Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a reportagem mostrada pelo programa “Fantástico” da Rede Globo de Televisão sobre corrupção em licitações na área da saúde.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários sobre a reportagem mostrada pelo programa “Fantástico” da Rede Globo de Televisão sobre corrupção em licitações na área da saúde.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2012 - Página 7779
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, MATERIA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, SAUDE PUBLICA, RELAÇÃO, CONTRATAÇÃO, EMPRESA, AUSENCIA, QUALIDADE, DESVIO, RECURSOS FINANCEIROS, RESULTADO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, SUGESTÃO, ORADOR, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, LICITAÇÃO, ORGÃO PUBLICO.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmª Srª Presidenta, Senadora Marta Suplicy, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o Brasil inteiro acompanhou, no domingo, uma reportagem da TV Globo, que, em contato com a direção de um hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro, veio mostrar ao País quais são as regras do mercado.

            Diziam as pessoas que estavam ali fraudando a licitação: “é uma regra do mercado, que estabelece um percentual, isso faz parte”. Diziam como se fosse natural.

            Essa denúncia do Fantástico demonstrou claramente que a corrupção tem dois lados. De um lado, os agentes públicos; de outro, as empresas fornecedoras.

            A licitação armada - evidentemente que era uma falsa licitação - foi feita exatamente para detectar até que ponto as empresas fornecedoras estão comprometidas com esse comportamento desonesto, generalizado no nosso País.

            Nós, no meu gabinete, levantamos os contratos das três empresas: a Toesa, a Bela Vista, a Rufollo, com órgãos públicos do Rio de Janeiro e do Governo Federal. No Governo Federal, como nós vimos, trata-se do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

            Essas empresas, juntas, de 2003 a 2010, receberam - os contratos estão acima destes valores - de vários contratantes, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, do Governo Federal, R$177 milhões. Se calcularmos 20% de propina, como dizia um dos empresários que estava lá negociando com um pseudoagente do hospital, do chefe da comissão de licitação do hospital, a ordem de valor dessas propinas alcança R$35 milhões, dinheiro suficiente para construir uma unidade hospitalar em sete anos. E pensar que essas empresas, juntas, são detentoras de centenas de contratos.

            Nós investigamos apenas no Rio de Janeiro, mas se sabe que elas também têm contratos com a prefeitura do Rio de Janeiro. Enfim, são empresas que têm seus tentáculos espalhados e, certamente, com o mesmo comportamento, com a mesma regra do mercado, a da propinagem. Essa é a regra do mercado. E não se pode alegar o desvio de conduta dos indivíduos. Esse é um sistema que está organizado para isto, para fraudar o contribuinte, para fraudar e desviar somas fantásticas de recursos no País inteiro.

            Eu gostaria de fazer uma observação. O Estado republicano brasileiro foi organizado por poucos, até porque a conquista pelos direitos políticos foi muito lenta no nosso País. A proclamação da República se deu em 1889, e a primeira Constituição republicana, em 1891. E um dispositivo dessa primeira Constituição republicana proibiu o voto aos analfabetos e às mulheres. Ora, o Brasil, no final do século XIX, teria, no mínimo, 95%, 96% de analfabetos. Portanto, eram poucos aqueles que exerciam o direito do voto até 1985, quando foi garantido o direito do voto ao analfabeto, e 1932, quando as mulheres passaram a votar. Era um grupo muito reduzido que fazia as leis no País, que organizou a República, e, portanto, dos recursos arrecadados de todos não eram prestadas contas, e não havia nenhuma transparência no gasto desses recursos.

            Nós tivemos longos períodos de ditadura, completamente fechados, sem qualquer tipo de informação, até a reconquista da democracia, a partir de 1985, e uma luta incessante para abrir as contas públicas e torná-las transparentes diante dos contribuintes, diante dos cidadãos e cidadãs que pagam impostos. E houve uma evolução grande nesse sentido. A informação passou, de fato, a ser veiculada pelos portais de transparência. Claro, foi uma luta difícil e levou anos.

            Faço questão de esclarecer aqui que o hospital onde foi montada essa falsa licitação é um hospital público, que pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro, que é mantida pelo Ministério da Educação.

            Eu entrei aqui no Portal da Transparência para pesquisar algumas despesas dessa unidade hospitalar e encontrei, em detalhes, todos os gastos que vou mostrar daqui a pouco. Mas eu gostaria de fazer uma referência. Nessa cruzada pela transparência no Brasil, nós tivemos um momento importante com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que começou a estabelecer regras de finanças e tornar públicos os balancetes, obrigar as prestações de contas.

