Fala da Presidência durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração aos duzentos anos da Biblioteca Nacional.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração aos duzentos anos da Biblioteca Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2011 - Página 42486
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, PRESENÇA, AUTORIDADE, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BIBLIOTECA, BRASIL, COMENTARIO, HISTORIA, RELEVANCIA, ATUAÇÃO, ENTIDADE, ACESSO, LIVRO, CULTURA, PAIS.

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. Bloco/PMDB - AP. Com revisão do Presidente.) - Antes de encerrar a presente sessão, quero agradecer a presença, em primeiro lugar, dos componentes da Mesa, a começar da Exma Srª Ministra da Cultura, Ana de Hollanda. Quero agradecer também a presença do Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Galeno Amorim; da Diretora da Fundação Biblioteca, D. Mônica Rizzo; da Srª Maria Felisa Moreno Gallego, Diretora Vice-Presidente da Imprensa Oficial; da Diretora da Biblioteca da Universidade de Brasília, Srª Neide Aparecida Gomes; da Diretora da Biblioteca Demonstrativa de Brasília, Srª Maria da Conceição Moreira Salles; da Srª Luciana Breckenfeld, representando também a Câmara do Livro; dos senhores e das senhoras do Corpo Diplomático que aqui se encontram; também da Presidente da Associação dos Bibliotecários do Distrito Federal, a Srª Iza Antunes Araújo. Eu quero agradecer ainda a presença da nossa Diretora-Geral do Senado Federal, Doris Marize Romariz Peixoto; do Presidente da Câmara Mineira do Livro, Zulmar Wernke; do Diretor do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, Sr. Adolfo Furtado; da Diretora da Biblioteca da Câmara dos Deputados, D. Patrícia Milani; da Gerente de Projetos, representando a Organização dos Estados Americanos - OEA -, Srª Telma Teixeira; e da Diretora de Educação e Comunicação da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Srª Juana Nunes Pereira.

            Verificamos que as mulheres presentes são as maiores amigas do livro que nós temos no Brasil.

            Esta sessão, sem dúvida alguma, era um dever do Senado Federal, dever em nome do nosso País, dever em nome do Senado Federal representante da Federação e do povo brasileiro, e dever que nós temos com a cultura brasileira, da qual um dos pontos de referência é, sem dúvida, a Biblioteca Nacional.

            A vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, fugida dos exércitos napoleônicos, transformou o País e acabou nos levando à independência. E, no meio da bagagem desordenada que veio nos anos seguintes, trouxe-nos um tesouro: a Biblioteca Real. Foram três cargas, uma em 1810 e duas em 1811, com os sessenta mil volumes que formavam a Real Biblioteca da Ajuda.

            Em busca de um lugar para armazenar o precioso acervo, o Príncipe Regente D. João ordenou, em 29 de outubro de 1810, se acomodasse, onde haviam sido as catacumbas do Convento do Carmo, “minha Real Biblioteca e instrumentos de física e matemática, fazendo-se à custa da Real Fazenda toda a despesa conducente ao arranjamento e manutenção do referido estabelecimento”. Esta data é considerada a da fundação da Biblioteca Nacional, que portanto está terminando o ano de seu bicentenário.

            Real Livraria, Livraria Real, Livraria Régia, Real Biblioteca, Biblioteca Real eram todos nomes usados pela extraordinária coleção que viera sendo juntada ao longo da história de Portugal, desde D. João II, o dos versos de Pessoa, que respondiam ao mostrengo que queria vedar o fim do mar aos portugueses: “Manda a vontade, que me ata ao leme / De El Rey D. João Segundo.” O rei reunira os livros de D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. Manuel. Mas o grande impulsionador da Biblioteca Real fora D. João V, que, na primeira metade do século das luzes, comprara bibliotecas inteiras no estrangeiro.

            Mas, no começo do reino de seu sucessor, D. José I, em 1755, aconteceu o famoso terremoto de Lisboa. Grande parte da Biblioteca Real se perdeu. Cabe ao restaurador da cidade, o Marquês de Pombal, promover a formação de uma nova Biblioteca, depositada no Palácio da Ajuda, comprando coleções sobreviventes ao desastre e estabelecendo uma espécie de depósito compulsório, chamada curiosamente de “propina”. O principal acervo foi o do Abade Diogo Barbosa Machado. Depois continuaram a ser juntadas livrarias privadas à Biblioteca Real, inclusive a do Colégio de Todos os Santos, que os jesuítas -- cuja sociedade havia sido dissolvida por Pombal -- mantinham na Ilha de São Miguel, nos Açores.

