADO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, MOTIVO, TENTATIVA, AUMENTO, EFICACIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Casildo, sempre é um prazer falar aqui quando o senhor é Presidente da Mesa.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o que mais se fala nestes últimos tempos é da crise econômica que rodeia, ameaça, afoga a Europa. Hoje mesmo eu passei uma parte da manhã discutindo com representantes da Comunidade Econômica Europeia e tenho insistido que eles não estão percebendo que não há apenas uma crise; há um esgotamento do modelo econômico civilizatório da Europa - e não só da Europa. É global! Nós estamos vivendo o final, que pode durar décadas, de um modelo de desenvolvimento baseado na economia; dentro da economia, baseado na produção e, por isso, medido pelo Produto Interno Bruto.

            Isso está se esgotando, por um lado, porque os recursos naturais não permitem continuar o crescimento. Há um limite. Está aí o crescimento global, está aí a ascensão do nível do mar. Esgotou! Esgotou o modelo que dizia que uma sociedade é mais rica porque produz mais.

            E, segundo, por que o PIB é tão ilógico? E a gente aceita. Senador Casildo. Se um bandido dá um tiro numa pessoa, o PIB aumenta, porque ele gastou uma bala que foi produzida no ano anterior! Faz sentido esse PIB? Mais grave a lógica: se ele acertar o coração da vítima, a renda per capita aumenta, porque é uma pessoa a menos. Caramba! É claro que isso está errado! A bala que matou John Lennon aumentou o PIB americano - muito pouquinho, mas aumentou. A bala que matou Gandhi aumentou o PIB do país que produziu a bala - eu não sei se foi a Índia, pois não sei se ela tinha indústria de balas naquele momento. É inaceitável que a bala que matou Martin Luther King tenha aumentando o produto interno bruto, mas aumentou. Nas estatísticas daquele ano, aparece aquela bala.

            Agora, tiremos a bala. Cada avião bombardeiro fabricado aumenta a riqueza de um país. É lógico que não aumenta a riqueza de um país fazer um bombardeiro! Aumenta fazer um avião de passageiros, mas um avião que transporta bomba não aumenta o bem-estar. Poder-se-ia dizer “aumenta a segurança do país”. Muito bem, aumenta a segurança, mas não a riqueza.

            Esse modelo se esgotou! E não adianta buscar soluções apenas para saber o que fazer com as finanças, o que fazer com a aposentadoria, o que fazer para retomar o crescimento. Tem de se ter um novo propósito. Esse novo propósito - isso ainda não é a razão da minha fala - é uma economia diferente: uma economia que não se baseia apenas na produção; uma economia que não seja marrom, como é a economia de hoje; uma economia que carregue a cor verde do meio ambiente; uma economia que carregue a cor branca da paz, não levando em conta as armas - as armas não entrariam como indicador de riqueza; uma economia que seja vermelha, para mostrar que atende às necessidades da população, dos pobres, dos trabalhadores; uma economia que seja azul, do bem-estar, e que mostre que o bem-estar cresceu.

            É claro que o bem-estar não está crescendo com o aumento da produção de automóveis. O aumento da produção de automóveis, quando chega a certo nível, reduz o bem-estar pelo engarrafamento, pelo dióxido de carbono, pelo fato de se ter de desviar os recursos para a construção de escolas para fazer viadutos. É claro que não dá!

            E, finalmente - aí vou entrar no meu tema -, a economia que a gente deve querer - além de branca, da paz; além de vermelha, do social; além de verde, do ecológico; além de azul, do bem-estar - deve ser amarela. O amarelo é a cor que escolhi - poderia ser outra - para indicar a economia baseada no conhecimento, a economia que faz com que as coisas se produzam graças à ciência e à tecnologia.

            E aí quero falar, Senador: o Brasil abandonou ou, aparentemente, neste momento está abandonando a ideia de uma economia do conhecimento.

            Ontem recebemos aqui o Ministro Mantega. Senador Mozarildo, na lista dos problemas industriais, ele não colocou a competitividade. Não era um problema. Ele não a colocou na lista dos problemas, e eu disse isso na hora em que fiz a pergunta. A competitividade, hoje, vem da capacidade de inventar novos produtos e novas máquinas para produzir esses produtos. E o Brasil está absolutamente estagnado em relação a isso.

            Para se ter uma ideia, a produtividade, ou seja, o quanto uma pessoa produz por ano na Coreia, em 20 anos, subiu 50%; na China, subiu 60%. Sabe quanto subiu no Brasil a produtividade, ou seja, a capacidade de uma pessoa produzir em um ano? Zero! Estamos estagnados na produtividade.

            Mas a gente não está produzindo mais? Está produzindo mais porque está empregando mais; logo, a renda que sobrou para cada um não cresce suficientemente.

