Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

– Homenagem pelo transcurso, hoje, dos 463 anos de fundação da cidade de Salvador.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • – Homenagem pelo transcurso, hoje, dos 463 anos de fundação da cidade de Salvador.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2012 - Página 8775
Assunto
Outros > HOMENAGEM, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, SALVADOR (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), RELATORIO, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, CIDADE, COMENTARIO, PROBLEMA, GESTÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, DIFICULDADE, ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA, URBANIZAÇÃO, NECESSIDADE, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO, REGIÃO METROPOLITANA.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Quero agradecer também a generosidade da Senadora Angela Portela, que me cede o lugar para que possa fazer outras tarefas, e continuarmos na parceria das mulheres nesta Casa.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, caros cidadãos que nos acompanham pelos diversos meios de comunicação do Senado, hoje é 29 de março. E, em 29 de março de 1549, três naus, duas caravelas e um bergantim singraram a Baía de Todos os Santos, comandadas por Tomé de Sousa, Governador-Geral do Brasil, com ordens expressas do rei de Portugal para fundar aqui uma cidade fortaleza, denominada São Salvador.

            Assim, sem nunca ter sido província sequer, nasce a cidade do São Salvador da Baía de Todos os Santos, aquela que seria a capital política e a sede da administração colonial do Brasil até 1763. Povo quase ainda não havia, mas a cidade já nascia com uma expressiva burocracia oficial. As embarcações portuguesas traziam mais de mil pessoas: 320 nomeadas e recebendo salários do Reino, assim como 600 militares, fidalgos e padres jesuítas. Compunha também a comitiva alguns degredados, marginalizados de tudo, e parcela cada vez mais expressiva na formação de nossa população.

            Esse cenário de governo sem povo será rapidamente superado em 1798, com os gritos de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, quando ocorre a Revolta dos Alfaiates, na qual estavam envolvidos homens do povo como Lucas Dantas e João de Deus, mas também intelectuais da elite como Cipriano Barata.

            Já em 1872, cerca de 130 mil almas habitavam suas praias, ruas e ladeiras, sendo sempre oportuno lembrar que, dessas estatísticas, eram excluídos os escravos que, anos antes, em 1835, já se faziam escutar, com a revolta dos escravos muçulmanos, conhecida como Revolta dos Malês.

            Salvador chega ao século XX com 205 mil cidadãos, chegando em meados do século aos 600 mil, disparando, em 1970, ao seu primeiro milhão; mais meio milhão em 1980; dois milhões em 1991; e, finalmente, 2 milhões e mais de 700 mil hoje.

            Com o surgimento da Salvador Moderna, até final dos anos 40 do século passado, cidade e política estavam em sintonia, ligadas a uma estrutura social tradicional, de escassa mobilidade. Essa sintonia desintegrou-se com a “urbanização sem indústria” (anos 50) e a “industrialização transplantada” de sua região metropolitana (anos 60/70). Quando a vida urbana se modernizou, a política soteropolitana permaneceu travada pela tradição política estadual da velha “cidade da Bahia”, não se tornando visível a representação política da nova e conflituosa cidade do Salvador.

            O regime militar congelou essa situação, e, após a redemocratização, essa representação terminou assumindo uma forma perversa: a forte subordinação a lógicas privadas. Descontados alguns espasmos que podem ser considerados acidentes de percurso, essa trajetória de desencontros entre política e cidade é uma chave para entender não só o bloqueio da autonomia municipal da capital, como o enigma da “atrasada” modernidade soteropolitana. Uma modernidade desurbana, na qual o poder municipal tem fraca legitimidade política, precária estrutura administrativa e escassa base tributária.

            Essa, de forma alinhavada, é um pouco da história da cidade do Salvador, que hoje completa 463 anos, para nossa alegria.

            A instabilidade política e a descontinuidade administrativa, que, no tempo da ditadura, chegou a significar, em dez anos, dez prefeitos na cidade de Salvador, com todas as maléficas consequências que a cidade poderia ter disso, hoje se expressa: em 80 meses do Governo atual, Salvador teve em torno de 63 Secretários nas 15 Secretarias existentes no início do primeiro mandato, reduzidas a 11 no segundo, sem que diminuísse a rotatividade; ao contrário, o tempo médio de permanência de um Secretário no cargo foi de 18 meses durante o primeiro período de quatro anos e tem sido de 15 meses nos dois terços já cumpridos do segundo mandato.

            Nas áreas de gestão, as mais atingidas pela instabilidade foram aquelas que costumamos chamar de “área social”. No que diz respeito à desestruturação financeira, dos R$3 bilhões que o Município arrecadou em 2010, cerca de 46% corresponderam à receita própria, das quais os principais itens são o ISS (17,5%) e o IPTU (6,6%).

            Cerca de 54% do arrecadado correspondeu a transferências da União ou do Estado, sendo que, entre essas, os repasses do SUS, que se tornaram relevantes no perfil da receita a partir de 2006, atingiram 15% do total arrecadado pelo município em 2010, ultrapassando as cotas do FPM, do ICMS, responsáveis, respectivamente, por 13% e 14% da receita. Esse dado é digno de nota, inclusive para se procurar outras explicações para a caótica gestão na área da saúde.