            No começo do século XIX a Biblioteca Real contava com mais de cem incunábulos -- livros impressos no século XV --, entre eles dois exemplares da Bíblia de Mogúncia, de 1462, feita por Fust e Schoeffer, ex-sócios de Gutenberg, entre muitas edições raras, mapas e gravuras. Foi a coleção que veio para o Brasil, como já disse, em 1810 e 1811, num total de 317 caixas.

            Embora houvesse a ordem para instalar a Biblioteca nas catacumbas do Convento do Carmo, ela não foi cumprida e ficou no antigo hospital do Convento, estendendo-se do andar superior, onde começara a se instalar, ao térreo, conforme aviso régio.

            A Biblioteca Real não pararia mais de crescer. Ainda em 1811 receberia uma importante coleção, a de frei José Mariano da Conceição Veloso. Em 1812 o Príncipe Regente determinava a vinda dos livros impressos na Oficina Régia. Em 1815 era a vez da coleção de Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Em 1818 a do arquiteto José da Costa e Silva. Voltaram a ser praticadas as “propinas”.

            Em 1858, a Biblioteca Nacional foi transferida para a Rua do Passeio, também chamada, naquele trecho, de Largo da Lapa. É o que está registrado no Guia do Rio de Janeiro para viajantes, de 1884, acrescentando que fora adquirida do governo português por 400 contos de réis -- na realidade foram 800 contos --, e que tinha cerca de 200 mil volumes.

            Em 1905 o governo Rodrigues Alves determinou a construção de novo prédio na Avenida Rio Branco. Para ali se mudou a sede no centenário da Biblioteca Nacional, 29 de outubro de 1910.

            Estamos encerrando as comemorações de seu bicentenário com uma réplica da grande exposição realizada pela própria Biblioteca Nacional de 3 de setembro de 2010 a 25 de fevereiro deste ano. Infelizmente não foi possível, como desejávamos, trazer do Rio de Janeiro importantes originais. Mas, ao mesmo tempo que homenageamos a Biblioteca Nacional, damos, com a reprodução virtual de algumas obras, reproduções fac-similares e obras de nossa coleção que correspondem às expostas na exposição original, a oportunidade ao público de Brasília de conhecer esta extraordinária instituição brasileira.

            Alguns livros estão em destaque na exposição. O primeiro, pela idade, é o Livro das Horas de Dom Fernando, manuscrito de 1376 ilustrado pelo italiano Spinello Spinelli. Ele lembra na exposição o tempo em que os mosteiros tinham verdadeiras oficinas de reprodução de obras, e as bibliotecas, mesmo as das grandes universidades, como a Sorbonne, se compunham no máximo de poucas centenas de exemplares.

            A revolução do livro de Gutenberg representou a soma de várias tecnologias, do tipo móvel ao papel, para constituir uma explosão impressionante de difusão do livro. No próprio século XV, em pouco mais de sessenta anos, produziram-se 8 milhões de incunábulos. Eles estão representados aqui pela Bíblia de Mogúncia, a que já me referi, editada por Johannem Fust e Petrum Schoeffer, ex-sócios de Gutenberg, em 1462. Este incunábulo foi a primeira bíblia propositalmente publicada em dois volumes e o primeiro livro a trazer a indicação de data, lugar e nome dos editores no colofão. Quando vi pela primeira vez essa Bíblia, em Nova Iorque, fiquei emocionado, tive vontade de tocá-la, porque o livro tem um gosto tátil. Infelizmente, estava, como um tesouro, guardada cuidadosamente dentro de uma vitrine a prova de balas. E eu nem estava armado…

            O Singularidades da França Antártica, também chamada Brasil, de André Thevet, de 1557, antecede o livro de Jean de Léry, de 1578, na narrativa da aventura de François de Villegaignon, cada um contando a visão de um dos partidos em que se dividiu a expedição, terminando em conflito e tragédia. Thevet foi um publicista das descobertas geográficas, publicando livros sobre todo o mundo. Mas para nós o Singularidades tem o valor de um livro fundador, pois é o primeiro a falar longamente da terra brasileira.

