Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre matéria, publicada no jornal Financial Times, acerca da situação do Brasil no comércio internacional e sua relação com a qualidade do ensino do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Comentários sobre matéria, publicada no jornal Financial Times, acerca da situação do Brasil no comércio internacional e sua relação com a qualidade do ensino do País.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2012 - Página 7249
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FINANCIAL TIMES, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, ASSUNTO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, ECONOMIA, REGISTRO, ORADOR, PROBLEMA, INDUSTRIA, REFERENCIA, FALTA, PRODUTIVIDADE, CRIATIVIDADE, MOTIVO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, SALARIO, PROFESSOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, o jornal inglês Financial Times publicou uma matéria sobre a situação do Brasil no comércio internacional, analisando a postura do governo brasileiro, que é a mesma apresentada pelo Ministro Mantega na semana passada quando aqui esteve na Comissão de Economia, em que coloca o problema como sendo um problema de câmbio. O grave é que, pelo que a gente lê e ouve, na maior parte dos empresários, dos economistas no Brasil, parece haver uma unanimidade no sentido de que estamos perdendo competitividade só por causa do câmbio sobrevalorizado.

            É claro que o câmbio, no padrão em que está hoje, gera um problema de preços, elevando os preços dos nossos produtos, baixando os preços dos produtos importados e fazendo com que o Brasil caminhe para um processo de desindustrialização. Mas o câmbio não é a razão fundamental, sobretudo em médio e longo prazos. Até porque a questão do câmbio vai se resolver, porque, na medida em que existe esse desequilíbrio, não haverá como não desvalorizar o real. Mesmo que sem intervenção governamental, mesmo que continue o fluxo de moedas especulativas, chega um ponto em que haverá uma desvalorização.

            Na verdade, são dois problemas. Um é que, quando isso acontecer, naturalmente, diante do excesso de dólares e outras moedas circulando no mundo hoje, procurando onde ir ganhar e encontrando uma boa taxa de juros no Brasil, esse desequilíbrio de preços pode durar tanto que, quando houver uma desvalorização do real e os preços dos nossos produtos voltarem a ser competitivos, talvez já seja tarde demais.

            Para fechar uma fábrica, basta deprimir o preço do seu produto; basta trazer concorrentes com preços baixos, por um, dois, três meses, e as empresas quebram. Agora, refazer uma indústria não é questão de meses, é questão de anos. Para recuperar um mercado exterior, para fazer com que uma demanda externa volte a beneficiar nossos produtos, depois de a termos perdido, são necessários meses, anos - às vezes, inclusive, nunca mais se recupera. Esse é o primeiro problema. Mas o segundo, para mim, é mais grave.

            O segundo é que nós estamos perdendo na concorrência internacional, porque escolhemos, erradamente, concentrar o problema nas finanças em vez de concentrá-lo na estrutura da nossa economia. O problema não é conjuntural, de taxa de câmbio; o problema é estrutural, de como fazer, o que fazer. Esse jornal inglês, Financial Times, colocou bem: não há hoje uma guerra de câmbio; existe uma guerra de produtividade. O problema mais sério do Brasil não é que o real está sobrevalorizado; é que a nossa produtividade está desvalorizada. O que a gente tinha era que incrementar a produtividade do nosso trabalhador, das nossas indústrias.

            Mas o jornal esquece uma coisa, Senador Mozarildo: ele fala em produtividade como se a gente fosse continuar produzindo o mesmo número de hoje. Mais importante do que a produtividade, do ponto de vista de amplitude, é a competitividade. Até recentemente, quando os produtos do mundo eram os mesmos, sempre as mesmas coisas, competitividade era sinônimo de produtividade. Mas, com o surgimento do mercado dinâmico, em que, a cada dia, novos produtos surgem e a demanda, a cada dia, muda para novos produtos, competitividade deixou de ser o mesmo que produtividade. Competitividade é a soma de duas coisas: produtividade - fabricar cada vez mais a menor preço - e criatividade, inventar, a cada dia, novos produtos.