            Se comparado o conjunto de transferências recebidas pela prefeitura na gestão dos dois últimos prefeitos, falta razão à frequente queixa do atual quanto a apoios de outras instâncias da Federação. Por outro lado, é verdade que, no conjunto dos dois períodos, Salvador se virou com recursos próprios, mais que cidades de portes, estrutura social e situação regional semelhantes, como Recife e Fortaleza. De 1999 a 2010, enquanto em Salvador transferências da União e Estado representaram, em média, 53% da receita municipal, nos casos de Recife e Fortaleza chegaram, respectivamente, a 59% e 60%.

            Pode-se agora qualificar melhor a crise financeira da prefeitura de Salvador no que diz respeito à arrecadação. Se por um lado permanece um déficit de receita que historicamente está aquém das necessidades sociais (como mostra a comparação com as duas outras cidades) e também das possibilidades (demonstradas pelo desempenho pequeno do IPTU), por outro lado ficou claro que, dentro desses limites, a situação melhorou no período atual.

            O quadro é de escassez de recursos, mas, pelo lado da receita, não há nada que justifique o caos em que as finanças correntes da prefeitura se encontram. Não se pode ter chegado a esse ponto apenas pela falta do dever de casa na arrecadação. Afastada a hipótese de que o caos provenha da receita, é preciso buscar as suas razões no lado das despesas públicas para saber o que foi feito, e como foi feito, dos recursos que chegaram aos cofres municipais.

            Portanto, meus caros Senadores, Salvador, essa cidade que eu sei que mora no coração de todos os Senadores e Senadoras desta Casa por ser a primeira capital do Brasil, a cidade-mãe da Bahia e a cidade-mãe do Brasil, chega, nesse dado momento em que nos deparamos com as próximas eleições, com a necessidade de enfrentar alguns problemas conjunturais e outros históricos.

            Eu diria que, entre os problemas históricos, estão, justamente, o de enfrentar a descontinuidade administrativa e a desestruturação financeira, e, entre os problemas novos que temos a enfrentar, há a questão metropolitana. Salvador precisa se colocar e o próximo prefeito se preparar para tratar de uma cidade que lidera a região metropolitana e que tem de tratar todas as suas políticas no âmbito da visão metropolitana. Não poderá fazer isso sozinha, tem de contar com o apoio do Governo Federal, do Governo do Estado e até mesmo do Congresso Nacional, que está devendo às grandes cidades brasileiras a necessidade de discutir um estatuto de “metropolitanização”, ou um estatuto metropolitano.

            Precisa, urgente e principalmente, recuperar a sua legitimidade política, para voltar a ter capacidade de se planejar; retirar o planejamento hoje entregue aos interesses privados, desprivatizar a cidade de Salvador, hoje planejada especialmente pelos grandes interesses, particularmente do capital imobiliário da nossa cidade, resultando no caos vivido no trânsito e na Avenida Paralela, uma das nossas principais áreas de crescimento da cidade de Salvador, ou mesmo, como exemplo, no uso indevido público de uma praça para um camarote privado no período do carnaval.

            Nós temos algumas necessidades urgentes, sobre as quais todo e qualquer prefeito vai ter de se debruçar para tirar Salvador da situação em que se encontra e colocá-la num novo patamar:

            - a obra de mobilidade urbana, dotando Salvador do seu metrô e lutando para que ele ocorra o mais rapidamente possível e com o maior tempo de aproximação de término da obra, perto de 2014;

            - recuperar a sua orla atlântica e de baía, hoje completamente desassistida e, eu diria até, numa situação de desolação;

            - fortalecer seus laços com a Baía de Todos os Santos e o Recôncavo, abraçando-os através do projeto do Governo do Estado, da União, com a ponte Salvador-Itaparica e, também, da realização do grande projeto de requalificação urbana já iniciado pelo Governo do Estado da Bahia na Feira de São Joaquim, que consumirá R$60 milhões - R$30 milhões do Governo do Estado e R$30 milhões do Governo Federal;

            - requalificação urbana do centro de Salvador, que já se inicia com a nova Fonte Nova e a Península de Itapagipe, que começa a receber ainda tímidos recursos do Governo Federal para a reorganização de sua orla;

            - a mudança e reclassificação da Cidade Baixa, especialmente no memorial de Irmã Dulce, que já foi beatificada e será santificada;

            - a infraestrutura social, que precisa ser prioridade número 1, porque se encontra completamente sucateada. Falo a respeito dos sistemas e da rede de saúde, de educação e de assistência social, tendo como exemplo a Fundação Cidade Mãe destruída neste Governo;

            - retomar a estratégia econômica de Salvador, centrada na indústria cultural do entretenimento, lazer e turismo, que deve se personificar em um grande projeto, levando Salvador a se inserir no roteiro internacional de cidades de entretenimento.

            Portanto, Srªs e Srs. Senadores, nós temos velhos e estruturais problemas, novos e grandes problemas, que significam o desafio de fazer de Salvador novamente a mais querida no coração de todos os brasileiros.

            E como dizia Dorival Caymmi, em sua música João Valentão: “Que nunca precisa dormir pra sonhar, porque não há sonho mais lindo do que sua terra.”

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2012 - Página 8775