Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 19/03/2012
Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários acerca das diversas denúncias de corrupção no sistema de saúde pública do Estado de Roraima; e outro assunto.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.:
- Comentários acerca das diversas denúncias de corrupção no sistema de saúde pública do Estado de Roraima; e outro assunto.
- Aparteantes
- Eduardo Braga.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/03/2012 - Página 7320
- Assunto
- Outros > SAUDE.
- Indexação
-
- COMENTARIO, NOTICIARIO, PROGRAMA, TELEVISÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, SETOR, SAUDE PUBLICA, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CRIAÇÃO, PROJETO, OBJETIVO, MELHORAMENTO, FISCALIZAÇÃO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, AREA, SAUDE.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Pedro Taques, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, hoje pela manhã, tivemos uma sessão solene de homenagem à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil pela Campanha da Fraternidade que, neste ano, tem por base Fraternidade e Saúde Pública.
Eu falei nessa sessão e eu tinha me preparado para falar agora, à tarde, sobre um tema muito focado no meu Estado, que é a importação de combustíveis da Venezuela para o abastecimento do meu Estado. É um absurdo ver que o meu Estado paga a gasolina mais cara do Brasil - gasolina, diesel, tudo.
Do outro lado, a 200 quilômetros da capital, Boa Vista, temos uma gasolina e um diesel a preço simbólico, comparado com o do Brasil. Tanto o ex-Governador Neudo Campos, como o ex-Governador Ottomar Pinto já tinham negociado com a Venezuela a importação desses combustíveis. Mas não vou abordar esse tema hoje - vou deixá-lo para amanhã -, porque, diante da reportagem de ontem do Fantástico, em que se mostrou para todo o Brasil a sistemática da corrupção na área da saúde, eu não poderia, como médico, deixar de abordar esse tema aqui nesta sessão.
Tenho feito já vários pronunciamentos mostrando a corrupção desenfreada na área de saúde no Brasil todo. A CGU, que é Controladoria-Geral da União, em recente documento, disse que, apenas nos últimos cinco anos, tinham sido desviados, isto é, roubados, da Fundação Nacional de Saúde R$500 milhões.
No meu Estado, em operação recente da Polícia Federal, fruto de um trabalho de investigação feito pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual, foram presos alguns funcionários da Secretaria de Saúde. Num levantamento preliminar, observou-se que havia uma corrupção, um roubo de cerca de R$30 milhões, fruto de jogadas entre compra de medicamentos e de material de consumo prestes a vencer, de novas licitações feitas para comprar os mesmos medicamentos e tantas outras “trambicagens” que foram relatadas.
Ontem, a Rede Globo, no Fantástico, mostrou como é o cinismo, a falta de respeito com que se trata o dinheiro do povo, que é para ser aplicado na saúde da população.
Um repórter do Fantástico, passando-se, de acordo com o diretor do hospital, por gestor do hospital, aquele que compra, que negocia as coisas, teve contato com vários empresários, desde aquele que fornecia alimentação ao que fazia coleta do lixo hospitalar, ao que fornecia equipamentos, medicamentos. Um deles chegou a dizer que aquela manobra de acertar as compras, dirigir as compras, mesmo quando havia pregão, era um acordo já feito entre as empresas que atuam no mercado, vamos dizer assim, da saúde, já que uma cobre a outra e dá ao funcionário encarregado de comprar uma propina em montante que varia de 10% até 20%. E um deles inclusive chegou a dizer que poderia pagar em real, em dólar, em euro e até em iene, que é a moeda japonesa, e que o dinheiro ia chegar às mãos dele, o gestor - no caso era o repórter -, de maneira muito tranquila, que nem ia dar para desconfiar que era dinheiro, porque ia chegar em caixas de uísque, em caixas de vinho.
Eu fiquei muito entristecido por ver aquilo. Apesar de entristecido, esse fato reforça o discurso que eu venho fazendo, as denúncias que eu venho fazendo aqui desta tribuna contra essa questão da corrupção na saúde.
Aliás, quando se discutiu neste Senado a prorrogação da CPMF, aquele famigerado imposto que se cobrava de toda pessoa que fazia uma movimentação bancária e também daqueles que não tinham conta bancária, porque o imposto estava embutido no preço do arroz, do feijão que eles compravam, eu disse claramente aqui, como médico, como uma pessoa que já foi secretário de saúde e diretor de hospital, que o que faltava na saúde não era dinheiro; o que faltava na saúde era vergonha na cara, era acabar com a corrupção e com a má administração dos recursos que estão disponíveis para a saúde.
Ontem, o Fantástico mostrou isso com clareza. Enquanto se assiste a filas de pessoas para serem atendidas no ambulatório numa simples consulta, enquanto se veem pessoas internadas nos corredores dos hospitais ou morrendo em UTIs sucateadas, esses elementos estão negociando, como se estivessem comprando banana, o dinheiro da saúde das pessoas.
