Discurso durante a 31ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoraçao do lançamento, pela CNBB, da Campanha da Fraternidade 2012, com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoraçao do lançamento, pela CNBB, da Campanha da Fraternidade 2012, com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2012 - Página 7049
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), REGISTRO, ANO, DEFESA, SAUDE PUBLICA, PROPOSTA, ORADOR, CRIAÇÃO, PROJETO DE LEI, REFERENCIA, DOCUMENTO, DEBATE, CAMPANHA.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Ilustre Sr. Presidente, ilustres representantes na Mesa, distintas autoridades, Senhoras e Senhores, na entrega do Oscar deste ano, Christofer Plummer, laureado, aos 82 anos, como o melhor ator coadjuvante, dirigiu-se primeiramente à estatueta que acabara de receber e disse: “Você é dois anos apenas mais velha do que eu”.

            Talvez eu também pudesse começar este meu discurso, igualmente aos 82 anos, falando ao símbolo da Campanha da Fraternidade. Diria eu: “Apesar de você já estar beirando meio século de existência, eu já estava em alguma tribuna quando você foi criada”.

            Era 1964 e eu ocupava a tribuna da Assembleia Legislativa do meu Estado, o Rio Grande do Sul. Creio ser desnecessário qualquer comentário sobre os meus discursos daquele ano. A história é conhecida e, queira Deus, não seja repetida. É bem verdade que, nos primeiros anos, a Campanha da Fraternidade teve como tema e como lema assuntos mais ligados à sua atuação apostólica, ainda não diretamente ligados às questões políticas e às questões sociais da comunidade, que naquele momento foi coberta pelo manto nada sagrado da escuridão e do silêncio que veio em 64.

            Mas não há como desligar, evidentemente, o apostolado de qualquer outro lema ou tema. Afinal, foi o próprio Cristo quem nos deixou, por meio de uma de suas primeiras mensagens, o que poderia se constituir, quem sabe, na referência maior de todas as Campanhas da Fraternidade nestas quase cinco décadas: “Eu vim para que todos tenham vida, e tenham vida em abundância". Vida, portanto, na sua plenitude.

            Quando a campanha da legalidade - desculpe-me, Sr. Presidente, a campanha da legalidade foi outra, foi dois anos antes, quando a gente tentou evitar o golpe e não conseguiu -, quando a Campanha da Fraternidade começou, eu também estava, certamente, em alguma igreja. Aí, não importa qual, porque todas elas professam a mesma fé de que somos imagem e semelhança do Criador. A mesma solidariedade, a mesma fraternidade. Portanto, o meu caminho foi traçado e sedimentado pela fé e pela política, desde o início da minha travessia terrena.

            Muito mais do que para louvar esta nova Campanha da Fraternidade, o importante desta sessão especial convocada por V. Exª, querido Presidente, é relembrar que não se faz política sem fé. E que a experiência tem demonstrado que nem sempre a fé remove as montanhas da omissão política.

            Aliás, eu não me lembro, nesta minha trajetória, de algum momento em que a fé e a política tenham se distanciado tanto. Daí, passados quase cinqüenta anos depois daquela primeira campanha, a fraternidade ainda é um sonho a ser realizado. Quando a fé a política caminharem efetivamente juntas, talvez nem mais necessitemos de campanhas pela fraternidade. Aí, sim, as campanhas seriam, de fato, da fraternidade, como louvor, e não como súplica.

            Se somos todos irmãos, a fraternidade passa a ser uma redundância. Mas o que ainda falta para que a irmandade seja, de fato, sinônimo de fraternidade é uma das definições do “ser fraterno”, do nosso mais famoso dicionário: é ter “amor ao próximo”. É ter “harmonia; é ter paz; é ter concórdia”.

            Quem sabe possamos imaginar até mesmo uma contradição, quando refletimos sobre a importância da compaixão na verdadeira fraternidade. A compaixão é uma das nossas mais sublimes virtudes, mas o ser verdadeiramente fraterno deveria ir muito além de qualquer definição que signifique “pesar, que em nós desperta a infelicidade, a dor, o mal de outrem”; ou “piedade, pena, dó, condolência”. Daí, a política não deve se mover, única ou principalmente, pelo “pesar”, mas pelo direito de ser verdadeiramente humano. O direito à vida. Repito: o direito à vida, em abundância.

