Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

– Homenagem à memória do ex-Vice-Presidente da República e ex-Senador José Alencar pelo transcurso de um ano do seu falecimento.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • – Homenagem à memória do ex-Vice-Presidente da República e ex-Senador José Alencar pelo transcurso de um ano do seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2012 - Página 8761
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANUENIO, MORTE, JOSE ALENCAR, EX VICE PRESIDENTE DA REPUBLICA.

           O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Parlamentares, há exatamente um ano, exatamente às 14h23, o Brasil perdia a presença física de José Alencar. O mineiro Zé Alencar, como ele era chamado, embarcou no trem da história que ele tanto contribuiu na sua construção. Uma história tão simples na essência, como ele e, ao mesmo tempo, tão completa de exemplos, como a de todos aqueles que, nesta travessia terrena, cunharam o nome no memorial do País.

           Na fila daquelas pessoas simples, também como ele, que lhe dedicaram o último adeus, o noticiário mostrou uma senhora, palavreado singelo, mas que deu o tom da imagem que ele construiu para os verdadeiros seres humanos.

           Ela havia marcado uma cirurgia, com as mesmas características das tantas a que ele se submeteu, exatamente naquele dia em que, sol a pino, aguardava a sua vez de passar, mesmo que por um lapso de instante, ante o corpo do ex-Senador e ex-Vice-Presidente.

           Ela disse mais ou menos assim:

Eu desmarquei a minha cirurgia, e não vim aqui para pedir a ele um milagre para o meu caso. Eu vim lhe pedir para que peça a Deus que me dê pelo menos um pouco da força e da coragem que ele demonstrou durante esse longo período de sofrimento. Só isso!

           Aquela mulher, singela no vestir e no falar, tal como ele, demonstrou não só o seu reconhecimento pelo ser humano Zé Alencar. Ela afirmou a sua certeza de que ele está, agora, junto de Deus, A mesma certeza de todos nós.

           Portanto, a ele, que foi e que sempre será uma das nossas maiores referências, e que conhece tão bem a vida e a lida de todos os brasileiros, pedimos que rogue a Deus, agora, por todos nós. Pela nossa saúde, pela nossa paz, pela recuperação dos nossos melhores valores humanos e éticos. E que ele viva, agora, intensamente, a eternidade, porque poucos como ele merecem tanto a paz dos justos.

            O médico-cirurgião Raul Cutait, que por um longo tempo atendeu o ex-Vice-Presidente, disse em seu artigo na Folha de S. Paulo:

Mais de uma vez, em conversas reflexivas, pude lhe dizer que o via como exemplo de sucesso profissional, político e familiar, mas em especial como um exemplo de paciente. Neste aspecto, ele influenciou milhões de brasileiros, que viam nele um porta-bandeira de fé, da esperança e da determinação. Quantas vezes, enquanto andávamos pelo hospital, cruzamos com pacientes que faziam questão de lhe dizer que eles se fortaleceram nas lutas contra as suas doenças vendo sua força de vontade de vencer o próprio mal.

            O mesmo médico termina assim as suas reflexões:

Na sua infindável procura pelo significado da vida, o homem usa explicações racionais, emocionais, científicas e religiosas. Na busca de sentir que a vida valeu a pena, até mesmo sem entendê-la em sua plenitude, tenta conquistar amor, felicidade, paz, saúde, sucesso e tantas outras coisas. Para mim, o José Alencar chegou lá".

            Pois é, o Zé chegou lá. E, na sua travessia entre nós, ele deixou menos árduos os nossos caminhos ainda a trilhar. Basta que sigamos, agora, a sua luz.

            Difícil alguém que tenha dialogado com a morte com tanta serenidade como ele. Ele dizia não temê-la. Dizia também que, se Deus quisesse levá-lo, não precisaria de mais cânceres. Por isso, ele vivia a vida intensamente.

