Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o aumento da violência no campo, em especial no Estado do Amapá.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com o aumento da violência no campo, em especial no Estado do Amapá.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2012 - Página 6689
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, RELAÇÃO, AMPLIAÇÃO, NUMERO, VIOLENCIA, MORTE, ESTADO DO AMAPA (AP), MOTIVO, LUTA, POPULAÇÃO, REGIÃO, DEFESA, TERRAS, PRESERVAÇÃO, FLORESTA, MEIO AMBIENTE.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente da Mesa, Senador Casildo Maldaner, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, acompanhei o final do discurso do Senador Cristovam e o apelo da Senadora Lídice.

            E quero manifestar aqui, primeiro, a minha admiração pelo Senador e Prof. Cristovam, pelo conhecimento na área da educação. Se fosse uma escolha do Plenário, eu tenho certeza que ele seria o relator do Plano Nacional de Educação.

            E à Lídice eu quero manifestar a minha solidariedade com o povo baiano, que sofre pela estiagem. Enquanto uns sofrem pela estiagem, outros sofrem pelas chuvas torrenciais e as enormes tempestades. Isso é resultado das intervenções erradas dos seres humanos na natureza. Então, estamos pagando caro pelos abusos que cometemos.

            Mas, Sr. Presidente, na tarde de hoje, eu faria um discurso sobre uma situação escandalosa que vive o meu Estado. No entanto, eu venho acompanhado uma outra situação dramática e emergencial, que são os assassinatos no campo. É impensável que um País como o nosso, a 5ª economia do mundo, tenha que conviver com a violência e, principalmente, com a violência contra as lideranças sindicais no campo brasileiro, com o assassinato de lideres e também de indígenas.

            Eu fiz aqui um levantamento para apresentar a este Plenário e, no final, pleitear uma ação desta Casa, para que a gente coloque o Brasil realmente no século XXI, num plano civilizatório.

            Eu tenho dois casos aqui emblemáticos de violência no campo brasileiro. O primeiro é um assassinato e o segundo é uma ameaça de morte. Ambos dizem respeito à região Norte, à minha região, zona de conflito em razão da expansão indiscriminada e criminosa da fronteira agrícola. Não se trata de um fenômeno restrito a essa região, mas que assola o País inteiro, como veremos mais à frente.

            O primeiro caso foi no Pará, nos Municípios de Trairão e Itaituba, na chamada Terra do Meio, já conhecida por nós aqui, no final do ano de 2011. Esse caso foi brilhantemente relatado na revista Época pela jornalista, escritora e documentarista Eliane Brum, ganhadora de mais de quarenta prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance e de três livros de reportagem, um deles sobre a Coluna Prestes.

            Vamos ao caso: João Chupel Primo e Júnior José Guerra denunciaram o roubo de madeira no assentamento Areia, do Incra, perpetrado por madeireiros do oeste do Pará. Ambos, brasileiros de bem, denunciaram a operação criminosa a pelo menos seis órgãos públicos, federais e estaduais. Denunciaram ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, à Polícia Federal, à Secretaria-Geral da Presidência da República, ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público do Pará e à Polícia Civil do Pará.

            Pelo menos 15 assassinatos já foram cometidos nessa região nos últimos dois anos, seja por conflito pela posse da terra, seja pelo controle da madeira. Os criminosos chegaram a transportar, em um único dia, 3.500 m3, o equivalente a 140 caminhões carregados de toras com um valor da ordem de US$3,5 milhões.

            O ipê é a madeira mais valorizada e, muito procurada no mercado internacional. Basta dizer que a escadaria da Biblioteca Nacional da França, em Paris, foi construída com ipê, o que há quinze anos gerou um grande protesto sobre o uso dessa madeira amazônica.

            No dia 22 de outubro de 2011, João Chupel, depois de fazer a denúncia a cinco órgãos, foi assassinado com um tiro na cabeça. Júnior José, seu companheiro, foi obrigado a fugir para não morrer, junto com sua família.

            Apesar dos fatos, Júlio José não foi aceito no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Tendo-se em vista que nada adiantou, a pergunta que não quer calar é a seguinte: a qual órgão da República o cidadão deve recorrer para fazer novas denúncias? Enquanto isso, os criminosos continuam saqueando e desmatando a floresta, com toda a impunidade.

            O segundo caso foi em Lábrea, no Estado do Amazonas, em março de 2012. Ele está relatado em vários sites da Internet, inclusive do exterior. Trata das ameaças feitas a Nilcilene Miguel de Lima, produtora e líder rural em Lábrea, no sudoeste do Amazonas, na fronteira com Rondônia.

            Em 2009, quando ela assumiu a Presidência da Associação Deus Proverá, os invasores de terra e ladrões de árvores começaram a ameaçá-la. Aliás, o nome do assentamento é uma homenagem ao primeiro líder do grupo Gideão, que foi assassinado em 2006. Pelo menos oito pessoas já foram assassinadas e outras desapareceram.

