Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do transcurso dos 90 anos do PCdoB; e outros assuntos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro do transcurso dos 90 anos do PCdoB; e outros assuntos.
Aparteantes
Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2012 - Página 8226
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, PORTO ALEGRE (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), REGISTRO, ATUAÇÃO, DEFESA, IGUALDADE, BRASILEIROS.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de, no dia de hoje, falar sobre a capital de todos os gaúchos, que é a nossa querida Porto Alegre, que completa, nesta segunda-feira, 240 anos.

            No dia 26 de março de 1772 nascia São Francisco do Porto dos Casais. Logo, depois alterada para Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre.

            Sr. Presidente, no início da década de 1820, véspera da Independência do Brasil, ela ganha o status de cidade e desponta para o cenário nacional como uma das mais importantes.

            Já como Porto alegre começa a receber imigrantes de todo o mundo: portugueses, alemães, italianos, espanhóis, africanos, poloneses, judeus e libaneses, enfim de todas as partes do mundo.

            A capital dos pampas é um mosaico de faces, origens étnicas, religiosas e linguísticas. Hoje possui 1,5 milhão de habitantes, uma cidade cosmopolita e multicultural, onde a troca de experiências contribui para o fortalecimento do reconhecimento político das diferenças.

            Porto Alegre sempre foi assim: uma cidade de espírito democrático, de esquinas democráticas, onde os seus habitantes constroem a sua história e fazem os seus debates políticos.

            Porto Alegre, do pôr-do-sol do Guaíba, da Usina do Gasômetro, do Brique da Redenção, dos domingos de Grenal, do Cruzeiro, do São José, da Feira do Livro, do Mercado Público.

            Porto Alegre do poeta Mário Quintana:

Olho o mapa da cidade

Como quem examinasse

A anatomia de um corpo...

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,

Tanta nuança de paredes,

Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E há uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada

No vento da madrugada,

Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar,

Suave mistério amoroso,

Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...

           Enfim, Porto Alegre de todos nós, de gaúchos, de brasileiros, de estrangeiros.

           Confesso, Sr. Presidente, que um jornal da capital pediu-me para dizer uma referência de Porto Alegre, e eu falei, simplesmente, do mercado público, que é perto do cais do porto. Por quê? Porque, ali naquele mercado público, se encontra de tudo e todos: quem vem do interior, quem está na capital, quem vem conhecer Porto Alegre. Ao mesmo tempo, naquela capital, em frente ao mercado público, foi onde fiz meus primeiros discursos, ainda como sindicalista.

           Lembro, aqui, de Brizola e por que não lembrar Mário Covas, de Ulysses Guimarães, de Lula, de Olívio Dutra? E eu falava ali em nome do movimento sindical gaúcho, porque eu presidia a Central Sindical Unitária, naquele tempo, porque não havia divisão das centrais. Só havia uma central, e eu era o presidente. E estavam todos ali do movimento sindical, e eu falava, nesses eventos, em nome do movimento. Ao lado de Simon, não tem como não lembrar Simon.

           Enfim, tenho uma grande lembrança, muito gostosa, de minha adolescência, vinculada ao mercado público, onde todos se encontram, como eu dizia, independente da classe social. Ali se encontram os mais ricos, os mais pobres, os negros, os brancos, os índios. Enfim, ali, para mim, Porto Alegre se encontra de forma universal.

           Vida longa a Porto Alegre: 240 anos!

           Sr. Presidente, Senadora Vanessa Grazziotin, hoje, um outro companheiro do PT foi indicado para falar em nome de nosso Partido e sei que o fará com enorme competência, mas vou falar agora dos 90 anos do PCdoB, algo que escrevi, não falando apenas de onde surgiu, de onde veio, mas falando daquela forma como conheci o PCdoB.

            Registro, aqui, os 90 anos do PCdoB.

            Ouve-se o grito do nosso povo, dos mais longínquos rincões de nossa Pátria. Os seus soluços, os seus gemidos e os seus clamores, com certeza, ecoavam por todas as partes, por todos os ares, por todos os céus.

            Vinham com as nuvens, com os ventos, no bico dos pássaros, o clamor da liberdade, da justiça e de uma política de igualdade.

            Vinham do bater das árvores nas florestas, das montanhas, dos rios e mares, dos desertos, dos arados parados, das mãos ásperas, da terra parindo um povo pisado, acorrentado, calado, ignorado, desprezado, vilipendiado na sua existência.

            Nos olhos arrancados em Palmares, no gosto amargo das lágrimas dos guaranis, nas cascatas de sangue em Canudos.

