Discurso durante a 30ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamento pela falta de aulas decorrente da greve nacional de professores em defesa da aplicação da Lei do Piso Salarial.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Lamento pela falta de aulas decorrente da greve nacional de professores em defesa da aplicação da Lei do Piso Salarial.
Publicação
Publicação no DSF de 17/03/2012 - Página 6859
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, AUSENCIA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, PAIS, RESULTADO, GREVE, CORPO DOCENTE.
  • COMENTARIO, CRITICA, GREVE, PROFESSOR, MOTIVO, CANCELAMENTO, AULA, ESTUDANTE, SUGESTÃO, ORADOR, REFERENCIA, EXTINÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PEDIDO, MINISTERIO PUBLICO, IMPEACHMENT, GOVERNADOR, PREFEITO, SOLICITAÇÃO, APOIO, PAIS, ALUNO, RELAÇÃO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras. Eu teria razões para estar aqui muito satisfeito como político. Creio que raramente, Senador Eurípedes, uma lei de iniciativa de um parlamentar provoque um movimento social tão forte em sua defesa. A Lei nº 11.738, de 2008, sancionada em 16 de julho de 2008, que é a Lei do Piso, teve origem no Projeto de Lei nº 59, de 2004, de minha autoria, que virou lei com a assinatura do Presidente Lula, em 2008. Quatro anos levamos para aprovar, mas o projeto virou lei, Senador Wellington, com a assinatura do Presidente Lula. Essa lei sofreu muitos problemas: governadores entraram na Justiça tentando que a lei fosse considerada inconstitucional. O Supremo garantiu a constitucionalidade, mas, diversos governadores e prefeitos, num número que não sabemos ao certo, não a estão cumprindo.

            O que a gente viu esta semana e em semanas anteriores foi uma explosão de greves de professores em todo o Brasil. Podemos dizer que centenas de milhares de professores fizeram greve na defesa da Lei nº 11.738, que alguns chamam de Lei Buarque pela iniciativa, pelo trabalho que tive para que essa ideia virasse lei. Eu poderia estar muito satisfeito, como político, ao ver centenas de milhares de professores em greve na defesa de uma lei de minha autoria, mas não estou porque considero que, em primeiro lugar, é lamentável que a lei ainda não esteja sendo cumprida, mas também acho lamentável que, por causa dessa lei, tenhamos crianças sem aula nos dias de hoje.

            Por mais que me orgulhe ver professores lutando por uma lei de minha iniciativa - muitos colocam o meu nome nela -, por mais que eu entenda a correção, a boa intenção, o papel fundamental da luta deles, sem o que - é incrível, neste País - uma lei não entra em vigor, eu fico triste ao ver que o instrumento usado é a greve. Como tenho dito, não consigo deixar de apoiar os professores, mas não consigo ser solidário com greve de aulas. Não consigo. Eu tento até.

            A gente está lutando para que as crianças tenham boas aulas, com professores bem remunerados. E, para lutar para isso, fazemos a contradição de os professores fazerem com que as crianças não tenham aula. É uma contradição que a gente precisa evitar. Por conta disso, quando manifesto essa minha posição, muitos me têm escrito, professores reclamando e criticando, perguntando o que fazer se não for uma greve de professores.

            Tenho feito algumas sugestões, Sr. Presidente, Srs. Senadores, tenho feito algumas sugestões que nem sempre são aceitas e que eu decidi colocar aqui publicamente.

            A primeira delas é ir ao Ministério Público pedir o impeachment do governador ou do prefeito. Aí podem dizer: “Mas vamos esperar muito”. Muito bem, tentemos que seja urgente, vamos tentar os caminhos legais, oficiais, sem parar as aulas, indo ao Ministério Público, como um Estado já fez, São Paulo. Os professores de São Paulo fizeram e conseguiram.