            Eu não devo, tão somente, ter compaixão do meu irmão, ou ter pesar pela sua infelicidade e pela sua dor. Eu devo é lutar para que ele tenha todos os direitos como ser humano e como cidadão. À vida - repito - na sua plenitude.

            Daí, a fé. Daí, a verdadeira fraternidade. Daí, a política. A política como habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção da plenitude da vida.

            É assim que eu vejo o tratamento dado pela CNBB no tema da Campanha da Fraternidade deste ano: “Fraternidade e Saúde Pública”. Nos passos da Conferência Episcopal Latino-Americana, considera a saúde não apenas como ausência de doença, mas como ”um processo harmonioso de bem-estar físico, psíquico, social e espiritual”.

            Eu já disse em outro momento que a CCBB teria que recorrer à repetição, tamanhos são os problemas brasileiros e tão tímidas as soluções para eles. A questão da saúde, por exemplo, já foi lema e tema, diretamente, da Campanha de 1981, com “saúde para todos”; e de 1984, no contexto “para que todos tenham vida” e fundamentada na citação bíblica “pois eu estava com fome, e me destes de comer; ...doente, e cuidastes de mim”.

            Trinta anos se passaram, e a CNBB tem que recorrer, novamente, ao lema “que a saúde se difunda sobre a terra”, buscando atingir o objetivo geral de “refletir sobre a realidade da saúde no Brasil, em vista a uma vida saudável, suscitando e espírito fraterno e comunitário das pessoas na atenção aos enfermos e mobilizar por melhoria no sistema público de saúde”.

            Hoje, uma visita a um hospital público, principalmente nos maiores centros urbanos, nos mostra cenas de um verdadeiro campo de guerra. Muitas vezes, em um mesmo corredor, a lista completa da Classificação Internacional de Doenças Transmissíveis, não raras vezes. O que se ouve ali são gemidos de dor. O que se vê ali é o mais doloroso desrespeito à dignidade humana. Ali, não há vida na sua plenitude.

            Não imagino faltar solidariedade de quem quer que seja àqueles fiapos de vida. Naqueles corredores que mais parecem ser de morte, não falta, também, a fé. Falta, porém, a política e a ética.

            A política sim, ela parece estar longe de qualquer sentimento de solidariedade e de fraternidade. A política se afastou do coletivo, movida por interesses individuais, sob o comando do mercado.

            A saúde, por exemplo, está muito mais perto de um negócio do que do sacerdócio. Não consigo ver fraternidade no tratamento político àqueles mesmos seres humanos dos corredores hospitalares, embora todos nós tenhamos sido gerados, não importa as diferenças de cor, de credo e de posição social, à mesma imagem e semelhança do Criador.

            O Brasil possui, hoje, os mecanismos mais sofisticados da tecnologia de ponta para a arrecadação de tributos. Mas está longe, muito longe, da melhor maneira de gastá-los.

            Eu fico imaginando que o dinheiro que falta para as necessidades mais básicas para curar a dor do corpo e da alma é o mesmo que se esvai pelos ralos da corrupção na política. E aquela mesma máquina de arrecadação, tão sofisticada, é capaz de rastrear todos os eventuais deslizes tributários de muitos, mas não é suficiente para recuperar o que foi surrupiado pela ação corrupta de poucos.

            Aliás, cá entre nós, não há quadro mais desolador do que o escancarado ao mundo no programa Fantástico deste domingo. E, a propósito, na saúde pública! Lá fora, explícitas, a dor e a tristeza, estampadas nos rostos de quem, muitas vezes, está por um fiapo de vida. Lá dentro, entre quatro paredes, o deboche de quem parece não ter mais, nem mesmo, um fiapo de ética. Nem de humanidade. São imunes à dor alheia. Estão longe da fraternidade.

            “É assim que funciona”, disse uma ontem no programa de televisão. “É assim que funciona”. E disse mais: "É a ética do mercado”. No meio das vigarices, com tantas roubalheiras, 10%, 15%, 20% um diz: “É assim que funciona.” E outro responde: “É a ética do mercado.” Vinte por cento de roubalheira. É assim que funciona a ética do mercado, juntaria eu os dois. O lucro, não importa se à custa da dor.