            Lembro-me aqui de João Amazonas. Eu, Senadora Vanessa Grazziotin, tive a alegria de me encontrar diversas vezes com João Amazonas lá no Rio Grande. Também conversei inúmeras vezes com Prestes. Encontrei-me com ambos no Rio Grande, eu tive essa alegria - já que eu presidia a única central, era natural que, quando iam ao Rio Grande, solicitassem também uma conversa com aquele peão metalúrgico que presidia a central. Encontrei ambos, ambos encantadores, e faço aqui uma homenagem a ambos.

            Ao lembrar deles, lembro de Zumbi, lembro de Sepé Tiarajú, lembro de Tiradentes e de tantos outros heróis anônimos que lutaram, pelearam, tombaram e morreram, como é natural, mas sempre com o mesmo ideal: liberdade, igualdade e justiça.

             Lima Barreto, o negro e sua pena inquieta, o romancista que ousou o que a vida lhe deu. Louco, louco, louco de sobriedade, de realidade, de sede de liberdade, de justiça, de humanidade, de igualdade.

            Os donos do poder não aceitavam que este povo tivesse dignidade, que fosse feliz, que também tivesse um teto, um prato de comida, um trabalho, que tivesse o ar para respirar. E há a memória de tantas caminhadas, de tantas peleias, umas derrotadas, outras vitoriosas.

            Somos alvos de além-mar, de outras terras, da cobiça estrangeira. Lembro aqui Londres, Berlim, Paris, Nova York, Wall Street, Ford, Amazônia, Madeira Mamoré, seringais, borracha.

            E o grito do nosso povo era gritado, era falado, era cantado, no pampa, no sertão, no cerrado, na caatinga.

            O grito que vem do povo é sinal de revolução, vai até o coração, alcança a alma e navega nas veias de quem acredita em algo melhor.

            Jorge Amado - Senadora Vanessa Grazziotin, vou conceder o aparte a V. Exª depois de concluir essa parte - em 1943, quando estava no exílio, por ser comunista, em Buenos Aires, escreveu O Cavaleiro da Esperança - Vida de Luís Carlos Prestes.

            Para uns, essa obra era ingênua, mas, para o autor, a ingenuidade, não representava um mal maior e, sim, a verdade e o sonho da liberdade.

            Perigoso é o cinismo que vem se transformando em hábito no País. Esse livro nasceu, no meu entendimento, da obstinada crença no futuro desse grande homem, que jamais iremos esquecer: Jorge Amado. Ele escreveu que a falta de patriotismo, de caráter, de moralidade administrativa, o desprezo ao povo, a crapulice política e literária atingia o seu máximo, como o máximo atingia o clamor popular, o seu grito de liberdade e o seu grito de revolta.

            Nesse mesmo momento, como uma resposta a tudo isso, ao desprezo e ao clamor, em 1922, é fundado, no Rio de Janeiro, o Partido Comunista do Brasil.

            Minhas sinceras homenagens ao Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, que está completando 90 anos de luta e glória, sempre em defesa da nossa Pátria, da nossa gente, daquilo que considero ser o nosso horizonte: igualdade de oportunidade para todos, independentemente de cor, credo, gênero e orientação sexual.

            Vida longa ao PCdoB!

            Ouço com alegria a Senadora Vanessa Grazziotin.

            A Srª Vanessa Grazziotin (PCdoB - AM) - Muito obrigada, Senador Paim. Quero cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento e, ao mesmo tempo, agradecer a V. Exª, não em meu nome, mas em nome de uma história toda. Tenho certeza, Senador Paim de que, se Luís Carlos Prestes, com quem infelizmente não tive a oportunidade de conviver ...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - V. Exª é bem mais jovem do que eu. Por ser mais velho, tenho essas vantagens.

            A Srª Vanessa Grazziotin (PCdoB - AM) - Com João Amazonas eu convivi muito. Ele ia muito ao Amazonas orientar o Partido, a direção, os militantes, na luta correta, na boa luta. Tenho certeza de que, se estivessem vivos, ambos, estariam orgulhosos de ver aquele peão, presidente de central sindical, operário, como Senador da República. Não apenas como um Senador, mas como um Senador vigilante, na defesa dos interesses e dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros. Tenho certeza absoluta de que eles teriam um imenso orgulho disso. E quero dizer também que, como V. Exª, reconheço que o papel não apenas que o Partido Comunista cumpriu, mas que cumpre até hoje. Teremos uma sessão logo mais e, como V. Exª, devo falar lá pelo final. É o Partido mais antigo em atividade ininterrupta no Brasil e que viveu a maior parte do seu período de existência sem o direito a um registro legal. Enfim, não houve luta neste País, nos últimos 90 anos, em que o Partido lá não estivesse, por várias gerações. Então, quero dizer que as palavras de V. Exª orgulham muito todos os filiados, todos os militantes deste Partido, que procura ao lado de tantos outros, como o seu Partido dos Trabalhadores, a construção de um novo País, mas não só um País grande rico, mas de uma gente muito rica. É isto que a gente quer, que as pessoas vivam bem e possam ter para si a divisão da riqueza toda que é produzida. Muito obrigada, Senador.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço, Senadora Vanessa Grazziotin. Que o olhar seja efetivamente para as pessoas.