E olhem, eu tenho também dito isso e ontem - não digo que fiquei feliz - fiz uma constatação de que realmente a pessoa que rouba, qualquer que seja o bem, comete um grande crime. Mas aquele que rouba dinheiro da saúde pública está cometendo um crime hediondo, porque está tirando vida das pessoas; está tirando a oportunidade de as pessoas terem uma consulta, receberem um remédio. E, justamente, quem são essas pessoas? As mais pobres. Não são as mais ricas. As mais ricas pagam hospital particular ou têm grandes planos de saúde. Essas não têm problema. É o dinheiro de todos, principalmente dos mais pobres, que está financiando essa roubalheira.
Então eu propus, inclusive na sessão de hoje pela manhã, que o Presidente do Congresso, Senador Sarney, faça uma grande articulação entre Senado e Câmara e constituamos uma comissão para juntar todas as propostas que estão tramitando nas duas Casas; que, em sintonia com o Poder Executivo, com o Ministério da Saúde e com outros órgãos, inclusive com o próprio Poder Judiciário, façamos imediatamente, de maneira célere, até em homenagem a este ano de 2012, em que a Campanha da Fraternidade fala de Fraternidade e Saúde, a aprovação de uma lei que possa até ser chamada de estatuto da saúde, para poder salvar o Sistema Único de Saúde, porque o SUS, como é popularmente conhecido, é um grande sistema de saúde.
O Brasil é o único país que ousou botar na sua Constituição que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, porque países desenvolvidos - muitos deles - não encaram a saúde como um dever do Estado, e aí é o cidadão que tem, através de planos de saúde e etc., de financiar o seu próprio atendimento. O Brasil revolucionou nessa questão. Revolucionou, e não há uma fiscalização adequada na aplicação, na destinação dos recursos, seja porque existem maus administradores, seja porque existem funcionários ou administradores corruptos e empresários corruptores. Então, é uma gangue só: de um lado, os que vendem e, de outro, os que compram os medicamentos, os equipamentos e até, repito, a alimentação dos hospitais.
Não é possível que possamos continuar vendo isso. No próprio Fantástico de ontem, a Polícia Federal disse que já ia abrir inquérito. Eu acho que tem que haver uma grande força-tarefa, envolvendo o Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos Estaduais, o Tribunal de Contas da União, os Tribunais de Contas dos Estados, a Polícia Federal, para que a gente possa fazer uma vigilância permanente e passar um pente fino na questão da saúde, cuja corrupção vai do Município, passa pelo Estado e chega ao Governo Federal, como no caso da Funasa, que mencionei. E quem está dizendo isso não sou eu. É a própria Controladoria-Geral da União. Então, é muito fundamental que o Senado e a Câmara façam a sua parte, aprovando, rapidamente, uma lei que possa regular, de uma vez por todas, o financiamento e, sobretudo, a fiscalização dos gastos com a saúde pública, com a saúde dos mais pobres.
Agora, isso não exime outras providências. Se, de fato, os órgãos de fiscalização e de investigação deste País funcionarem de maneira voluntariosa, querendo mesmo, nós, com certeza, desbarataremos essas quadrilhas que estão montadas em cada Estado, em cada Município e também no nível federal. É preciso um combate tenaz. É lógico, repito, que corrupção, roubo tem que ser combatido em qualquer esfera, mas, na saúde, é realmente um crime que não sei se só “hediondo” serve para qualificar. Precisamos, de fato...
Há projetos para todos os gostos, Senador Pedro Taques, tanto no Senado quanto na Câmara, para combater isso, mas não existe a vontade política de acelerar um estudo que possa dar, rapidamente, a conclusão e apresentar um projeto que represente o interesse da Nação, porque saúde pública não é uma coisa que esteja, digamos assim, atrelada apenas ao gosto do prefeito, do governador, do Ministro da Saúde ou do Presidente da República. Não. Ela está atrelada ao interesse da população. Repito: como diz a Constituição, é dever do Estado e direito do cidadão.
Como a reportagem saiu ontem no Fantástico, daqui uma semana isso poderá ser esquecido. Não podemos deixar que essa questão seja esquecida. Aquilo que apareceu no Fantástico - usando um linguajar médico, Senador Pedro Taques - foi só uma amostra grátis do que realmente representa a corrupção no setor de saúde no Brasil.
Aproveito a presença do Líder do Governo, Senador Eduardo Braga, para concitar. Sou da base aliada do Governo e quero colaborar para que consigamos, de fato, dar um basta na corrupção na saúde e também no mau gerenciamento dos recursos e da qualidade do atendimento que é prestado à população.
Recentemente, estive em meu Estado, Senador Pedro Taques. Lá a maior parte dos pedidos que recebi foi de familiares de doentes internados que precisavam comprar remédio, gaze, esparadrapo, até bolsa de hemodiálise, porque não havia no hospital. Por que não há no hospital? Será que não deve haver um mínimo de planejamento? É fácil verificar qual a doença de maior incidência, qual procedimento é mais exigido pela população, e planejar a aplicação desses recursos. Mas não existe planejamento, não existe seriedade. O que existe, de fato, é muita corrupção.