            Nós não estamos levando em conta o longo prazo da economia, que terá de ser - terá de ser, necessariamente - baseada na capacidade de criar inteligência, de criar o capital conhecimento.

            E, agora, entro no meu assunto. O Brasil terminou - pelo menos a Câmara está terminando - a elaboração do segundo Plano Nacional de Educação.

            Da maneira como o plano está, além de ser muito tímido, não é compatível com as exigências do mundo moderno para a educação. É um programa da educação, separado da ciência e da tecnologia, separado da economia, separado da saúde. Este era o momento de construirmos um sistema nacional do conhecimento e não apenas um sistema nacional de educação.

            Mas não estão nem pensando nisto: no sistema nacional de educação. Basta ver qual é a bandeira. E qual é a bandeira? A bandeira é 10% do PIB para a educação. Por que 10%? Por que não 12%? E se for possível com 8%? Não podemos partir, em um programa transformador, dizendo quanto vamos colocar lá. Temos que começar dizendo o que vamos fazer; depois, quanto custa. Aí, sim, quanto vamos colocar. Mas não dá para trabalhar educação isoladamente. Temos que saber como é que essa educação de base vai se relacionar com as crianças no dia que elas nascem, bem antes de começar o processo escolar, mas já iniciando o processo educacional.

            Como fazemos com os que terminam o Ensino Médio? Eles vão para a universidade ou vão para outro setor, como os países que têm boa educação fazem? Os países com boa educação não aumentam muito o número de alunos nas universidades. Isso é uma mania nossa. Eles colocam o número de universitários conforme as necessidades, escolhendo os melhores que terminaram o ensino médio e alternativas de ensino pós-secundário sem necessariamente ser universitário.

            Na Finlândia, que todo mundo cita como exemplo, uma parte pequena vai para a universidade; a outra vai para escolas técnicas de nível superior, mas não de nível universitário. A pessoa escolhe, por exemplo - e para nós isso parece absurdo -, depois de concluir o ensino médio, ser pescador. Agora, um pescador que terminou o ensino médio e fez um curso é um pescador que entende um pouco de engenharia de pesca, que entende de engenharia de refrigeração, que entende de preço dos peixes, portanto um pouco da economia, e deve entender até um pouco de culinária para saber o que fazer com o peixe e vendê-lo bem no mercado.

            Isso vale para marceneiro, isso vale para o garçom, que fala três idiomas, entende de culinária, descreve o prato, sabe tratar os clientes. Tudo isso com cursos pós-secundários, não universitários. E, claro, os salários não são muito diferentes entre os universitários e os não universitários. Há uma justiça social.

            Pois bem, nós precisamos aproveitar, quando chegue aqui o segundo PNE, e transformá-lo em um plano nacional de construção do sistema de conhecimento.

            O Brasil foi infernizado 21 anos por um tal de SNI. Tem de começar a construir o SNC, o sistema nacional do conhecimento, e que ponha toda a sociedade envolvida na produção de uma sociedade inteligente, preparada, desde o cuidado inicial das crianças à alfabetização de todas as crianças antes dos sete ou, no máximo, oito anos; a conclusão do ensino médio por todos, de um ensino médico com qualidade, da seleção dos melhores para serem professores. Depois, para serem doutores; primeiro, professores. Os melhores têm de ser, primeiro, professores; depois, as outras profissões. E, aí, a criação de alguns centros importantes de Ciência e Tecnologia. Temos o ITA; temos o Osvaldo Cruz; temos a Embrapa. Está na hora de termos um para as ciências da biotecnologia, de ter um para a nanotecnologia, de ter um para a astrofísica. Aí a gente cria o sistema.

            Mas está faltando uma coisa: a relação disso tudo com o setor produtivo, com as empresas. O PNE não fala nas empresas. Não é possível a gente falar em conhecimento sem colocar, dentro do sistema de conhecimento, as empresas, as fábricas, os consultórios médicos. Isso faz parte do conhecimento.

            Não é possível ter conhecimento pensando só em escola. O conhecimento vem também, Senador Capiberibe, daqueles que usam conhecimento e que produzem conhecimento. Temos de exigir dos empresários deste País que participem da formação do conhecimento e temos de fazer com que as universidades se liguem também ao setor produtivo, para que seus produtos de conhecimento tenham uso para a sociedade.

            Nada disso está no Plano Nacional de Educação. O dois é uma repetição do um. E alguém aqui sabe em que deu de resultados concretos o primeiro Plano Nacional de Educação? Em nada, praticamente. O segundo vai dar no mesmo: em nada. Isso porque é limitado, não tem uma proposta ousada de mudar a educação nem coloca a educação como parte do sistema nacional de conhecimento que este País precisa fazer.