            Em 2000, nós tivemos a Lei de Responsabilidade Fiscal e, em 2009, a Lei Complementar 131, a Lei da Transparência, que complementou a Lei de Responsabilidade Fiscal e tornou obrigatória a exposição, em tempo real, de todas as despesas públicas detalhadas na Internet.

            E é isso que a gente pode ver nessa unidade hospitalar do Rio de Janeiro, no Hospital Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira. Todas as despesas ali estão absolutamente às claras, transparentes. Eu vou ler aqui para que todos possam acompanhar.

            Eu entrei aqui no Portal da Transparência e pude observar que esse Instituto de Puericultura adquiriu da empresa Expresso 772 Atacadista, Varejista e Representações Ltda. uma compra de R$1.254,00. Mas o importante é observar o nível de detalhes que a gente pode encontrar hoje nas despesas públicas. A compra de material de cozinha - saco, material plástico, tipo uso geral, cor transparente, aplicação acondicionamento de objetos variados, altura 75 cm, largura 50 cm, espessura 0,15mm. Não há erro, está tudo aqui especificado. Não tem como se enganar.

            Numa compra mais lá na frente do mesmo hospital: ervilha em lata, 200 g, com preço de R$1,15 cada lata. Enfim, está absolutamente detalhado. Qualquer dona de casa, qualquer cidadão pode entrar no Portal da Transparência desse hospital e constatar que não há nada escondido. No entanto, há um porém, e esse porém está no processo licitatório. Está claro que, na compra de material de consumo, na compra de equipamento, não há como escapar do Portal da Transparência. A lei obriga desde 2010. No dia 26 de maio de 2010, o Governo Federal abriu uma janela no seu espaço de transparência para efetivar a Lei Complementar nº 131. E a transparência dos gastos do Governo Federal é absolutamente clara, rica em informações, como nós estamos vendo aqui.

            Vou citar mais um caso aqui, para mostrar o quanto são detalhadas as informações que nós podemos encontrar na Internet. Aqui, o hospital comprou arroz tipo clássico, longo, fino, tipo subgrupo parboilizado, prazo de validade 12 meses. Enfim, comprou o arroz por R$2,70/kg, num total de R$850 de arroz. Portanto, a gente conhece no detalhe.

            Então, não há problema com a transparência, a transparência está aí. Mas acontece que a sociedade ainda não se apropriou dessas informações.

            É sabido que as instituições públicas estão debaixo de uma enorme desconfiança do cidadão. Há uma descrença, evidenciada em todas as pesquisas de opinião e nos estudos feitos até hoje. Há uma desconfiança das instituições públicas, principalmente aquelas encarregadas de fiscalizar: os Tribunais de Contas, os Legislativos, que têm a função de legislar e fiscalizar. Enfim, há essa enorme desconfiança, portanto é necessário que haja uma mobilização da sociedade para que a própria sociedade passe a pressionar e a exercer um controle maior nos gastos públicos.

            E aí me pergunto: Por onde andam as nossas representações estudantis? Porque isso aqui acontece dentro de uma universidade pública, uma universidade federal. Várias universidades federais são mantenedoras de hospitais, de institutos de pesquisa. E os estudantes precisam se mobilizar, principalmente essa nova geração, que já se criou dentro desse sistema de comunicação eletrônica, que vive nas redes sociais - no Twitter, no Facebook, no Orkut - debatendo, discutindo. É necessário que a sociedade se organize, que os estudantes, que a UNE lidere um grande movimento pela transparência, pelo acompanhamento desses gastos.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Para encerrar, Senador.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Agora, em relação àquilo que eu falo, que é o grave problema das licitações, estou entrando com um projeto de lei aqui no Senado para tornar as licitações publicas, para colocar as licitações publicas diante dos olhos do povo brasileiro. Não é possível permitir aquilo que nós vimos no programa do Fantástico, aqueles acordos em salas escondidas. As paredes não têm transparência nenhuma, e é ali que ocorrem as grandes irregularidades, os crimes contra o Erário público.

            Estou entrando com um projeto de lei, Srª Presidenta, para tornar as comissões de licitações dos entes públicos transparentes, para colocar, primeiro, destacar, reservar um espaço especial para acontecer essas compras...

(Interrupção do som.)

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Para encerrar, Senador, por favor.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Vou encerrar.

            A lei vai prever um espaço reservado, com câmeras, transmitindo direto para a Internet todo o processo licitatório, até a abertura dos envelopes. É um passo a mais na transparência, e vamos tirar da sombra, da escuridão as comissões de licitação dos órgãos públicos, que organizam e terminam se envolvendo e organizando quadrilhas no País todo. O meu Estado não é diferente.

            Eu volto a este tema amanhã, aqui da tribuna do Senado.

            Srª Presidenta, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2012 - Página 7779