Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Ponderações sobre os primeiros 15 meses do Governo da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Aécio Neves (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Aécio Neves da Cunha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Ponderações sobre os primeiros 15 meses do Governo da Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2012 - Página 8512
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GESTÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANO, CRITICA, PROCESSO, CRESCIMENTO, ECONOMIA, PAIS, PERDA, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, COMENTARIO, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, EFICIENCIA, GOVERNO FEDERAL.

            O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Marta Suplicy, Srªs e Srs. Senadores, vencido o período de crédito para a arrumação da casa, a que tem direito todo governante que inicia um mandato, creio, caros colegas, que é hora de começarmos - apenas começarmos - a nos debruçar sobre os saldos e o desempenho do Governo da Presidente Dilma Rousseff.

            Srª Presidente, olhando dessa perspectiva o que aconteceu e, especialmente, o que não aconteceu em 2011, a meu ver, tudo parece fora de lugar.

            O principal é que, à população, vendeu-se a ilusão de nova versão do espetáculo do crescimento, um sem-número de obras faraônicas e a continuidade das benemerências tradicionais do Estado nacional. Vendeu-se, acima de tudo, a imagem de uma gestora implacável e impositiva, que, por si só, seria capaz de tomar, heroicamente, as rédeas do País e de transformar em realidade os tantos sonhos prometidos em vão.

            É a mesma Presidente que, recentemente, nas páginas da revista Veja, navega, impassível e equidistante, em meio às trovoadas e à verdadeira tempestade que se forma à sua volta e que, aos poucos, engolfa e paralisa o seu Governo.

            Para onde quer que se olhe, o cenário é desolador.

            Vejamos o que acontece na economia e no crescimento.

            Na economia, alcançamos o impensável: deixamos de liderar o processo de crescimento da América Latina e, na contramão dos nossos vizinhos, puxamos, Senador Aloysio, o desempenho de todo o continente para baixo.

            Não há outra definição: nossa posição é irreconhecível, à frente apenas da Guatemala e de El Salvador. Na América do Sul - acreditem! -, fomos o País que menos cresceu.

            Só agora, ignorando tantas e reiteradas advertências, o governismo esboça as primeiras e tímidas ainda reações ao gravíssimo processo de desindustrialização em curso no País.

            Vejam o que está acontecendo com a indústria de transformação, que já chegou, como sabem o ex-Senador Zezé Perrela, o ex-Governador e ex-Senador Eduardo Azeredo, a responder por 26% do PIB: esse percentual caiu para 16%, em 2010, e para 14,6%, em 2011.

            Essa é uma das perversas, para não dizer maldita herança que esse Governo do PT deixará para o futuro.

            Não é mais hora de se discutir se há ou não desindustrialização no País - é fato. Voltamos à era pré-JK, aos longínquos anos 50, e isso não pode ser mascarado.

            A perda de competitividade da nossa indústria, como se sabe, é doença antiga, mas se agrava em escala inédita por um conjunto de fatores entrelaçados na atual conjuntura: a valorização do câmbio, o peso dos juros nos financiamentos internos, o alto custo dos insumos, a elevadíssima carga tributária nacional e absoluta ausência de infraestrutura adequada.

            Ainda não se sabe ao certo a motivação de mais uma recente reunião convocada pela Presidente com os líderes empresariais nacionais, para tratar do tema. Se todos conhecem o problema, se já encaminharam inúmeras sugestões e se nada há de novo no front, só um motivo a justificaria: a mesma pirotecnia de sempre com que se pretende ocupar o vazio propositivo e disfarçar a leniência do atual Governo.

            No campo político, uma inédita versão sobre “governo de coalizão”, Senador Jarbas Vasconcelos, tisnou as já frágeis relações políticas e institucionais entre o Legislativo e o Executivo, a expensas da cessão de áreas inteiras da Administração Federal aos partidos.

            Os escândalos se sobrepuseram em recorde de ministros caídos sob grave suspeição, enquanto avançou à luz do dia, sem quaisquer constrangimentos, o gravíssimo aparelhamento partidário da máquina governamental.

            A mão pesada do poder da Presidência baixou sobre cada um dos suspeitos, como se não fosse a mesma mão que antes os nomeara e os conduzira para o Governo.

            Aí descobrimos, Srªs e Srs. Senadores, o inacreditável: havia diversos ministros de Lula e uns poucos de Dilma. Isso é muito cômodo.