            Sr. Presidente, quero ainda aproveitar o meu tempo para falar um pouco da Comissão da Verdade. Com alegria, esta Casa, o Congresso, recebeu o Projeto nº 7.376, encaminhado pelo Executivo em 20 de maio de 2010, que cria a Comissão da Verdade.

            O objetivo é esclarecer as violações dos direitos humanos praticadas durante a ditadura “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a verdadeira reconciliação nacional".

            É importante salientar aqui o trabalho belíssimo da Ministra Maria do Rosário, como também do nosso ex-Deputado Federal e assessor do Governo Dilma, o José Genuíno, que se empenharam muito na construção desse projeto. O José Genuíno, inclusive, falou comigo diversas vezes, como também falou o Ministro da Justiça.

            Tivemos vários debates sobre o assunto, inclusive em conjunto - e aqui falo mais uma vez do PCdoB - com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que, na época, era presidida pela Deputada Manoela D'Avila.

            A criação da Comissão da Verdade recebeu apoio incondicional do Congresso Nacional e naturalmente das duas Comissões de Direitos Humanos.

            O relator do projeto, na Câmara, foi o Deputado Edinho Araújo, que muito trabalhou para que o projeto fosse aprovado. Aqui no Senado, o relator foi o Senador Aloysio Nunes, que foi perseguido, foi preso político e, hoje, é Senador pelo PSDB, um brilhante Senador sem sombra de dúvida, e que relatou com muita competência.

            Sr. Presidente, no dia 18 de novembro de 2011, a lei que cria a Comissão da Verdade foi sancionada pela Presidenta Dilma, que também foi perseguida, torturada durante a ditadura

            É, sem dúvida, um momento histórico que ficará registrado na memória do nosso País.

            Sr. Presidente, eu não sei se o tempo vai permitir, mas vou trazer aqui uma entrevista bem recente que concedi à revista alemã Tópicos da Sociedade Brasil-Alemanha, em Bonn/Berlim. A entrevista tratou desse tema e eu acabei respondendo, de forma muita tranquila, e resolvi compartilhar com o povo brasileiro o que eu disse que penso em relação à Comissão da Verdade. Primeiro, resolvi compartilhar essa entrevista, porque muitas das perguntas que me foram feitas por esse jornalista alemão, na verdade, me são dirigidas ao gabinete quase que todos os meses e eu creio que esclarece a minha visão sobre a Comissão da Verdade.

            A primeira pergunta que me foi feita é por que a Comissão da Verdade, lei sancionada em novembro de 2011, e até agora não foi constituída: “Quais seriam os motivos da demora, ou seja, a não instalação ainda da Comissão da Verdade?” Respondi: “Vários motivos podem ser especulados para justificar a demora na instituição da Comissão da Verdade:

            Primeiro, como em tese ela terá prazo de dois anos após sua instituição para apresentar o relatório, controla-se a data de divulgação das conclusões no ano eleitoral (2014). Abril, por exemplo, seria o mês provável da instalação dos trabalhos.

            Segundo, esse tempo pode estar servindo de articulação para organizar as regras de como vai funcionar efetivamente a Comissão. A Lei é uma coisa, o dia a dia é outra coisa.

            Terceiro, eu tenho minha visão que esclareci à revista e respondo agora. A escolha dos sete membros da Comissão não foi submetida a procedimento público, o que, para mim, não é bom porque não torna o processo claro e transparente, além de dificultar o processo decisório. Isso contraria o espírito da comissão e pode ser refém de crises, como a gerada recentemente pelos clubes militares.”

            Eles pontuaram que, a partir de março, será criada a Subcomissão Verdade e Justiça na Comissão de Direitos da Câmara, cuja função será assessorar no Legislativo a Comissão de Verdade do Executivo. E a pergunta foi: “O que a Subcomissão vai fazer se a Comissão da Verdade do Executivo não iniciar seus trabalhos até lá?”

            Nesse primeiro momento, a Subcomissão pode atuar no processo de seleção de membros da Comissão, controlar os termos da regulamentação da Comissão, sugerir acordos institucionais que otimizem os trabalhos da Comissão e utilizar sua estrutura para gerar ela mesma o resgate da memória, que não é exclusivo da Comissão aprovada por nós.