            A guerra, hoje, não é de câmbio, como diz o jornal, mas também não é apenas de produtividade, como diz o jornal. A guerra, hoje, é de competitividade: quem consegue competir melhor, no mercado internacional, graças a dois fatores, a produtividade e a criatividade.

            E nós estamos fracassando nos dois. Para se ter uma ideia, no que se refere à produtividade, nós últimos 20 anos, Senador Mozarildo, a Coreia do Sul aumentou em 60% a sua produtividade. Um trabalhador que fazia algo no valor de 100, hoje faz no valor de 160. A China cresceu, nesses 20 anos, sua produtividade em 50%. Um trabalhador que produzia 10, hoje produz 150. E, no Brasil, ficou estagnada a nossa produtividade nos últimos 20 anos. Não crescemos a nossa produtividade. E esse é um problema dramático para uma economia que quer estar presente no mundo, mas não é só isso. Não é apenas produzir o mesmo por trabalhador, é produzir as mesmas coisas na economia. A China e a Coreia, ao mesmo tempo em que cresceram na produtividade, cresceram na criatividade. Eles inventaram produtos novos a cada dia e, com isso, eles ganham a demanda a cada dia no mercado internacional.

            O Brasil está parado na produtividade e não tem quase nada na criatividade. Alguns dizem: “Mas o povo brasileiro é muito criativo”. E é verdade, mas é criativo para dar jeito nos problemas que chegam às suas mãos. Não há possibilidade de ser criativo na tecnologia, na ciência, sem saber ciência e tecnologia. Criatividade não é a mesma coisa que dar jeitinho. Quando a gente pensa em criatividade na indústria, a gente não está falando na maneira de fazer as coisas ao redor da gente. É a criatividade que exige autoconhecimento, e não apenas habilidade. O “jeitinho” precisa de habilidade; a criatividade de novos produtos exige muito, muito conhecimento.

            Por isso, e o jornal não fala, a nossa guerra, na verdade, está na educação, porque é a educação que gera a ciência e a tecnologia capazes de elevar a produtividade. É a educação que gera ciência e tecnologia capazes de trazer criatividade para a nossa economia. Mas nós não estamos fazendo este serviço nem este trabalho nem este dever de casa: de fazer com que o Brasil seja um país de conhecimento.

            Nós não temos um sistema nacional de conhecimento. Um sistema nacional do conhecimento, que exige o envolvimento das universidades, centros e institutos de pesquisa, trabalhando junto com o setor industrial, que exige a participação do Sistema S e que, sobretudo, exige a solução do problema que estrangula a educação de base no Brasil.

            Ao ler aquele artigo do Financial Times, eu caio numa coisa bem na ponta de tudo: o piso salarial do professor. Esse jornal inglês não deve nem saber que a gente está hoje com o problema de governos que não pagam o que a lei determina: o piso salarial do professor. Eles nem sabem disso, mas nós sabemos - nós sabemos!

            Não vai haver uma economia dinâmica no futuro, com produtividade e criatividade, se não tivermos, hoje, um sistema nacional de conhecimento e não tivermos, suportando esse sistema, os pilares dele: uma economia e uma educação de qualidade. E não vamos ter isso sem o professor ganhando decentemente. O primeiro passo da decência é o piso salarial. E os governos estão dizendo que não podem pagar. Então, eles estão dizendo que a economia do Brasil não tem futuro. Eles estão dizendo que nós não vamos ter produtividade, que não vamos ter criatividade.

            Não se deve recusar de vez o argumento de um governador e de um prefeito. É preciso analisar os argumentos deles ao dizerem que não podem pagar, porque é claro que nós sabemos que todos querem pagar bem aos professores. Mas, como fazer para pagar em vez de como fazer para não pagar?

            O que está errado hoje nos prefeitos e nos governadores é que eles se dedicam a dizer que não podem pagar e querem saber como é que fazem para não pagar. Eles deveriam estar trabalhando para saber como pagar. E eu dou algumas ideias de como pagar.