            E foi assim que floresceu, em seguida, pelos cantos de página, a estranheza de que a Presidente, na verdade, estaria refém do seu próprio Governo. É como se não tivesse sido a autoridade central nos oito anos da administração anterior. É como se ela não houvesse, de próprio punho, com sua consciência, colocado de pé o atual Governo, com suas incoerências e incongruências irremediáveis.

            De crise em crise e de queda em queda de autoridades, uma parte importante do mandato presidencial simplesmente se esvaiu. Perdeu-se, Srªs e Srs. Senadores, o momento mais propício - de popularidade em alta e de expectativas intactas - para aprovar as medidas necessárias de ajuste e encaminhar reformas que exigiriam alto capital político.

            A esmagadora maioria congressual, montada ao custo que todos conhecemos, a que serviu, senhoras e senhores, nesses últimos 15 meses? Eu respondo: serviu para aprovar um sem-número de medidas provisórias que aqui chegam a cada dia sem o mínimo respeito ao preceito constitucional da relevância e da urgência que deveria orientá-las. Aliás, a falta de respeito ao Congresso, que contou com a reverência obsequiosa de muitos de seus membros, transformou-se em marca registrada das atuais relações entre Executivo e Legislativo.

            E a grande questão que se coloca é: onde estão as grandes iniciativas? Onde estão as reformas constitucionais, tão necessárias ao País? Discutimos, serena e abrangentemente, a recomposição do Pacto Federativo? Reformamos o rito das medidas provisórias? Revisamos os royalties do petróleo e do minério? Renegociamos as dívidas dos governos estaduais? Criamos as melhores alternativas para prover recursos à saúde pública, maior tragédia nacional? Não.

            E, na segurança pública, hoje mesmo, o Ministério da Justiça anuncia o cancelamento do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), anunciado também com grande alarde no final do ano de 2010, exatamente no momento em que recrudesce a violência em várias regiões do País.

            A grande verdade é que, nesses primeiros meses, quando tudo era possível debater e eventualmente aprovar, até mesmo com a parceria dos membros da oposição, sempre responsáveis com as questões de Estado, o que foi feito de fato? Absolutamente nada relevante.

            O Governo perdeu a capacidade de propor, assim como já havia perdido o compromisso com o diálogo democrático. Impõe a Estados e a Municípios cada vez mais obrigações, ignorando as dificuldades por que passam, alheio à crise de governabilidade que já assola vários deles. Determina cortes em áreas vitais ao futuro deste País, como a de pesquisa, ciência e tecnologia, sem qualquer preocupação com o que virá além do prazo do mandato formal.

            E se falarmos em infraestrutura, senhoras e senhores?

            Mas, Senador Mário Couto, como nada é tão ruim que não possa piorar, o crônico imobilismo político transformou-se em inapetência executiva.

            Vejamos a situação do Plano de Aceleração do Crescimento, o tão propalado e propagandeado PAC. Apenas 8% do total de recursos aplicados em 2011 - R$204 bilhões - saíram diretamente do Orçamento da União. Outros recursos referem-se a investimentos rotineiros feitos por empresas públicas que teriam ocorrido com ou sem PAC, referem-se a investimentos feitos pela iniciativa privada e pelos cidadãos que recorrem ao financiamento da casa própria. Sim, Srs. Senadores, até esses financiamentos são contabilizados no PAC. Em 2011, além de o PAC ter tido o mais baixo desempenho de sua história - apenas R$16 bilhões saíram efetivamente do Tesouro Nacional - 37%, ou R$6,9 bilhões, do total referiam-se aos famosos Restos a Pagar de anos anteriores, sobrando quase nada para obras novas.

            Em alguns casos, senhoras e senhores, Senador Mozarildo, o atraso é monumental. Leio que 19 obras estruturantes do País, com orçamento de R$166 bilhões, afastaram-se léguas do cronograma desenhado pelo Governo e serão entregues com pelo menos quatro anos de atraso.

            É essa, senhoras e senhores, a propalada eficiência gerencial do Governo? Não acredito que possa assim ser compreendida. Projetos que o ex-Presidente Lula pretendia e anunciava inaugurar ainda em seu mandato, agora, correm risco de não serem mais concluídos sequer no Governo Dilma.

            Digo isso sem falar na complexa transposição do rio São Francisco, que viu, Senador Aloysio, seu custo passar de R$4,6 bilhões para R$8,2 bilhões, por enquanto.