            A propósito, eu me lembro de um filme de Bergman, rodado nos idos de 1957, Presidente Suplicy, chamado “O Sétimo Selo”. Um cavaleiro retorna das cruzadas e, no caminho, se defronta com a morte. “Veio me buscar?” - ele pergunta à morte. “Ando com você há muito tempo” - ela responde. “Eu sei” - diz ele. "Está preparado?" - indaga a morte. "O meu corpo está, mas eu não" - conclui o cavaleiro.

            José Alencar sabia que a morte lhe rondava, mas inverteu a conclusão do cavaleiro do filme de Bergman. Eu diria, ele, José Alencar, estava preparado, mas o corpo de José Alencar é que não estava. “O meu corpo não é de morte, mas, de vida. A minha e a de tantos outros que lutarão nessa verdadeira cruzada contra este mal, que ainda persiste, apesar de tamanho avanço da ciência.”

            Circulou na Internet uma historinha, então popular, sobre a travessia de José Alencar para outra dimensão. Diz ela: quando ele chegou no Céu, encontrou as portas abertas. Estranhou, entretanto, que não havia uma alma a recebê-lo. A justificativa foi dada por São Pedro: “É que nós já havíamos marcado com ele umas dez vezes e, em todas, ele desmarcou. E nós não comparecemos a esse encontro. Acredito que ele terminaria não acontecendo”.

            Eu fui um daqueles que, petulante, tentei convencer a Deus da importância de permanência ao nosso lado sempre maior de José Alencar, como ser humano e como homem político. Como ser humano, principalmente nesses tempos em que estamos perdendo cada vez mais o verdadeiro sentido de humanidade; humanidade entendida como natureza humana, como gênero humano e, principalmente, como benevolência, como clemência, como compaixão, como bondade e solidariedade, como valor. Tudo o que o Zé tinha.

            Como homem público, principalmente nesses momentos de descaminhos da política, de apropriação indébita do que é essencialmente coletivo, a defesa da atividade pública como um sacerdócio - tudo como ele sempre foi.

            Nada mais merecida, portanto, a homenagem que lhe propiciou como derradeiro a Presidente Dilma Rousseff. Ela lhe estendeu a rampa do Palácio para que o povo pudesse reverenciá-lo. Admiradores anônimos, tantos Zés, tantos Silvas quanto ele, todos os sotaques irmanados pelo mesmo tipo, jeitão do povo brasileiro de ser.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco/PT - SP) - Senador Pedro Simon, queria dizer que é muito belo este pronunciamento em que V. Exª homenageia o nosso ex-Vice-Presidente José Alencar. O próximo orador é o Senador Paulo Paim, mas, S. Exª estiver de acordo, vou conceder-lhe o tempo necessário para que possa concluir o seu pronunciamento como V. Exª e o ex-Vice-Presidente José Alencar merecem.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Agradeço a V. Exª.

            De certa maneira, Deus entendeu ao colocar, neste momento, V. Exª na presidência. Todos nós sabemos por quê.

            Obrigado.

             A vida do Zé Alencar, nos seus últimos tempos, lançou, também, um desafio à ciência. Não pelo tempo que ele viveu a mais, mas pelo tempo que ainda deixou de viver, apesar dos reconhecidos avanços do conhecimento.

            O homem ostenta nas nossas telas de plasma, cristal líquido, ou led, o míssil que destrói, com precisão milimétrica, o alvo a quilômetros de distância. Mas ainda não consegue entender inteiramente o que destrói as suas próprias células. Mostra a imensidão do universo, em três dimensões, mas ainda morre picado por um único mosquito quase sem dimensão.

            O cirurgião Raul Cutait inicia o mesmo artigo citado dizendo:

Para um médico, a perda de um paciente é sempre motivo de reflexões: foi feito o melhor? Fez tudo que poderia ser feito? Algo poderia ter sido diferente? Foram respeitados os desejos do paciente? E os de sua família? Fui determinado e, ao mesmo tempo, acolhedor, quando necessário?