            E o pior é que o quadro do Fantástico não conseguiu disfarçar o fato de que, embora fossem situações que levariam a uma soma considerável de recursos desviados das suas nobres funções, tudo indicava se tratar de uma "raia miúda", de verdadeiro amadorismo.

            Se aquele quadro do Fantástico mostrou o percentual da roubalheira em questões de contratação de mão de obra, em questões de limpeza, verbas grandes, mas insignificantes em relação à corrupção, imagine-se a corrupção profissional, nos bastidores dos grandes projetos públicos, nas privatizações, nas vultosas concessões, nas empreiteiras de obras que estão por aí, nas "tenebrosas transações", diria o poeta na sua música.

            É que, embora a fé permaneça fraterna à ética, a política tem sido gêmea da impunidade.

            Se a política bebesse na fonte das Campanhas da Fraternidade, não haveria tanta necessidade de campanhas pela fraternidade. Elas não teriam chegado a tantas décadas. E nem seriam necessárias repetições de temas e de lemas.

            Se a política se movesse, realmente, pela fraternidade, perderiam sentido os objetivos das Campanhas, por desnecessidade. Recursos financeiros não faltam, como não é difícil demonstrar. Os desvãos estão nas páginas diárias de todos os jornais. Que não deveriam permanecer nos cadernos de política, e, sim, conduzidos para os de polícia.

            Os setores que tratam da ética, da moralização da coisa pública, que tratam da fiscalização de como funciona a política administrativa em vários países, dizem: “O Brasil é um campeão na corrupção”. No Brasil, 35% do Orçamento é desperdiçado na anarquia da organização, na anarquia de funcionar a desorganização da execução, e na roubalheira da corrupção. Anarquia administrativa, uma federação que não existe na realidade, um pacto federativo que esmaga os Municípios. Do outro lado, a corrupção generalizada: 35%!

            Imagine como seriam diferentes as coisas neste País, evitada a corrupção.

            Vale dizer que não há discurso, seja ele de plenário ou como justificativa de projetos executivos, que não seja embalado pela essência da fraternidade. A mesma essência que foge quando nos debruçamos ante a prática de cada governo.

            É por isso que eu reitero a minha proposta de que os documentos-base de todas as Campanhas da Fraternidade, ou pela fraternidade, de tão profundos, sirvam de base para os próximos planos de governo, em todos os níveis. E de cada discurso, não somente os de sessões especiais como esta, convocada para louvar, ou para suplicar, a fraternidade.

            Faço, inclusive, uma sugestão à CNBB: que, na passagem dos cinquenta anos desta feliz e ainda necessária iniciativa, se faça uma compilação de todos esses documentos-base, desde o seu primeiro, e que a remeta aos governos, aos legislativos e ao judiciário. E que se proponha um amplo debate sobre suas reflexões e suas propostas. E que, desse mesmo debate, floresçam propostas executivas e projetos de lei. E que eles se viabilizem como de iniciativa popular, de fora para dentro, porque nada se pode esperar de dentro para fora, na atual política brasileira.

            Se a política não vem à fé, que a fé se encaminhe em direção à política.

            Reitero, também, a orientação desse mesmo documento, já proposta por mim na sessão especial da última Campanha: que os respectivos temas e lemas se juntem em dois grupos.

            O primeiro, no campo das consequências, a partir da Campanha de 1995: "A Fraternidade e os Excluídos". O outro, na junção das Campanhas de 1996 e 2010: "Fraternidade e Política" e "Economia e Vida" - buscar, portanto, as causas das nossas maiores mazelas na economia e na política, para que se propicie vida em abundância e na plenitude para os excluídos, excluídos da saúde, da educação, da segurança, da cidadania e de todos os outros temas e lemas de tantas Campanhas da Fraternidade.

            As Igrejas têm papel fundamental neste momento da nossa história. De fora para dentro, a população acendeu o holofote da esperança e tem iluminado corações e mentes para uma profunda mudança no modo de fazer política no Brasil. Mas esse mesmo holofote tem que ser, constantemente, recarregado em suas energias, sob pena da política voltar ou permanecer na penumbra das coxias.