            A próxima pergunta veio com uma observação, dizendo que os críticos apontam como uma deficiência da Comissão da Verdade o fato de ela não poder levar a tribunal os violadores de direitos humanos do período em questão.

            E eles me perguntaram como eu vejo essa crítica. Eu expliquei que a função da Comissão não é de julgar nem de indenizar - aí é outro espaço. O papel de julgar é do Judiciário e ele está apto a fazê-lo. Imaginar uma instância administrativa com poder de punir seria contra nossa tradição jurídica e democrática.

            O Judiciário possui o dever de assim atuar pelas regras de Direito Internacional e pelo disposto na sentença da Guerrilha do Araguaia, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

            A Lei de Anistia não deveria ser impedimento para isso. Basta interpretá-la de acordo com o Direito Internacional, como muitos outros países já fizeram. Ou, em outros casos, a Lei de Anistia nem deveria ser considerada relevante, como é a situação dos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, que são crimes permanentes.

            Portanto, eles são cometidos no dia de hoje se não houve a descoberta da verdade sobre o desaparecimento ou dos restos mortais do desaparecido.

            Quanto à Comissão da Verdade, ela pode auxiliar na função punitiva do Judiciário, com dados, testemunhos e provas, documentos.

            Aliás, o art. 3o, V, da lei que a institui, determina que ela deve "colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos". Mais claro impossível.

            A próxima pergunta foi por que o Brasil não seguiu os exemplos da Argentina, do Chile, Peru ou da África do Sul, que deram poderes mais amplos às suas comissões da verdade?

            Argentina, Peru, Chile e África do Sul são exemplos distintos de Comissão de Verdade. A África do Sul versou sobre passado recente de segregação racial e criou sistema de troca da verdade pela anistia, em uma situação social de busca de reconciliação. Nós já temos a anistia, muitos desejam a punição dos autores de tortura e desaparecimento e o negacionismo militar demanda o resgate público da memória. Portanto, a necessidade é por outro modelo.

            O Peru não estava circunscrito por uma lei de anistia. Ao contrário, desejava a punição de suas autoridades recentes, como Fujimori. Esse não é nosso caso, que trabalha com fatos de décadas atrás e que passou por um processo de democratização simbiótico e não de rompimento.

            Já o Chile e a Argentina tiveram suas Comissões da Verdade com poderes mais limitados e, posteriormente, construíram outra realidade, pela posição do Legislativo e do próprio Judiciário. Entretanto, a nossa Comissão da Verdade tem alguns poderes herdados dessas comissões, sim, que são interessantes e destacamos que devem ser explorados ao máximo, como o de nomear autores, fazer audiências públicas, determinar perícias e diligências e colaborar com órgãos públicos para apuração dos crimes.

            Ao me perguntarem o que a Comissão da Verdade brasileira vai fazer então concretamente, e o que acontecerá com os resultados, eu respondi que a comissão tem o papel crucial de construir uma memória coletiva, para todos. Existem casos emblemáticos que precisam ser desvendados. Precisamos apurar o destino dos desaparecidos com afinco, dar voz pública às vítimas e a seus familiares, apurar a participação não só de militares, mas também de civis na manutenção do aparelho repressivo. Sobre os resultados, vale acrescentar que o material irá para o projeto Memórias Reveladas e, igualmente, deve ser remetido ao Ministério Público.

            Sr. Presidente, eles também quiseram saber se há algo que o Brasil poderia aprender da forma como a Alemanha revisou seu passado depois da Segunda Guerra e depois da reunificação em 1989. Eu disse que não há dúvida de que podemos aprender muito com toda a história da humanidade e com a Alemanha, começando por destruir a negação: lá, a do holocausto e, aqui, a da ditadura. Para isso, memoriais, monumentos, material didático, datas comemorativas, nomes de ruas, de praças, de pontes, deveriam ser repensados. A construção da memória na Alemanha é um exemplo a ser discutido.

            Outra questão foi se a Comissão terá os recursos necessários para avaliação. Eu entendo que sim. E vou sintetizar, devido ao meu tempo. Tenho certeza de que a Presidenta Dilma vai assegurar os recursos necessários para que a Comissão da Verdade cumpra o seu papel como manda a própria lei.

            Muito já foi apurado pela Comissão da Anistia e pela de mortos e desaparecidos. Dificilmente, o número de violações conhecido será ampliado de modo significativo.

            Esse dado é importante: até dezembro de 2010, a Comissão de Anistia apreciou 59.163 pedidos, sendo 65% (38.025) deles aprovados. Ainda restam aproximadamente 15 mil pedidos a serem apreciados. A comissão de mortos e desaparecidos concluiu 475 casos.