            Prefeitos e governadores, talvez, não perceberam que o grande aumento no piso salarial do professor - de 22% - decorreu do aumento, em 22%, do custo per capita do aluno com o Fundo de Desenvolvimento da Educação de Base (Fundeb). É assim que é calculado o custo/aluno: pega-se a soma do Fundo de Desenvolvimento da Educação de Base e divide-se pelo número de alunos. Assim se chega ao indicador. Esse é o valor que se transfere, com base no Fundeb, para cada um dos 50 milhões de alunos no Brasil. Ora, como toda fração, ela é resultado de um numerador e de um denominador. O numerador é o fundo; o denominador é o número de alunos.

            Srs. Prefeitos, Srs. Governadores, se vocês aumentarem o número de alunos, cai o valor do aumento, a taxa de aumento do custo per capita de alunos. E se caísse de 22%, vamos dizer, para 15%, vocês teriam que aumentar o salário dos professores em 15%, e não em 22%.

            Lamentavelmente, não estão entendendo assim, e o que a gente vê nas estatísticas é que o número de alunos tem diminuído ao invés de aumentar. Alguns dizem: mas é porque temos menos crianças no Brasil, hoje, por um efeito demográfico. Mas temos uma multidão de jovens querendo beneficiar-se do chamado EJA - Educação de Jovens e Adultos. E, quando você põe um jovem ou um adulto na escola, o aumento que você vai ter que dar, depois, no salário do seu professor diminui.

            Aumentem o número de alunos no programa Educação de Jovens e Adultos que vocês vão ver que a contabilidade de vocês não vai piorar, até porque não precisará aumentar muito ou quase nada o número dos professores. Procurem essa solução. Não vai ser bom para o que a gente quer, que é aumentar significativamente o valor dos salários dos professores, mas, pelo menos, no momento de crise que vocês vivem, Prefeitos e Governadores, vocês conseguiriam certo alívio.

            Segundo, eu queria chamar atenção para essa proposta.

            Senador Alvaro Dias, no caso do Paraná, seria importante, porque o Paraná é um Estado que se sacrificou muito por causa da Lei Kandir. Não é verdade? A Lei Kandir rouba dinheiro do Estado. Por que a gente não coloca uma DRU “do bem”, no sentido de que, para cada R$100,00 que a Lei Kandir rouba do Estado, pelo menos R$20,00 ele devolve para a educação? Reduzir a taxa da Lei Kandir, desde que o diferencial vá direto para o Fundeb, e o Fundeb transfira para pagar o salário dos professores. É uma espécie de DRU, mas só que uma DRU “do bem”, Senador Mozarildo. Em vez de chupar, como a DRU fazia, a gente sopra 20% do que a Lei Kandir rouba, toma.

            Uma outra maneira, que é uma ideia do Senador Perrella, do PDT, um empresário grande de Minas Gerais - eu faço questão de dizer para que fique isenta a minha proposta: é no sentido de que a gente busque uma colaboração das grandes empresas deste País para com a União, com os Estados e com os Municípios, para que pelo menos R$1.451,00 cada professor brasileiro possa receber. Ele sugere uma espécie de contribuição das grandes empresas, provisoriamente, até resolvermos essa crise, para que esse dinheiro vá para o piso salarial do professor. Proposta de um grande empresário.

            Antes de dizer mais propostas, passo a palavra ao Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Serei bem rápido, Senador Cristovam, para não tomar o tempo de V. Exª, apenas para cumprimentá-lo e dizer que, quando V. Exª se refere a recursos de Estados, de Municípios, da Lei Kandir, nós nos lembramos da importância de debatermos o pacto federativo. E o Presidente Sarney acaba de anunciar a constituição de uma comissão de especialistas para essa discussão. Acho que é uma medida de muita importância. É necessária e oportuna! Nós já estamos atrasados. Há um desequilíbrio brutal. É por isso que Estados e Municípios alegam que não podem cumprir o piso salarial do magistério. Veja como é grave a situação. As Unidades federativas estão sufocadas em razão da concentração dos recursos nos cofres da União. E V. Exª diz bem: educação deve ser prioridade absoluta. E a discussão do pacto certamente envolverá essas questões narradas por V. Exª. O desequilíbrio do sistema federativo, que é uma afronta ao principio da isonomia, sufocando Estados e Municípios - mais alguns que outros -, é o grande desafio para uma administração moderna na República. Neste presidencialismo forte, quem deve liderar o processo é a Presidência da República. Por isso, parabéns a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu agradeço, Senador, e este é um assunto que eu gostaria de ver ser debatido aqui, porque a reforma - e está aqui o Senador Taques, que é um dos defensores -, a retomada do pacto federativo não pode ser contra o Brasil. Não adianta a gente fazer um pacto entre os Estados que não seja a favor do conjunto do Brasil.