Como a Presidente Dilma tem mostrado a firme determinação de acabar com a corrupção em todos os setores da administração pública, espero que ela enfoque as ações nessas questões da saúde pública, em que, repito, a corrupção é imensa.
Confio muito no atual Ministro, homem competente, sério, capaz e que já começou a agir no sentido de coibir essas mazelas na saúde. Se não cuidarmos... aliás, o maior doente neste País é a saúde pública.
Faço esse registro, essa denúncia e vou formalizar, de novo, aos órgãos fiscalizadores e investigativos deste País, em todos os níveis, aproveitando este ano em que a Campanha da Fraternidade foca o problema da saúde pública, para que possamos passar a limpo essa questão.
Ouço, com muito prazer, o Líder Eduardo Braga.
O Sr. Eduardo Braga (Bloco/PMDB - AM) - Senador Mozarildo, eu venho apartear V. Exª porque V. Exª traz à tribuna, efetivamente, um tema que chocou a todos os brasileiros no dia de ontem. Assisti, de forma estupefata, ao trabalho que o programa Fantástico realizou num departamento de compras dentro de um hospital. Isso mostra o quanto é preciso avançar ainda nos nossos órgãos de comando, controle e fiscalização dentro do nosso País. Mas isso também nos dá oportunidade de mostrar, mais uma vez, a firme determinação da Presidenta Dilma no sentido de combater o malfeito neste País. Eu já fui Governador de Estado durante oito anos praticamente, fui Prefeito de Manaus; tenho, portanto, a experiência de quem já administrou o Executivo. É praticamente impossível, quando você lida com seres humanos, que não haja mazelas e malfeitos. O que não pode acontecer é conivência e omissão por quem determina e por quem controla as ações. Eu posso assegurar a V. Exª que o Governo da Presidenta Dilma tem exatamente este comportamento de identificar o malfeito, combater o malfeito, melhorar as normas, os procedimentos e os controles, isso com absoluta transparência para mostrar ao povo brasileiro que o Brasil, efetivamente, se encontra em transformação econômica, em transformação social, em transformação de políticas sociais e de políticas públicas e, também, em transformação com relação à fiscalização e controle. Portanto, eu quero dizer a V. Exª que estou absolutamente chocado, como V. Exª, pelas cenas fortíssimas, os depoimentos fortíssimos que assistimos ontem pela TV Globo. Tenho certeza de que, no que cabe ao Governo Federal, as instâncias apropriadas, as instâncias devidas estão, neste momento, tomando sérias e graves decisões no sentido de que isso possa ser, mais uma vez, combatido com a firmeza com que a Presidenta vem combatendo todo e qualquer malfeito que seja denunciado no Governo. Portanto, aparteei apenas para corroborar a declaração de V. Exª, a indignação de V. Exª, porque é uma indignação de todos nós, de todos nós que queremos um Brasil cada vez mais justo, com mais oportunidades iguais, que tenha equidade no atendimento à saúde, um Brasil em que todos possam ter um tratamento de saúde digno para a sua família, para os seus filhos. Portanto, quero dizer a V. Exª que essa indignação que o traz à tribuna hoje é também compartilhada por todos aqueles que querem ver o Brasil se preparando para o futuro, livre dessas mazelas e dessas más práticas, que não estão apenas lá no departamento de compra de um determinado hospital. Isso é muito mais profundo, e nós estamos com a coragem da Presidenta Dilma enfrentando essa transformação no Brasil
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço muito o aparte de V. Exª Senador Eduardo Braga.
E V. Exª disse que, como administrador, é muito difícil que um Governador, Prefeito, um Secretário de Saúde consiga detectar certos desvios, certas corrupções. Mas se a corrupção for uma exceção, até que dá para a gente pensar, mas se a corrupção for a regra, como tem sido no sistema de saúde, não dá para aceitar. Mas eu confio, como disse antes do aparte de V. Exª e agora corroborado pelo aparte de V. Exª, em que a Presidenta Dilma vai tomar as providências porque é chegada a hora de fazer um saneamento no setor de saúde, uma verdadeira cura do sistema de saúde porque, senão, nós teremos a saúde daqui a pouco - daqui a pouco não - já está na UTI, e talvez tenhamos a saúde pública do Brasil, se continuar do jeito que está, indo a óbito, morrendo, porque moribundo ela já está.
Então eu quero encerrar Senador Pedro Taques, agradecendo o tempo que V. Exª me dá adicionalmente, mas finalizando dizendo isto: espero que o Ministro da Saúde, que é o responsável pelo setor, mas também os outros órgãos, o Ministério da Justiça através da Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União não deixem esse assunto morrer. Vou encerrar dizendo: o que foi mostrado ontem foi apenas uma amostra grátis da grande bandalheira que se pratica nesse País, no setor da saúde pública. Muito obrigado.