            A Comissão não deve ser medida pela descoberta de novos casos nem pela quantidade, mas por sua capacidade de desvendar casos emblemáticos; aclarar sistemas de repressão; apontar vínculos com outros países (como a Operação Condor); denunciar a participação de empresas e civis; nomear os autores. Eles ponderam que organizações de defesa dos direitos humanos e parentes e sobreviventes da ditadura queriam que fosse considerado só o período de 1964 a 1988, que teria deixado um saldo de 475 desaparecidos, 50 mil presos, 20 mil vítimas de tortura.

            E por que isso não foi feito? É claro que não há dúvida de que o ideal seria esse período. Mas eu entendo que a Comissão da Verdade vai acabar, de forma natural, se dedicando mais ao período de 1964 a 1988, no meu entendimento. Outros tempos previstos...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - ... na nossa legislação não são simbólicos, a fim de identificar a ditadura militar civil. A Lei da Anistia dispõe sobre o período de 1961 a 1979.

            Enfim, Sr. Presidente, eu termino dizendo que a última questão que me foi feita - eu abreviei algumas aqui -, é o que os brasileiros podem esperar do resultado do trabalho dessa comissão. Respondi que achei a pergunta muito apropriada, porque acredito que a Comissão da Verdade não deve ser feita pensando somente nas vítimas, mas, sim, em todo o povo brasileiro. Como eu disse antes, a comissão tem um papel fundamental: o de construir uma memória coletiva para todos.

            É preciso acabar com esse negacionismo sobre os crimes da ditadura. Devemos repensar os livros, inclusive da história, nesse aspecto. Temos que gerar a cultura da prática democrática e da paz, que não convive com a impunidade e com o esquecimento simplesmente de violações de crimes, seja de guerra ou de golpes militares, como foi o caso do Brasil e o atentado aos direitos humanos.

            Além disso, a comissão deve trabalhar para desvendar casos emblemáticos, como o de Rubens Paiva; apurar o destino dos desaparecidos com afinco; dar voz pública às vítimas e aos seus familiares; apurar a participação não só de militares, mas também de civis e de todos aqueles que, de uma forma ou outra, torturaram a nossa gente. Por exemplo, a participação de empresas durante a ditadura militar, o que todos nós sabemos que também aconteceu.

            Enfim, Sr. Presidente, fico feliz em saber que a Comissão da Verdade, aqui no Brasil, cumprirá o seu papel perante a história.

            Como eu só comentei, Sr. Presidente, queria que V. Exª considerasse na íntegra os meus pronunciamentos.

            Obrigado.

 

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            SEGUEM, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM

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            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a capital de todos os gaúchos, capital do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre -, está completando nesta segunda-feira, 240 anos de fundação.

            No dia 26 de março de 1772 nascia São Francisco do Porto dos Casais. Logo depois alterada para Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre.

            Com a chegada de 60 casais açorianos o aspecto do povoado começa a mudar e ter formas com o surgimento de praças, ruas, sobrados, igrejas.

            No início da década de 1820, véspera da independência do Brasil, ela ganha o status de cidade e desponta para o cenário nacional como uma das mais importantes.

            Já como Porto alegre começa a receber imigrantes de todo o mundo: portugueses, alemães, italianos, espanhóis, africanos, poloneses, judeus e libaneses.

            A capital dos pampas é um mosaico de faces, origens étnicas, religiosas e linguísticas. Hoje possui 1,5 milhão de habitantes uma cidade cosmopolita e multicultural, onde a troca de experiências contribui para o fortalecimento do reconhecimento político das diferenças.

            Porto Alegre sempre foi assim: uma cidade de espírito democrático, de esquinas democráticas, onde os seus habitantes constroem a sua história.

            Porto Alegre do pôr do sol do Guaíba, da Usina do Gasômetro, do Brique da Redenção, dos domingos de Grenal, da Feira do Livro, do Mercado Público, Porto alegre do poeta alegrentense Mário Quintana: Olho o mapa da cidade, como quem examinasse a anatomia de um corpo, e nem que fosse o meu corpo. Sinto uma dor infinita, das ruas de Porto Alegre, onde jamais passarei. Há tanta esquina esquisita, tanta nuança de paredes, Há tanta moça bonita, Nas ruas que não andei, e há uma rua encantada, que nem em olhos sonhei. Quando eu for, um dia desses, Poeira ou folha levada, o vento da madrugada, Serei um pouco do nada, invisível, delicioso, que faz com que o teu ar, pareça mais um olhar, suave mistério amoroso, Cidade de meu andar. Deste já tão longo andar! E talvez de meu repouso...