            Suponhamos que não haja mais nenhum imposto federal e que até o salário dos Senadores sejam pagos pelo seu respectivo Estado. Mato Grosso paga o seu; o Distrito Federal paga o meu. Não funciona esse pacto federativo.

            Por isso, eu digo: se os Senadores e Deputados recebem salário da União, por que professores não recebem também? Por que a gente não cria uma carreira federal do magistério? Isso resolveria o problema dos Estados e Municípios sem precisar jogar para eles o problema.

            Há duas maneiras de resolver o problema, Senador Taques. Uma é dizer: cada prefeito e cada governador têm um problema. Então, vamos dar mais dinheiro a prefeitos e governadores. A outra é dizer: vamos resolver o problema deles trazendo para cá para nós, trazendo para a União. E esse é muito mais eficiente no caso da educação, porque isso gera o equilíbrio. Se nós deixarmos que cada Estado fique com os impostos e pague o salário que puder, a gente sabe que, com a desigualdade que há no Brasil, nós vamos ter salários muito diferenciados do professor de um Estado para outro Estado e ainda mais de um Município para outro Município.

            Então, o pacto federativo deve ter algumas coisas de todos e não dos Estados. O Brasil deve ser maior que a soma dos Estados. Se nós fizermos o Brasil igual à soma dos Estados, nós vamos ter um Brasil menor do que se fizermos o Brasil como ele deve ser.

            E educação é o principal no sentido de unificar o salário dos professores. Não há outra solução a não ser fazer com que haja, no Brasil, uma carreira nacional do magistério, como já existe para as universidades, para as escolas técnicas, para os institutos de aplicação, para os colégios militares, para o Colégio Pedro II. Por que não há para todas as escolas? Isso resolveria o problema do piso salarial.

            Mas, resumindo, eu tenho mais duas sugestões. Além de aumentar o número de alunos para que reduza a taxa de aumento do valor do aluno, além de criar essa espécie de DRU “do bem” na Lei Kandir, além de buscar a contribuição das grandes empresas, conforme sugere o empresário Senador Perrella, eu sugiro que a gente faça um esforço para reduzir os custos com as câmaras de vereadores, com as assembleias legislativas e com este Congresso também. Eu nem vou falar de redução dos salários dos vereadores, dos Deputados, dos Senadores, mas o custo total ser reduzido. Essa redução, em percentagem que não seria elevada, que não criaria problemas para o funcionamento do Poder Legislativo, daria para pagar uma boa parte do custo adicional do piso salarial que a gente estima em R$4 bilhões.

            Finalmente, a transferência das escolas para a União. O governador ou o prefeito que não tiver condições de pagar o piso entregue as escolas para que a União as adote. Quando um banco entra em crise, o Governo Federal adota aquele banco. Por que, quando uma escola entra em crise, o Governo Federal não a adota? Com isso, poderíamos ter, sem dúvida alguma, a solução vergonhosa de um país que é a sexta economia do mundo e não paga um piso de R$1.451,00.

            E poderíamos deixar claro a esses jornais, como a esse jornal inglês, que, de fato, a guerra não é cambial; a guerra é de muito mais do que isso, é de produtividade, como ele diz. Mas nem só de produtividade, como ele diz, pois também é de competitividade, e competitividade exige produtividade e criatividade, o que exige um sistema nacional de conhecimento, que começa numa escola boa, de qualidade, igual para todas as nossas crianças.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar, sem colocar a última sugestão: que os sindicatos entrem, sim, no Ministério Público pedindo medidas contra os governadores e os prefeitos, que, em último caso, podem ser levados até ao impeachment, porque quem não cumpre a lei sendo governador ou prefeito não tem condições de continuar prefeito ou governador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2012 - Página 7249