            Outra sugestão é ir à Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores do seu Município ou à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Vou tomar a iniciativa de levar o assunto do não cumprimento da Lei nº 11.738 para a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal com o seguinte argumento: primeiro, de que não estão respeitando o direito humano do professor de receber o salário que a lei lhe garante; segundo, por causa disso não estamos garantindo o direito humano de a criança ter escola, ter aula. Vamos levar para os Direitos Humanos. Terceira sugestão, vamos pedir o apoio dos pais, que estão sofrendo porque os filhos estão fora de aula. Será que eles não seriam capazes de uma argumentação, de irem à rua lutar pelos salários dos professores enquanto os professores estão em sala de aula? Será que isso seria possível? Será que a gente não conseguiria apoio de pais, no caso de as crianças estarem em aula? Vou mais longe: por que não conseguir apoio de muitos operários deste País? Sr. Presidente, é possível ficar um mês, dois meses, três meses com professores em greve, mas duvido que fiquem dois dias os operários que constroem os nossos estádios para a Copa sem que o Governo não dê resposta para eles.

            Até aqui, os operários têm ido atrás - e já ganharam causas - de melhorias no salário deles. Será que a gente não consegue que eles façam greve em benefício dos professores dos seus filhos?

            Eu vou dizer o que pode parecer certa instigação a algo de que muitos não gostariam: por que a gente não escolhe cem, duzentos professores - não é preciso mais do que isso - e ocupa os estádios em construção? Os americanos ocuparam Wall Street; na Europa, os jovens estão ocupando as praças; no Brasil, ninguém ocupa nada. Se os professores do Brasil ocuparem os estádios em construção para Copa, eu garanto que os assuntos deles serão levados em consideração. Eu queria ver se o Sr. Joseph Blatter - que, se não me engano, está hoje aqui - visitando estádios e percebendo que os estádios estão parados porque os professores do Brasil, a sexta maior potência do mundo, a sede da Copa e das Olimpíadas, têm de fazer greve para receber R$1.451 por mês. Se fizessem isso, seria notícia mundial. Seria notícia mundial se a gente fizesse isso. E não precisariam as crianças deixar de ter aula, não precisariam porque as manifestações estariam sendo feitas por alguns poucos professores que poderiam revezar-se, e isso daria maior confiança nos professores por parte dos pais e poderia arrastar os pais.

            Eu sugiro também manifestações nos centros das cidades. Por que não? Não precisam ser todos professores; bastaria um pequeno grupo de professores que paralisaria a cidade e, na hora em que estivessem cem, duzentos, trezentos professores sentados no chão como os americanos, que conseguiram tantas conquistas com o que eles chamavam de sit-in , sentados em alguns pontos da cidade, inviabilizando o funcionamento da cidade, por algum momento, eu garanto que a luta dos professores passaria a ser levada mais a sério, porque, nós, professores...

            O SR. PRESIDENTE (Anibal Diniz. Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, só para aproveitar o ensejo da sua preocupação com a educação, um assunto absolutamente relevante sempre, queremos registrar a presença dos alunos do ensino fundamental do Colégio Cristo Rei, da Cidade Ocidental, de Goiás. São todos muito bem-vindos ao Senado Federal.

(Manifestação das galerias.) 

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Nós devemos parabenizar vocês, crianças, e as professoras que estão aqui, porque vocês estão em sala de aula, e essa é uma maneira de fazer com que se veja que a aula tem de ser tratada com sacralidade.

            Eu nunca vi operário fazer greve de ir à igreja no domingo. Eles fazem greve para ferir algum interesse.

            É triste, mas a razão da greve impede o sucesso da greve. Sabe por quê? Porque a razão da greve é o desprezo dos governos pelas aulas. Portanto, eles não se sensibilizam com as greves. Nós temos de ter instrumentos mais fortes, agora, que exigem alguns sacrifícios.

            Num dos contatos que fiz, falando sobre isso nas redes sociais, um jovem respondeu: “Mas isso vai levar a polícia a ir atrás da gente. Isso vai levar a polícia a puxar a gente.” Eu disse sabe o que, Presidente? Eu disse: “Desculpe o meu erro. É que eu sou de uma geração que ia para a rua e que era puxada pela polícia, e que era levada presa. Desculpe, eu confundi, achando que as gerações atuais também são capazes de gestos heroicos.”

            Só não podemos cair nessa tentação de um instrumento que vem sendo usado há décadas, sem dar os resultados que devia.

            Por que não irmos atrás das centrais de trabalhadores?

            Querem ver como o piso salarial é respeitado? No dia em que este País tiver uma greve geral, e não só de professores, em defesa dos professores.