            Por isso quero, antes de conceder o aparte ao Senador Mozarildo, dizer que espero que, ao chegar aqui o PNE II, vindo da Câmara, este Senado se debruce, e não como estão falando, para aprovar em quinze dias, mas que se debruce, que coloque Relatores, talvez até no plural, coloque nossa Consultoria e vamos transformar um PNE igual ao anterior em um marco na construção de uma sociedade do conhecimento neste País; um documento que seja capaz de traçar as linhas para que o Brasil tenha um sistema nacional de produção de conhecimento.

            Eu espero que o Senado cumpra a sua função, não seja um mero ratificador do que foi elaborado - é verdade, consultando muita gente, mas quase sempre gente do ramo, com sentimento corporativo, quase sempre pensando apenas nos próprios vícios acumulados ao longo das últimas décadas. Que façamos o nosso papel e produzamos um verdadeiro plano para que o Brasil dê um salto como entidade, instituição e nação criadora de conhecimento.

            Eu passo a palavra ao Senador Mozarildo com muito prazer.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, eu já disse em outras ocasiões que os pronunciamentos de V. Exª são verdadeiras aulas que o Brasil deveria levar em conta. V. Exª já disse que não tem medo de ser rotulado como Senador de uma nota só, mas essa nota é a primeira de todas, e olhe que minha formação é de médico, embora hoje eu seja professor da Universidade de Roraima. Sem educação as outras profissões não existem. Eu me lembro de que quando se aprovou, e o Senador Sarney sancionou, a lei de minha autoria criando a Universidade, muita gente em Roraima disse que era demagogia ter uma universidade lá. Perguntavam: “Ter uma universidade para quê? A pessoa se forma e não tem emprego”. Eu sempre respondia que é melhor uma pessoa desempregada com conhecimento do que uma pessoa desempregada sem nenhum conhecimento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Isso mesmo.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Diziam: “Daqui a pouco o camarada se forma e vai ser motorista de táxi”. Daqui a pouco, ele vira dono de uma frota de táxi ou empresário. Então, é verdadeiramente a educação o caminho, V. Exª aborda isso com muita propriedade em todos os aspectos do seu pronunciamento. Quero, portanto, somar-me ao que disse V. Exª e dizer da minha convicção de que precisamos investir realmente pesado em educação, mudando determinadas prioridades - se é que elas existem - até aqui. A prioridade que se percebe é para o curso superior, e não para o ensino fundamental ou o médio. Então, eu acho que V. Exª realmente tem razão quando diz que nós precisamos nos debruçar sobre esse plano e aprovar um plano que de fato seja um marco na história do Brasil, para melhor. Parabéns, portanto.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Quero, primeiro, agradecer-lhe por dizer que eu falo como se estivesse dando aula. É o cacoete da profissão. Ainda bem que eu não sou dentista; eu iria falar como quem arranca dente e poderia incomodar muito os nossos colegas!

            Mas eu quero lhe dar toda razão: é melhor uma pessoa desempregada com conhecimento do que uma pessoa desempregada sem conhecimento, até porque essa com conhecimento sai do desemprego; sai, não fica muito tempo; quem não tem conhecimento continua no desemprego.

            Quanto ao fato de ser advogado e criar uma empresa, comprar um táxi e virar dono de táxi, tem chance, mas seria muito melhor um sistema de conhecimento em que ele não precisasse ser advogado para depois fazer isso. Poderíamos criar cursos de dirigentes de frota de automóveis, de empreendedor para criar empresa de automóveis. Isso é possível. Com o segundo grau, a gente cria uma quantidade enorme de alternativas pós-secundárias, mas não universitária necessariamente.

            Quanto mais universitário, melhor, desde que necessário. Quando não é necessário, pode ser desperdício. Falando francamente, no caso de advogados, hoje, temos mais do que precisamos. Alguém me disse que temos, Senador Capiberibe, um número de advogados que corresponde à quase totalidade de advogados do mundo. Achei exagerado isso, mas já ouvi de mais de uma pessoa. Advogados antes do concurso da OAB, é verdade.

            Pois bem, o importante que quero deixar aqui claro é um apelo ao Senado, à Mesa do Senado: não deixem o PNE passar por aqui como se fôssemos apenas ratificadores. É a grande chance de darmos uma contribuição para dizer como é que este País pode ter um sistema nacional de conhecimento.

            Já temos um sistema nacional de energia elétrica excelente. Nós temos uma rede aeroporto que pode até não ser suficiente para a Copa, mas é uma senhora rede. Nós temos uma boa rede inclusive de universidades, temos uma rede de indústria, mas não estão casadas. E não temos a base, que é a educação de base.

            Vamos trabalhar para transformar o PNE em um sistema nacional do conhecimento. Esse é um apelo que faço a todos os Senadores, especialmente aos líderes de partidos e aos membros da Mesa, que são os que mandam no procedimento dos processos quando entram aqui.

            Era isso, Sr. Presidente Casildo, que tinha a falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2012 - Página 6685