            Tenho certeza de que o Zé Alencar não se deixou levar, tal qual o personagem do filme, não apenas para que a ciência caminhasse no sentido de buscar a cura para o mal que lhe acometeu. O que já teria sido uma contribuição valorosa.

            Ele foi além. A sua luta pela vida foi um tempo de plantio, nas nossas consciências, da semente de uma ampla revisão das nossas prioridades. A comida e não a fome. O pão e não o canhão. A dignidade do trabalho e não a humilhação do desemprego. A ética e não a corrupção. A luz da educação e não a escuridão do analfabetismo. A vida e não a morte.

            O cavaleiro do filme do Bergman propôs um jogo de xadrez com a morte. Postergou-a o tempo suficiente para que o Diretor pudesse, através da arte, convidar-nos a uma profunda reflexão sobre a vida.

            O Zé Alencar também dialogou com a morte e, igualmente, a postergou o tempo suficiente para que nós, da mesma forma, pudéssemos refletir sobre a existência humana. Na arte do filme, o Bergman. Na vida do Zé, a sua inabalável fé!

            Ele se valia de Santo Agostinho: "O homem deve viver preparado para morrer a qualquer instante, e proceder como se não fosse morrer nunca". Frase de Santo Agostinho que Zé Alencar fazia questão de repetir.

            Pois é, no jogo de xadrez da vida, o corpo do Zé Alencar chegou ao seu instante. Mas a sua alma, o seu legado, os seus ideais, os seus ensinamentos, o seu exemplo, não morrerão nunca!

            Ele dizia não temer a morte, mas a desonra.

            Eu acho que não há melhor imagem que represente o que o país sentiu naquele momento da travessia do nosso Vice-Presidente, que a do Sr. Honório Carneiro, seu secretário particular durante quatro décadas. Ante a pergunta do jornalista sobre o que ele estava sentindo naquele momento, a sua primeira reação foi um sepulcral silêncio. E duas lágrimas rolaram pelo seu rosto entristecido.

            Melhor resposta não poderia haver. Estou certo de que, com aquele silêncio, aquela tristeza e aquelas lágrimas, com elas ele respondeu em nome de milhões de brasileiros: “Ainda não caiu a ficha" - ele, enfim, murmurou.

            Nem a nossa!

            O Zé Alencar deixou, entre as imagens dos santos de sua devoção, um manuscrito com a letra de uma canção de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito chamada "Quando eu me chamar saudade".

            “Uma premonição" - como falou o mesmo jornalista.

            Diz assim a canção:

                          Sei que amanhã

                          Quando eu morrer

                          Os meus amigos vão dizer

                          Que eu tinha um bom coração

                          Alguns até hão de chorar

                          E querer me homenagear

                          Fazendo de ouro um violão

                          Mas depois que o tempo passar

                          Sei que ninguém vai se lembrar

                          Que eu fui embora

                          Por isso é que eu penso assim

                          Se alguém quiser fazer por mim, que faça agora.

                          Me dê as flores em vida

                          O carinho, a mão amiga,

                          Para aliviar meus ais.

                          Depois que eu me chamar saudade

                          Não preciso de vaidade

                          Quero preces e nada mais.

           Pena que este País não cultive a sua melhor memória. O Zé Alencar não pode ser esquecido pelo povo brasileiro. Exatamente porque ele tinha um bom coração, como diz a letra da canção. Eu só inverteria o sentido do último verso. Exatamente por ter um bom coração, agora que ele se chama saudade, e que nunca se valeu da vaidade, está, certamente, na celestial divindade.

           Então, não é mais ele quem nos pede preces. Sei que oração nunca é demais. É a ele que invocamos, agora, nas nossas súplicas, em um momento em que tantos, tudo indica, não aprenderam as lições deixadas pelo Zé Alencar.

           Que ele olhe por nós, para aliviar os nossos tantos ais. E que, merecidamente, descanse em paz.

           Aí sim, como naquela canção, nada mais.

           Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2012 - Página 8761