Pronunciamento de Lídice da Mata em 29/03/2012
Pela Liderança durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
– Indignação com a decisão do Superior Tribunal de Justiça que inocentou acusado de crime de estupro; e outros assuntos.
- Autor
- Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
- Nome completo: Lídice da Mata e Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Pela Liderança
- Resumo por assunto
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SENADO.
DIREITOS HUMANOS.
HOMENAGEM.:
- – Indignação com a decisão do Superior Tribunal de Justiça que inocentou acusado de crime de estupro; e outros assuntos.
- Aparteantes
- Wellington Dias.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/03/2012 - Página 8798
- Assunto
- Outros > SENADO. DIREITOS HUMANOS. HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, POLICIA, SENADO.
- REPUDIO, DECISÃO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), ABSOLVIÇÃO, REU, ESTUPRO, CRIANÇA, VITIMA, PROSTITUIÇÃO.
- HOMENAGEM POSTUMA, ARTISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, ATIVIDADE PROFISSIONAL, IMPRENSA, COMBATE, DITADURA, REGIME MILITAR.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei alguns registros rápidos em nome da nossa liderança.
A pedido da Associação dos Policiais Legislativos Federais do Senado Federal, quero registrar, desta tribuna, nossa saudação aos policiais legislativos federais pelos 188 anos de existência, portanto, de fidelidade ao Parlamento e dedicação à guarda do patrimônio do Senado Federal.
Sr. Presidente, também quero aqui apoiar a decisão da Ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e do Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Senador Paulo Paim, de pronunciar-se em nota pública sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Também o faço como membro da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente.
O Superior Tribunal de Justiça inocentou um homem da acusação de ter estuprado três meninas de 12 anos de idade sob a alegação de que a presunção de violência no crime de estupro pode ser afastada diante de algumas circunstâncias, e a circunstância é que essas meninas, pela denúncia, seriam crianças, adolescentes que já estariam envolvidas com a prostituição.
Ora, nós, da Frente da Criança e do Adolescente, consideramos que isso é revitimizar a vítima da violência. A violência de crianças, adolescentes prostituídas no Brasil, cujo Estado não assume a sua defesa, a sua providência e a violência de, estupradas, essas meninas não terem direito a nada, e o ato de violência ser desconsiderado em função dessa situação.
Concedo um aparte ao Senador Wellington Dias.
O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - Senadora Lídice, eu quero, sobre esse último tema, dizer que hoje nós aprovamos, na Comissão de Direitos Humanos, uma posição da comissão semelhante à aprovada, lançada e divulgada pela Ministra Maria do Rosário. É a primeira posição corajosa da Ministra Maria do Rosário e, agora, da Comissão de Direitos Humanos. Veja, nós estamos falando de crianças, como diz o próprio inquérito, de 12 anos, meninas de 12 anos. Se, por alguma necessidade, por alguma coisa, elas se encontram vendendo sexo - vamos imaginar que seja o fato -, isso não tira a responsabilidade, porque senão nós não teríamos o crime da pedofilia, senão nós não teríamos a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, senão não teríamos os preceitos constitucionais da proteção de meninos e meninas, de crianças. Então, vejam só. O fato é não interessa se você praticou sexo antes, o que importa aí é a idade, a idade mental, ou seja, a pessoa tem uma idade física, uma idade mental que precisa da proteção do Estado. Por isso mesmo os adultos tem que respeitar. Não sei quem é o pai, quem é a mãe dessas crianças, mas basta que cada um que está nos ouvindo se lembre de seu filho, de sua filha com 12 anos, para a gente imaginar do que estamos falando. Então, também somo o meu protesto a essa decisão do STJ. Espero que ela seja reformulada. E espero que, no Supremo ou na instância imediatamente, não sei se no é próprio STJ que cabe o recurso, se tenha uma revisão. Acho que não pode o Congresso Nacional, que é a Casa das leis, ver como natural uma interpretação clara, sem qualquer indício de dar outra interpretação, aceitarmos isso com naturalidade. Então, quero parabenizar V. Exª e juntar minha voz e minha posição à de V. Exª.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - Sem dúvida, Senador Wellington, agradeço o seu aparte.
Na verdade, o Brasil e o Congresso Nacional já firmaram uma posição, uma tradição de defesa da criança e do adolescente com a aprovação do ECA. Nesses anos todos, temos mantido essa frente que permanece alerta a qualquer tipo de violência aos direitos da criança e do adolescente.
Essa experiência nossa já está sendo inclusive discutida em outros países. Não podemos permitir que todo esse trabalho, toda essa mobilização termine numa decisão do STJ insensível a essa circunstância social a que estão expostas e vulnerabilizadas as crianças e adolescentes, especialmente as meninas adolescentes em nosso País.
O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - V. Exª me permita, desculpe, abusar da sua bondade.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - Pois não.