            Quando será que CUT, quando será que a Força Sindical vai perceber que o fundamental, para eles, não é apenas o salário do seu contracheque, mas também o boletim escolar dos filhos deles? Quando é que a gente vai sair do contracheque para o boletim? Será que vai demorar muito?

            Os trabalhadores brasileiros, ao ficarem somente na ideia do contracheque, sem uma preocupação com o boletim, estão condenando seus filhos ao desemprego, ou a subempregos, ou a baixos salários.

            Está na hora de os trabalhadores se envolverem nessa luta. Está na hora de não deixarem essa luta só nas mãos dos professores, para, aí, podermos cobrar dos professores, com a luta da sociedade em defesa deles, que eles não podem, não devem suspender as aulas.

            Eu sei que isso pode parecer um grande otimismo, ou um grande idealismo, mas alguém tem de tentar.

            Com toda solidariedade e apoio meu aos professores, como eu demonstro, por toda até satisfação que uma lei que chamam por aí de Lei Buarque merece, centenas de milhares de professores em grave, eu não posso deixar de dizer que não considero isso o instrumento mais justo e mais eficiente. Não é justo porque as crianças e as famílias pagam, e o País paga; e não é eficiente porque os governadores e prefeitos são capazes de enfrentar semanas e meses de greve, mas não enfrentariam dois dias de greve dos estádios em construção para a Copa.

            Além disso, não tem nem saído nos jornais a greve dos professores. Se os professores conseguirem parar nas doze cidades em que temos estádios em construção para a Copa, não só vai sair nos jornais da cidade, não só nos jornais do Brasil, mas no mundo inteiro. O mundo inteiro vai saber que aquele país, a sexta potência econômica, que vai fazer a Copa daqui a dois anos, não está conseguindo pagar R$1.451,00 de salário aos professores. E o mundo inteiro vai saber que isso pode ameaçar a estabilidade de que o País precisa para fazer a Copa.

            Eu quero deixar aqui a minha solidariedade à luta dos professores. Mas a minha preocupação é de que essa luta se faça sobre o velho instrumento de parar aulas. Greve é uma palavra que tem o sentido muito mais amplo do que parar o trabalho. Greve tem um conceito de luta em geral por parte de grupos sociais. Por isso, é possível, sim, greve de professores com aulas funcionando, com crianças na escola, deslocando o conceito de greve de paralisia para a greve da ação, a greve do movimento, a greve da presença.

            Fica a minha solidariedade, mas fica a minha preocupação e fica o meu apelo para que entendamos que a luta está no Ministério Público, para que o Ministério Público peça o impeachment desses governadores e prefeitos na luta dentro das comissões de direitos humanos - e eu vou levar para a Comissão de Direitos Humanos do Senado -, no apoio dos pais, e eles não darão apoio se os filhos estiverem fora de aula, porque eles verão o professor como responsável pelas dificuldades. Muitos professores disseram: “Mas como é que a gente vai para a rua ficando na sala de aula?” É que a sala de aula precisa de 15 mil professores; a rua precisa de 150, 200, 300... Faz um rodízio. E como pedir apoio dos pais, que têm de ficar em casa cuidando dos filhos? E há essa ideia de buscar apoio dos trabalhadores nas construções dos estádios. Esse é o único instrumento que vejo que hoje sensibiliza um país que acha que tudo se resume em realizar um conjunto de jogos de futebol.

            Temos que pensar que o futuro do Brasil está mais na escola do que nos estádios; está muito mais no professor do que naqueles jogadores estrangeiros que virão para aqui com a gente tendo a ilusão de que vai assistir aos jogos. Porque, com o preço que se vai cobrar, com o piso salarial do professor, nenhum professor vai poder assistir a um jogo da Copa. E muitos outros não vão poder. A gente vai terminar assistindo pela televisão, como se fosse no Japão, numa recente Copa do Mundo.

            Vamos lutar, mas lutar duramente. Mas duramente não é sinônimo de suspender aulas. É sinônimo de ação, de presença nas ruas.

            Essa é a minha solidariedade, minha preocupação e minha sugestão que eu queria trazer aqui, Sr. Presidente, nesta manhã de sexta-feira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/03/2012 - Página 6859