            Sr. Presidente, quando a imprensa gaúcha me perguntou sobre um ponto de referencia, falei do mercado público, onde fiz meus primeiros comícios.

            Parabéns Porto Alegre, parabéns cidadãos de Porto Alegre, pelos 240 anos de fundação desta maravilhosa cidade, orgulho de todos nós.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvia-se o grito do nosso povo dos mais longínquos rincões da nossa pátria. Os seus soluços, os seus gemidos, os seus clamores ecoavam por todas as partes, por todos os ares, por todos os céus. Vinham com as nuvens, com os ventos, no bico dos pássaros.

            Vinham do bater das árvores nas florestas, das montanhas, dos rios e mares, dos desertos, dos arados parados, das mãos ásperas, da terra parindo um povo pisado, acorrentado, calado, ignorado, desprezado, vilipendiado na sua existência.

            Nos olhos arrancados em Palmares, no gosto amargo das lágrimas dos guaranis, nas cascatas de sangue em Canudos.

            Povo heroico o nosso.

            Teimoso nos seus sonhos e esperanças. Zumbi, Sepé Tiarajú, Tiradentes, anônimos, sem eira nem beira no rastro dos séculos.

            Lima Barreto, o negro e sua pena inquieta, o romancista, que ousou o que a vida lhe deu. Louco, louco. Louco de sobriedade, de realidade, de sede de liberdade, de justiça, de humanidade, de igualdade.

            Os donos do poder não aceitavam que este povo tivesse dignidade, que fossem felizes, que tivessem um teto, um prato de comida, um trabalho, que tenham ar para respirar, que tenham memória.

            Somos alvos de além-mar, de outras terras, da cobiça estrangeira: Londres, Berlim, Paris, Nova Iorque... Wall Street, Ford, Amazônia, Madeira Mamoré, seringais, borracha. 

            E o grito do nosso povo era gritado, era falado, era cantado, no pampa, no sertão, no serrado, na caatinga. O grito que vem do povo é sinal de revolução, vai até o coração, alcança a alma e navega nas veias de quem acredita em algo melhor.

            Jorge Amado, em 1943, quando estava no exílio, em Buenos Aires, escreveu “Vida de Luiz Carlos Prestes - O cavalheiro da esperança”.

            Para uns essa obra era ingênua. Mas para o autor a ingenuidade não representava um mal maior. Perigoso é o cinismo que vem se transformando em hábito no país. Este livro nasce de minha obstinada crença no futuro. 

            E ele escreveu que a falta de patriotismo, de caráter, de moralidade administrativa, o desprezo ao povo, a crapulice política e literária atingia o seu máximo, como o máximo atingia o clamor popular, o seu grito de revolta, e nesse mesmo momento, como uma resposta a tudo isso, ao desprezo e ao clamor, em 1922, é fundado, no Rio de Janeiro, o Partido Comunista do Brasil.

            Sr. Presidente, minhas sinceras homenagens ao Partido Comunista do Brasil, que está completando 90 anos de luta e glória sempre em defesa da nossa pátria, da nossa gente e por aquilo que eu acho que é o nosso horizonte: igualdade de oportunidade para todos, independentemente de cor, credo, gênero e orientação sexual.

            Era o que tinha a dizer.

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabem que a Comissão de Direitos Humanos, da qual sou presidente, levou o tema Comissão da Verdade para ser debatido lá.

            Na ocasião tivemos a presença da Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário.

            Ela falou sobre o Projeto de Lei nº 7376/10, apresentado pelo Executivo em 20 de maio de 2010, que criava a "Comissão da Verdade", cujo objetivo era examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura, abre aspas "a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".

            É importante salientar que a ministra Maria do Rosário tem se empenhado muito para que a verdade seja apurada e a justiça seja feita. Tivemos vários debates sobre o assunto, inclusive em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, presidida, à época, pela Deputada Manoela D’Avila.

            A criação da Comissão da Verdade recebeu apoio incondicional da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.

            O relator do projeto na Câmara foi o Deputado Edinho Araujo que também empenhou-se muito na questão, tal como o relator no Senado, Senador Aluisio Nunes Ferreira.

            Pois bem, no dia 18 de novembro de 2011, a Lei que cria a Comissão da Verdade foi sancionada pela Presidenta Dilma.

            É, sem dúvida, um momento histórico que ficará registrado na memória do Brasil.

            Eu gostaria de entrar um pouco mais no tema Comissão da Verdade e, para isso, vou trazer aqui uma entrevista bem recente que concedi à revista Tópicos da Sociedade Brasil-Alemanha, em Bonn/Berlin.