            Em maio de 2011, Nilcilene fugiu do assentamento, ameaçada por pistoleiros. Adelino Ramos, líder do Assentamento Curuquetê, não fugiu e foi assassinado a tiros. Após a morte de Adelino, Nilcilene entrou no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Ela é protegida por soldados da Força Nacional.

            No dia 22 de fevereiro de 2012, alguns dias depois de voltar para o assentamento e protegida pela escolta durante 24 horas, Nilcilene encontrou em sua casa um dos seus cachorros de guarda morto com um tiro, uma ameaça nas barbas da Força Nacional. Nilcilene e o marido acham que não é mais possível continuar vivendo no assentamento e terão que abandonar tudo o que construíram.

            Esses dois casos merecem uma atitude. Precisamos salvar essas pessoas, e o Senado pode fazer isso. Precisamos chamar audiências públicas sobre este tema, não apenas uma, mas várias, trazer essas pessoas para que elas prestem depoimentos para que a gente possa protegê-las, porque só a visibilidade pode garantir proteção às vidas dessas pessoas.

            São centenas de casos que vou relatar, mas gostaria de passar a palavra ao Senador Cristovam.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Capiberibe, eu vou mais longe ainda. Quando o senhor diz que o Senado tem que fazer alguma coisa, eu digo: se nós não fizermos, nós somos cúmplices dos assassinatos que vierem daqui para frente. Nós não poderemos ser acusados de responsáveis pelos assassinatos totalmente, nós não podemos ser responsabilizados, inclusive de cúmplices, se fizermos aqui a defesa dessas pessoas, porque poderemos dizer: “nós fizemos a nossa parte”. Mas se nós não fizermos a nossa parte, nós seremos cúmplices dos assassinatos. Serão assassinados por bandidos a mando de outros bandidos que não puxam o gatilho, e nós aqui, por nossa paralisia, seremos cúmplices. Mas, além disso, quero dizer que o senhor traz aqui um problema que está sendo esquecido. Há tempo que eu não ouvia falar aqui de um problema real que está aí, e eu aproveito para falar outro: ontem, com a Frente de Luta contra o Trabalho Infantil, da qual sou Vice-Presidente, nós fomos visitar o Presidente da Câmara, Marco Maia, e pedi que ele ponha em votação a PEC que considera crime o trabalho escravo, que toma a terra de quem tem trabalho escravo. Ele disse uma coisa que é absolutamente verdadeira: “Vocês querem que eu ponha, eu ponho, mas, se vocês não organizarem o serviço das lideranças, vocês perdem; os Deputados vão votar contra a PEC que acaba a escravidão com o argumento de que não está claro o que é trabalho escravo”. Quero dizer que, durante a discussão da abolição da escravatura, muitos eram contra porque diziam que não estava claro o que era escravidão. Por exemplo: havia parlamentar - a maior parte deles eram donos de escravo - que dizia: “Mas eu trato bem meu escravo. Por que acabar com a escravidão? Vamos acabar com a escravidão do que maltrata, não do que não maltrata”. Quando a gente fez a Lei da Ficha Limpa, pegou muita gente inocente, porque, no primeiro momento, saiu desorganizadamente. É possível que haja problemas em que alguns fazendeiros terminem sendo acusados de trabalho escravo porque está usando bóia-fria, porque é a única maneira de fazer a colheita. Isso não é trabalho escravo. Pode acontecer, mas temos que aprová-la, e lá o que saiu foi o meu pedido de que seja aprovada até o dia 13 de maio, que a gente não deixe passar o 124º aniversário da abolição sem completá-la. E vamos tentar trabalhar. O seu discurso me lembra isso, porque, além da escravidão que existe ainda, tem assassinato. Os donos de escravos não o faziam, porque, se os matassem, perderiam o capital, já que eles os tinham comprado. Mas, como é camponês - dito livre -, pode-se assassinar sem perder nada, a não ser a vida da pessoa. Então, o Senado será cúmplice se não tomar algumas medidas para tentar evitar que essas tragédias venham a acontecer.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Cristovam.

            É evidente que o trabalho escravo nos incomoda. É preciso definir, com clareza, o que é trabalho escravo. Os trabalhos sazonais ocorrem em todo o mundo. Nos países europeus, em todo o canto, existe trabalho sazonal: durante um período, um ou dois meses de verão, trabalha-se sem carteira assinada. Mas esse não é o caso nosso, em que trabalhadores permanentes trabalham sem qualquer direito.

            Vejam em que País nós estamos vivendo! Isso me parece da maior gravidade! Há trabalho escravo e assassinatos. E vou relatar isso aqui. Só no ano de 2010, houve 1.186 conflitos no campo, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O número de conflitos se mantém praticamente inalterado, mas o número de assassinatos cresceu em 30%, passando de 26 mortos, em 2009, para 34 assassinatos, em 2010. Esse número inverte a tendência de queda observada desde 2006 no Brasil. Dos 34 assassinatos observados em 2010, 30 mortes ocorreram em razão de conflitos de terra, duas em virtude de conflitos pela água e duas em virtude de conflitos trabalhistas. Além dos 34 assassinatos em 2010, foram registradas 55 tentativas de assassinatos. Há de se registrar que, nesse mesmo ano, 125 pessoas receberam ameaça de morte em 16 Estados da União, quatro foram torturadas, 88 foram presas, e 90 foram agredidas.