            Recentemente, um grupo de parlamentares - o Senador Eduardo Azeredo ajudava a chefiar essa delegação - visitou trechos das obras para as quais a Presidência foi aconselhada a não ir. O abandono é regra. Outras visitas ocorrerão.

            Lembro, senhoras e senhores, o simbolismo da ferrovia Transnordestina, que tem, a meu ver, a cara deste Governo. Com cerca de 1,7 mil quilômetros de extensão, foi iniciada com pompa e circunstância em 2006 e deveria ter sido finalizada em 2010. Já alcançamos 2012, o custo de R$4,5 bilhões chegou a R$7 bilhões, e o que se construiu até agora não ultrapassou 10% do percurso previsto.

            E as obras da Copa? Eu não vou aqui cansá-los, repetindo as mesmas críticas que fazia há mais de um ano desta tribuna. Os investimentos em mobilidade urbana engatinham. Se parte das obras nas arenas avançaram - ainda que com alguns problemas - é porque são os governos estaduais que respondem por elas, não o Governo Federal, como alguns querem ou insistem em fazer parecer. Aliás, a multiplicação dos números parece ser, ao final, a maior realização do atual Governo.

            A ausência de planejamento é, sim, a sua mais visível marca. Orçamentos bilionários servem apenas como piso inicial para dispêndios que acabam por se mostrar gigantescamente maiores.

            Nesse caso, inclui-se o inacreditável trem-bala, Senador Aloysio, verdadeira obsessão da atual administração - que V. Exª aqui tem observado permanentemente -, enquanto estradas federais derretem, e ferrovias são abandonadas à própria sorte em todo o País. Em 2008, ele custaria R$20 bilhões e seria licitado em 2009, para circular em 2014. Em julho de 2010, o preço já havia subido para R$33 bilhões, e a inauguração ficara para 2016. O preço final, porém, já não será mais esse. Especula-se que irá custar R$53 bilhões. Agora, depois das tentativas do Governo em licitá-lo, já não há mais datas, prazos ou valores. Anuncia-se que o projeto será divulgado no próximo mês de junho.

            Com muito menos do que isso, Srs. Senadores, todo o problema do transporte de massas nos grandes centros brasileiros estaria resolvido.

            Multiplicam-se números, multiplicam-se promessas impossíveis, a maioria delas, de serem cumpridas.

            Se desanimadores são os resultados verificados nos investimentos na infraestrutura do Brasil, são também igualmente decepcionantes as realizações no campo social, que merecem análise em separado em outra ocasião. E aqui estarei para fazê-la.

            Peço um pouco mais de paciência à Presidente Marta Suplicy, porque volto hoje a esta tribuna para alertar que estamos avançando para o décimo ano do Governo petista, o segundo do Governo Dilma, e, pelo caminho, vão ficando as promessas da campanha eleitoral, reduzidas a resultados medíocres, cujos números a contabilidade cruel dos fatos exibe a cada semana.

            A leitura da entrevista concedida pela Presidente à revista Veja soa tão vazia quanto a realidade das promessas não cumpridas. Nela, encontramos contradições insanáveis, como o desejo de reduzir a carga de impostos.

            Pergunto, Srs. Líderes do Governo: e o compromisso assumido publicamente - e não cumprido - de desonerar as empresas estaduais de saneamento?

            A proposta está aí, em tramitação na Casa, ou melhor, está engavetada pela maioria do Governo.

            Portanto, conectar o discurso à realidade me parece ser o maior desafio que esse Governo terá de enfrentar. Já não basta, senhoras e senhores, mais isso ou reduzir a ação pública à estreita faixa da redução das taxas de juros.

            O País não tem projeto. Responde estritamente às emergências, institucionalizando o regime do improviso.

            Acumulamos um sem-número de medidas paliativas, quando a hora exige reformas profundas, corajosas, estruturais, capazes de remover os entraves ao desenvolvimento.

            Lembro aqui frase da jornalista e minha conterrânea Miriam Leitão: o Governo distribui favores quando deveria trabalhar para melhorar o ambiente favorável ao crescimento.

            Cito, por último, o grande poeta da minha geração, Cazuza, que não nos deixará esquecer: o tempo não para! Se nada for feito rapidamente para desatar os nós políticos e gerenciais que emperram a máquina pública, o Brasil vai perder a maior janela de oportunidades de sua história.

            A grande verdade, Srªs e Srs. Senadores, Líder Alvaro Dias, Presidente Marta Suplicy, Senador Ciro, senhoras e senhores, é que o Governo envelheceu muito rapidamente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2012 - Página 8512