            Eu acho importante compartilhar essa entrevista, porque muitas das perguntas que me foram feitas, podem estar sendo feitas pela população e, deste modo, os esclarecimentos colaboram.

            Bem, a primeira pergunta que me foi feita é porque a Comissão da Verdade, Lei sancionada em novembro de 2011, até agora não foi constituída? Quais seriam os motivos da demora?

            Vários motivos podem ser especulados para justificar a demora na instituição da Comissão da Verdade. Primeiro, como em tese ela terá prazo de dois anos após sua instituição para apresentar o relatório, controla-se a data de divulgação das conclusões no ano eleitoral (2014). Abril, por exemplo, seria um mês provável para iniciar os trabalhos.

            Segundo, esse tempo pode estar servindo de articulação para tecer regras de regulamentação da Comissão.

            Terceiro, a escolha dos 7 membros da Comissão não foi submetida a procedimento público, o que não torna o processo claro e democrático, além de dificultar o processo decisório. Isso contraria o espírito da Comissão e pode ser refém de crises, como a gerada recentemente pelos clubes militares.

            Então eles pontuaram que a partir de março será criada a Subcomissão Verdade e Justiça, um desmembramento da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, cuja função será assessorar no Legislativo a Comissão da Verdade do Executivo.

            E a pergunta foi: O que a Subcomissão vai fazer se a CV do Executivo não iniciar seus trabalhos até lá?

            Nesse primeiro momento, a Subcomissão pode atuar no processo de seleção de membros da Comissão,controlar os termos da regulamentação da Comissão, sugerir acordos institucionais que otimizem os trabalhos da Comissão e utilizar sua estrutura para gerar ela mesma o resgate da memória, que não é exclusivo da Comissão.

            A próxima pergunta veio com uma observação, dizendo que os críticos apontam como uma deficiência da Comissão da Verdade o fato de ela não poder levar a tribunal os violadores de direitos humanos do período em questão. E eles me perguntaram como eu vejo essa crítica?

            Eu expliquei que a função da Comissão não é de julgar nem de indenizar. O papel de julgar é do Judiciário e ele está apto a fazê-lo. Imaginar uma instância administrativa com poder de punir seria contra nossa tradição jurídica democrática. O Judiciário possui o dever de assim atuar pelas regras de direito internacional e pelo disposto na sentença da Guerrilha do Araguaia, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A lei de anistia não deveria ser um impedimento para isso, basta interpretá-la de acordo com o direito internacional, como muitos outros países já fizeram. Ou, em outros casos, a lei de anistia nem deveria ser considerada relevante, como é a situação dos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, que são crimes permanentes. Portanto, eles são cometidos no dia de hoje, se não houve a descoberta da verdade sobre o desaparecimento ou dos restos mortais do desaparecido.

            Quanto à Comissão da Verdade, ela pode auxiliar na função punitiva do Judiciário, com dados, testemunhos e provas. Aliás, o art. 3º, V, da lei que a institui, determina que ela deve “colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos”. Mais claro impossível.

            A próxima pergunta foi porque o Brasil não seguiu os exemplos da Argentina, do Chile, Peru ou da África do Sul, que deram poderes mais amplos às duas comissões da verdade?

            Argentina, Peru, Chile e África do Sul são exemplos distintos de Comissão de Verdade. A África do Sul versou sobre passado recente de segregação racial e criou sistema de troca da verdade pela anistia, em uma situação social de busca de reconciliação. Nós já temos a anistia, muitos desejam a punição dos autores de tortura e desaparecimento e o negacionismo militar demanda o resgate público da memória. Portanto, a necessidade é por outro modelo.

            O Peru não estava circunscrito por uma lei de anistia; ao contrário, desejava a punição de suas autoridades recentes, como Fujimori. Esse não é nosso caso, que trabalha com fatos de décadas atrás e que passou por um processo de democratização simbiótico e não de rompimento.

            Já o Chile e a Argentina tiveram suas Comissões de Verdade com poderes mais limitados e, posteriormente, construíram outra realidade pela posição do legislativo e do judiciário.

            Entretanto, a nossa Comissão da Verdade tem alguns poderes herdados dessas comissões sim, que são interessantes e devem ser explorados ao máximo, como o de nomear autores, fazer audiências públicas, determinar perícias e diligências e colaborar com órgãos públicos para apuração dos crimes.

            Ao me perguntarem o que a Comissão da Verdade brasileira vai fazer então, concretamente, e o que acontecerá com os resultados, eu disse que:

            A Comissão tem o papel crucial de construir uma memória coletiva, para todos. Existem casos emblemáticos que precisam ser desvendados, precisamos apurar o destino dos desaparecidos com afinco, dar voz pública às vítimas e a seus familiares, apurar a participação não só de militares, mas também de civis na manutenção do aparelho repressivo.