            O História dos Feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, de Gaspar de Barleus, nessa edição de 1647, conhecida como Grande Barleus, é um monumento à qualidade da cartografia de George Marcgraf, e às ilustrações de Frans Post, membros da missão holandesa de Maurício de Nassau. Barleus escreveu uma obra de exceção, com uma descrição minuciosa da vida na costa brasileira e do sonho holandês de conquistar o Brasil. E a mais bela ilustração de Post é a de minha cidade de São Luís do Maranhão.

            O Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, de André João Antonil -- pseudônimo do jesuíta Antônio Andreoni --, de 1711, é também uma obra fundamental, mas que só se conheceu muito tarde, pois seus exemplares foram destruídos quase imediatamente por ordem real. Temiam que a obra despertasse a cobiça sobre o Brasil -- ou, como diria Capistrano de Abreu, que os brasileiros conhecessem o Brasil. O livro é um retrato cru da organização social do país, fundamental para a compreensão de nosso passado. 

            Tenho manifestado muitas vezes minha convicção inabalável de que tudo vai acabar, menos o livro. O livro é a grande descoberta tecnológica da humanidade. O livro não precisa de energia! O livro cai e não quebra, pode ser levado por nós a todo e qualquer lugar. No livro está registrado todo o saber, todo o amor, toda a fé.

            O livro é o verdadeiro difusor da cultura, o que fixa o conhecimento, o que torna iguais o pobre e o rico, o que concretiza a liberdade de expressão, a defesa de novas idéias. No livro nascem a revolução e a garantia dos direitos, no livro se preserva o passado e propõe o futuro. No livro começa a computação.

            Entramos no século XXI com o desafio de universalizar o livro. O caminho para uma civilização que seja digna deste nome passa pelo livro. Ele é que nos permite pensar as relações entre Ocidente e Oriente, pobres e ricos, cristãos e mulçumanos. O livro abre a porta do conhecimento, da ciência, da arte. O livro transforma o efêmero em permanente, o humano em imortal. Sou suspeito para falar disso porque se trata do meu maior amigo.

            A Biblioteca Nacional lidera, hoje, a difusão do livro no Brasil. Encontrei em seu diretor, Galeno Amorim, quando ainda não tinha essa responsabilidade, um grande parceiro em minha velha luta a favor do livro. Foi com sua ajuda que pudemos manter a isenção tributária do livro, medida preconizada na Constituição mas que era contornada na prática com a cobrança de contribuições. Ajudou-me também na aprovação da Política Nacional do Livro, concretizada na lei 10.753 de 2003, e com ele temos discutido o meu projeto do Fundo Nacional Pró-Leitura, aprovado pelo Senado e que tramita na Câmara dos Deputados.

            A Biblioteca Nacional, em seu segundo centenário, é uma instituição voltada para o futuro. Seu programa de digitalização do livro, a informatização de seu acervo -- a que se referiu o Senado Geovani Borges --, seus projetos de difusão lhe asseguram um lugar especial entre as grandes bibliotecas do mundo. A ela rendemos, portanto, a nossa homenagem, sobretudo porque a nossa Biblioteca Nacional é constituída de exilados, porque os livros fugiram das tropas de Napoleão e aqui chegaram, e o Rei voltou, mas eles quiseram permanecer no Brasil como brasileiros. A Biblioteca Nacional, portanto, agradece e acolhe esses exilados que compõem há tanto tempo a cultura e a formação cultural deste País.

            Eu também não completaria essas palavras, Srª Ministra, se eu não me lembrasse dos diretores da Biblioteca Nacional: Josué Montello, Eduardo Portella, Eugênio Gomes, Adonias Filho, Paulo Mendes Campos, Francisco Pereira da Silva, grandes escritores brasileiros, Ramiz Galvão e até o Conde D’Eu. E hoje, temos para completar esta lista Galeno Amorim, ao lado da Ministra da Cultura Ana de Hollanda, filha de um dos maiores escritores deste País.

            Muito obrigado pela presença de todos, e está suspensa a sessão para que nós nos congratulemos e vamos nos dirigir à inauguração da exposição (Palmas).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2011 - Página 42486