            Nesse caso, o preço da fraternidade é a eterna vigilância. As Igrejas, com seu poder de comunhão, podem, elas mesmas, contribuir para que a política caminhe no sentido dos objetivos das Campanhas da Fraternidade. Manter vivo esse debate significa, talvez, o único caminho para que os temas levantados pela Igreja se transformem em lemas para a Política.

            Nos discursos, a fé e a política andam de mãos dadas, fraternas. Na prática, ainda necessitam de muitas Campanhas.

            Lembrando que a cruz, símbolo maior da cristandade, tem dois madeiros, um vertical e outro horizontal, reitero o que já disse, um dia: "Essa é a grande oportunidade de construirmos um novo tempo, alicerçado nos mais nobres valores da fraternidade, da cidadania e da soberania. Fé e política não se resumem a catedrais e gabinetes. Não se deve orar de frente para os altares e de costas para o povo; nem realizar a política de gabinete, longe do povo e de costas para Deus". A verdadeira fraternidade, como nos mesmos madeiros da cruz, vertical e horizontal, junta Deus e povo, fé e política. Olhando, agora, para essa mesma cruz, diríamos nós, em comunhão: "dois mil anos se passaram e nós ainda continuamos buscando a verdadeira fraternidade", para que todos tenham vida, e a tenham em abundância, na sua plenitude.

            Eu apenas encerro, Sr. Presidente, dizendo: será que aquele programa de televisão de ontem vai ficar assim? Será que a consequência mais ou menos certa será o jornalista que entrou no hospital, apresentando-se como funcionário do hospital, acabar sendo condenado por ter praticado um ato ilegal? Ele não podia. Ele fantasiou o fato. Será que é isso que vai acontecer?

            Nós já vimos agora, há pouco tempo, provado, ultraprovado que o banqueiro ofereceu um milhão para o delegado, um milhão, para encerrar o caso, delegado esse que, com autorização do juiz, tinha feito essa proposta. Páginas e páginas, volumes e volumes de uma operação espetacular, que provou a bandalheira toda. Se anular, anulou. Aquele ato do juiz mandando o delegado fingir que estava fazendo um suborno não era ético, não estava certo e, portanto, nada valeu.

            Eu olho para o dia de ontem e fico a me perguntar: será que aquele cidadão que fez aquele belíssimo trabalho de reportagem e, naquela armação, mostrou todo o escândalo, será que a Justiça vai dizer que houve fraude? Que ele não era membro do hospital? Que as licitações não eram verdadeiras? E vai ficar por isso.

            Com a palavra, a Srª Presidente, que tem dado demonstrações reais de que quer mudar. Eu já vi muitos fatos - mensalão, no caso do Lula, em que apareceu o cidadão ali na televisão recebendo a verba da porcentagem e dizendo quanto era a taxa dali para frente -, mas como ontem eu nunca tinha visto. Juro por Deus. Então, aquela mulher, rindo debochadamente: “Onde você quer receber o dinheiro?”. “Pode ser aqui, pode ser na Barra da Tijuca, por ser na Floresta”. “E quanto é o percentual?”. “Bom, é... É 15%”.

            A ética diz que é assim. A ética dos vigaristas diz que é assim.

            Vai ficar assim, Presidente Dilma? A senhora vai permitir que não aconteça nada e que termine o jornalista sendo condenado?

            Com a palavra, a Presidente.

            Ela está tendo coragem. Talvez diante de um ato dessa natureza, da barbárie que aconteceu - eu tive vontade de quebrar a televisão de tanta raiva -, talvez diante de um gesto como esse que aconteceu - o Brasil inteiro deve estar revoltado - faça-se alguma coisa. Eu volto a repetir: aquilo é um trailer do filme, aquilo ali é ninharia, é dinheiro de biscate de amadores. Imaginem as grandes empreiteiras, imaginem as grandes privatizações, imaginem a Vale do Rio Doce, uma empresa que hoje está avaliada em US$350 bilhões e que foi privatizada por 1, 2, US$3 bilhões, dinheiro dado pelo BNDES.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2012 - Página 7049