O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - Mas só um dado, Senador Benedito. Veja só, a legislação brasileira para alguém, menino ou menina, se casar com menos de 18 anos precisa de uma autorização dos pais. Casar supõe-se uma relação amorosa, uma relação totalmente pacífica, mas ainda assim precisa ter, perante o juiz, a autorização dos pais. Então, só para entendermos a gravidade dessa decisão.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - No movimento de mulheres, entendemos que qualquer atitude de abuso sexual ou de ato sexual não consentido se caracteriza como estupro. Em outros países, inclusive nos Estados Unidos, há pronunciamento da justiça para caso de pessoas adultas, que, eventualmente, consentiram ou se colocaram numa relação disponível para o sexo, mas que voltaram atrás nessa decisão e, ainda assim, o chamado infrator, o homem que cometeu o estupro foi condenado.
No Brasil, não se tratando de adultos, não se tratando de pessoas adultas com capacidade de discernir sobre sua própria vida, mas de adolescentes numa situação de vulnerabilidade social, que, eventualmente, tenham se deixado envolver por uma circunstância de venda do seu próprio corpo, reagem, não permitem e ainda assim é caracterizado, é absolvido aquele que pratica o delito, o estupro.
Então, realmente, é grave, é abertura de um precedente perigoso e eu espero que o STJ possa ser sensibilizado a voltar atrás em uma decisão com essa gravidade.
Sr. Presidente, por último, queria deixar aqui, em nome do PSB, o nosso registro de pesar pelo falecimento do nosso grande artista multimídia Millôr Fernandes.
Ontem, o nosso Senador Valadares apresentou um voto, eu estava inscrita também para falar, mas tive que sair. Não queria deixar de registrar aqui que, nos últimos dias, a vida não tem sido generosa com a cultura brasileira. Primeiro nos tirou Chico Anysio, esse grande gênio do humor nacional, que tem, inclusive, o seu último trabalho num texto de Guimarães Rosa, em que atua como ator.
Agora, poucos dias depois, nos tira Millôr Fernandes, este que foi uma figura marcante da imprensa nacional. Desenhista, tradutor, jornalista, roteirista de cinema, dramaturgo, Millôr obteve sempre um grande sucesso em tudo que fez. Ele se autodefinia como um escritor sem estilo.
Começou no jornalismo em 1938, aos 15 anos de idade, como contínuo e repaginador da revista O Cruzeiro; depois, criou uma coluna na revista O Cruzeiro, o “Pif Paf”, que se tornou uma publicação de sucesso, uma publicação própria. Participou, em 1969, da fundação do jornal O Pasquim; ao seu lado estavam os cartunistas Jaguar e Ziraldo. Aliás, Ziraldo se pronunciou dizendo que o Brasil perdeu, mas ele perdeu mais, porque ele perdeu Chico e Millôr ao mesmo tempo, seus dois grandes amigos. Os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral, tendo o humor como foco, o semanário fez história na imprensa alternativa brasileira, tornou-se uma referência na luta contra a ditadura e um grande sucesso de venda no mercado editorial, ultrapassando a marca de 200 mil exemplares.
Millôr assumiu a editoria de O Pasquim a partir de novembro de 1970, mês em que a sua redação inteira foi presa, após publicar uma sátira do quadro Independência ou Morte, do pintor Pedro Américo. Graças a essa participação de Millôr, o jornal manteve-se em circulação.
Eu, que fui da geração, leitora de O Pasquim, nesse período morava em Alagoinhas, acompanhava, justamente por ter um pai cassado, todos esses episódios políticos, como adolescente, e me lembro desses episódios em que procurávamos, escondidos, O Pasquim, para podermos ler.
Em 1975, Millôr deixou O Pasquim após escrever o editorial, em seu nº 300, intitulado “Sem Censura”. Nele, informava que, desde 24 de março daquele ano, o jornal se encontrava livre da censura prévia, porém encerrava seu expediente, afirmando que, sem censura, não quer dizer com liberdade.
Esse artista multimídia foi, acima de tudo, um pensador independente, um intelectual progressista, engajado, irrequieto, que pensou no Brasil e sempre travou o bom combate contra a ditadura, a opressão, a discriminação, embora se mantendo numa posição sempre crítica, distante de partidos e de campanhas eleitorais.
Sua morte abre uma lacuna na intelectualidade brasileira e representa uma grande perda para a nossa identidade cultural. Sem Millôr, o Brasil fica mais triste, menos inteligente, menos contestador. Só nos resta lamentar e reverenciar esse grande brasileiro, que se tornou uma referência intelectual, em particular da nossa geração, que se habituou, nos momentos mais difíceis da vida nacional, a encontrar em seu humor ferino uma palavra de estímulo para prosseguir na luta pela liberdade e pela justiça social e em acreditar que a política pode significar transformação da vida das pessoas para melhor.
Muito obrigada.