            Mas, para não ser cansativo, eu queria apenas relatar alguns casos. Acho importante declinar os nomes das pessoas que foram assassinadas em defesa de seus direitos. Essas pessoas lutam em defesa da terra, lutam em defesa do meio ambiente, lutam em defesa da floresta em pé e são vitimadas por isso.

            Vou relatar alguns casos. No Amazonas, em janeiro de 2010, foi assassinado Valmir de Souza por denunciar, sistematicamente, o abandono, pela administração municipal, das famílias residentes. A gota d’água pode ter sido uma entrevista que ele concedeu a um programa de tevê de Manaus, no qual fez denúncia. É possível tolerar que uma pessoa seja assassinada porque procurou os meios de comunicação e fez uma declaração?

            Em Tucuruí, no Pará, em janeiro de 2010, Raimundo Nonato, de 52 anos, liderança rural, perdeu a vida. Em Santa Luzia do Pará, José Valmeristo Soares foi assassinado por pistoleiros. Em março de 2010, Pedro Alcântara de Souza foi executado numa emboscada por dois pistoleiros a mando de um fazendeiro da região. Em Pacajá, foi morto Antônio Moreira da Cruz, assentado; em Eldorado do Carajás, Manoel Martins da Costa; em São Félix do Xingu, Valmir da Silva. São dezenas de casos só em 2010 somente na região Norte.

            Na região Nordeste, em Alagoas, Elias Francisco Santos da Silva, de 31 anos, liderança rural, foi assassinado por pistoleiros no local em que estava acampado com um grupo de famílias. Em Cotegipe, Joaquim Ramos Santos, pequeno proprietário, foi assassinado por pistoleiros a serviço de um grupo de empresários conhecido como “os americanos”, interessado em comprar 150 mil hectares de terra na região. Em Limoeiro do Norte, no Ceará, José Maria Filho, 44 anos, líder rural, foi assassinado. No Maranhão, em Santa Luzia, foi assassinato Francisco Ribeiro Viana. Em São Vicente Ferrer, Flaviano Pinto, 45 anos, liderança rural, foi assassinado. Em São Mateus do Maranhão, foi assassinado Elias Ximenes Ferreira. E por aí vai, na Paraíba, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte.

            Na região Sudeste, houve um assassinato no Rio de Janeiro, na Baía da Guanabara: Márcio Amaro, pescador, morreu depois de protocolar documento na Petrobras denunciando a presença de homens armados no canteiro de obras do Projeto destinado ao transporte de gás.

            Agora, vamos aos indígenas. Tenho aqui um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que mostra o número de indígenas assassinados a partir de 2003: em 2003, foram assassinados 42; em 2004, 37; em 2005, 43; em 2006, 58; em 2007, 92; em 2008, 60; em 2009, 60; em 2010, 60. De 2003 a 2010, foram assassinados no Brasil 432 indígenas. Como se não bastasse o longo genocídio praticado contra os povos indígenas no Brasil desde a chegada dos europeus aqui, eles seguem sendo ceifados e assassinados.

            Agora, chega aqui o Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Quero dizer que, certamente, pedirei uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos para que a gente chame essas pessoas. Sr.Presidente, tenho uma lista de ameaçados de morte. Não deu tempo de fazermos o balanço do que aconteceu de 2010 para cá, mas vamos fazer o balanço para sabermos o que aconteceu com essas pessoas. É uma lista extensa, são mais de 100 nomes. São 125 nomes em 2010 de pessoas ameaçadas de morte. Precisamos trazer ao Senado algumas dessas pessoas, para que possamos criar um sistema de proteção e de visibilidade pública, para evitarmos o seu assassinato.

            Concedo a palavra ao Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Se me permitir, Senador Capiberibe, quero somente responder a V. Exª que, de pronto, estou acatando seu requerimento. V. Exª pode ter a certeza de que lá faremos audiência pública na linha da proteção justa e legítima desse povo, que foi o primeiro a chegar aqui. De repente, passa-se a impressão de que eles é que são culpados de estarem aqui porque nós, negros e brancos, aqui chegamos. Então, que V. Exª conte comigo! Sou parceiro, considero-me um militante na defesa tanto do povo negro, como dos povos indígenas e de todos aqueles que são discriminados, e sei que essa é a linha de V. Exª. Sou seu parceiro. Estou ao seu lado.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Paim.

            Obrigado, Sr. Presidente.

            Quero finalizar, dizendo que precisamos de um País civilizado, capaz de conviver com as diferenças. Nós, do Senado Federal, precisamos construir isso, envolvendo-nos diretamente nessa questão, para impedir que isso continue.

            Como podemos explicar para a opinião pública internacional a matança de tanta gente? E são líderes! Na verdade, estão matando a semente de qualquer processo de transformação e de mudança, porque estão ceifando a vida das lideranças rurais, dos líderes indígenas, daqueles que lutam por causas coletivas.

            Era isso o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muitíssimo obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2012 - Página 6689