            Sobre os resultados, vale acrescentar que o material irá para o projeto Memórias Reveladas e, igualmente, deve ser remetido ao Ministério Público.

            Eles também quiseram saber se há algo que o Brasil poderia aprender da forma como a Alemanha revisou seu passado depois da Segunda Guerra e depois da Reunificação em 1989?

            Eu disse que não há dúvida que podemos aprender muito com a Alemanha, a começar por destruir a negação: lá, a do holocausto e aqui a da ditadura.

            Para isso, memoriais, monumentos, material didático, datas comemorativas, nomes de ruas, de praças, de pontes, deveriam ser repensados. A construção da memória na Alemanha é um exemplo a ser seguido.

            Outra questão foi se a Comissão terá os recursos necessários para avaliar todos os casos de violação de direitos humanos de 1946 a 1988 e quantos casos se supõe que sejam?

            Muito já foi apurado pela Comissão da Anistia e pela de mortos e desparecidos. Dificilmente, o número de violações conhecido será ampliado de modo significativo.

            Até dezembro de 2010, a Comissão de Anistia apreciou 59.163 pedidos, sendo 65% (38.025) deles aprovados. Ainda restam aproximadamente 15 mil pedidos a serem apreciados. A Comissão de mortos e desaparecidos concluiu 475 casos.

            A Comissão não deve ser medida pela descoberta de novos casos, mas por sua capacidade de desvendar casos emblemáticos, aclarar sistemas de repressão, apontar vínculos com outros países (como a operação condor), denunciar participação de empresas e civis, nomear autores, etc. 

            Eles ponderaram que Organizações de defesa dos direitos humanos e parentes de/e sobreviventes da ditatura militar queriam que fosse considerado só o período de 1964 a 1988, que teria deixado um saldo de 475 desaparecidos, 50 mil presos e 20 mil vítimas de tortura e perguntaram por que não foi feita esta restrição?

            É claro que não há dúvida que o ideal seria que a Comissão estivesse reduzida formalmente aos anos de 1964 a 1988, o que na realidade esperamos que isso ocorra na prática.

            Outros tempos previstos na nossa legislação não são simbólicos, a fim de identificar a ditadura militar/civil. A lei de anistia dispõe sobre período de 1961 a 1979, a Comissão de mortos e desaparecidos de 1961 a 1988 e o regime de anistiado político de 1946 a 1988.

            Justamente esse último período foi o retido, a nosso ver impropriamente, pois o objetivo é outro.

            A dificuldade de assumirmos claramente o período da ditadura militar como um espaço específico de violação institucional e de direitos humanos é evidente.

            Esperamos, contudo, que a Comissão da Verdade não titubeie quanto a isso e se concentre no período de 1964 a 1988 durante seus trabalhos.

            Sr. Presidente, a última questão que me foi feita é o que as vítimas - e o que os brasileiros - podem esperar como resultado dos trabalhos da Comissão?

            Achei a pergunta muito apropriada porque acredito que a Comissão da Verdade não deve ser feita pensando somente nas vítimas, mas em todos brasileiros. Como eu disse antes, a Comissão tem o papel crucial de construir uma memória coletiva, para todos.

            É preciso acabar com esse negacionismo militar sobre os crimes da ditadura. Devemos repensar os livros de história nesse aspecto.

            E gerar a cultura da prática democrática e da paz, que não convive com a impunidade e com o esquecimento de violações graves de direitos humanos cometidas.

            Além disso, a Comissão deve trabalhar para desvendar casos emblemáticos, como o de Rubens Paiva e, repito, apurar o destino dos desaparecidos com afinco, dar voz pública às vítimas e a seus familiares, apurar a participação não só de militares, mas também de civis na manutenção do aparelho repressivo. Por exemplo, a participação de empresas durante a ditadura deve ser revelada.

            Por fim, precisamos produzir documentos que sirvam para a reparação às vítimas, à justiça em sentido amplo e à consciência coletiva.

            Srªs e Srs. Senadores, eu fiquei muito feliz com a oportunidade de responder questões que, como eu disse antes, devem passar também pela mente dos brasileiros.

            Essa foi sempre a intenção da CDH também, manter suas portas sempre abertas para debater questões que possam contribuir para a construção de um País mais justo, mais transparente e mais amadurecido.

            Um país cuja memória não teme o enfrentamento de suas dores, de seus momentos mais obscuros; pelo contrário, sua memória fortalece a convicção de que, ao abrirmos nossos corações para a verdade, estamos prontos para construir um novo caminho.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2012 - Página 8226