Discurso durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Declaração, como Presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul), de apoio à soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas, Georgias e Sandwich do Sul.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Declaração, como Presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul), de apoio à soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas, Georgias e Sandwich do Sul.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2012 - Página 10756
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • QUALIDADE, PRESIDENTE, REPRESENTAÇÃO, BRASIL, PARLAMENTO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), APOIO, PAIS ALIADO, ARGENTINA, SOBERANIA, ILHA, OCEANO, ATLANTICO SUL, REPUDIO, COLONIALISMO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Raramente V. Exª se engana, Senador Paim.

            Eu quero registrar a presença, no plenário, do Embaixador da Argentina, Luis María Kreckler, do Sr. Mariano Vergara, conselheiro da embaixada, do Ministro Facundo Vila, e do Secretário Juan Antonio Barreto.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, falo neste momento na condição de Presidente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul, o Parlasul.

            No dia de hoje, os argentinos vivem um feriado nacional. Não é propriamente uma celebração, mas uma lembrança, uma triste lembrança dos seus mortos na Guerra das Malvinas. A Presidente Cristina Kirchner comandou o ato principal da nação argentina, na chamada cidade do fim do mundo, Ushuaia. Lá, inaugurou uma praça e acendeu a chama eterna.

            As Ilhas Malvinas, complexo de ilhas cujas principais são as Malvinas, Georgias e Sandwich do Sul, fica a 760 km de Usuhaia e a 14.000 km de Londres. Para os argentinos é um momento de luto, de renovação do seu sentimento nacional e de reflexão. Para nós, brasileiros, deve ser também um momento de reflexão e de afirmação da nossa identidade sul-americana e latino-americana e de afirmação do nosso repúdio claro e inequívoco ao colonialismo. A questão das Malvinas deve ser vista sob este prisma, o do anacronismo absoluto deste resquício colonialista no solo sul-americano em pleno século XXI.

            Os argentinos tiveram amargas lições com a Guerra das Malvinas. Setores da sociedade argentina aprenderam que não deveriam mais contar com os militares para resolver conflitos ideológicos, políticos, sociais. Que as ditaduras militares não são remédio e alternativa à luta política franca, aberta. Os argentinos perderam a Guerra das Malvinas e ganharam seu caminho de volta à democracia.

            Nosso apoio incondicional à soberania argentina sobre as Malvinas não se confunde com a valorização do ato insano da ditadura militar, que usou o legítimo direito como meio oportunista para ganhar sobrevida, atirando à morte certa jovens e inexperientes recrutas, quando não torturando-os para que se jogassem como suicidas na batalha desigual.

            Nosso ato de solidariedade é, ao mesmo tempo, um ato de repúdio e de denúncia da ditadura.

            O aprendizado, as lições da guerra são mais amplos ainda. Aprenderam o que o Brasil já sabia desde o século XIX. Aprenderam que os Estados Unidos têm a América do Sul como parte do seu Império. Com o apoio político e militar norte-americano à Grã-Bretanha na Guerra das Malvinas, ficou totalmente desmascarada a política norte-americana, a Doutrina Monroe e todas as suas políticas.

            Como nos ensina o professor Moniz Bandeira, os argentinos e os sul-americanos aprenderam que o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) só existiam para defender sua predominância sobre a América Latina e servir aos seus interesses de grande potência no conflito Leste-Oeste. Nesse sentido, os EUA sofreram contundente derrota na Guerra das Malvinas.

            A doutrina Monroe, sintetizada na expressão “A América para os americanos”, foi desenvolvida pelo presidente norte-americano James Monroe (1817 a 1825). Dela derivaram todas as iniciativas dos EUA em relação ao continente latino-americano: o pan-americanismo, as guerras de ocupação, o apoio a ditaduras militares e governos entreguistas, a Alca e o Consenso de Washington com a imposição de políticas neoliberais, infelizmente ainda incensadas por desavisados e adesistas em nossos países, inclusive no nosso próprio Governo e nesta Casa.

            Com a “traição” dos EUA, a Argentina aprendeu o que o Brasil sempre soube. Em artigo denominado “O continente enfermo”, publicado em 3 de maio de 1899, Rui Barbosa assim desmonta a doutrina Monroe: “A doutrina Monroe, no uso diplomático dos Estados Unidos, tivera, em todos os tempos, um caráter exclusivamente norte-americano” e que, cerrando, por aquela fórmula memorável, o continente americano à cobiça européia “não fizeram mais do que reservá-lo para os futuros empreendimentos de sua ambição”. Isso o Brasil sempre soube, mas alguns, entre nós, no Governo, no comando dos partidos ditos de esquerda, no Congresso Nacional ainda precisam aprender. Aprender o que na verdade, Senador Paim, o Brasil sempre soube.

            Se a Guerra das Malvinas desmoralizou a política norte-americana para a América Latina, por outro lado, aproximou argentinos e brasileiros. A posição acertada do Brasil no conflito criou as condições que fosse dissipado o estúpido sentimento de rivalidade entre os nossos países. O Brasil colaborou com a Argentina não apenas durante a Guerra, mas em seguida a ela.

            Quando a Comunidade Econômica Europeia impôs sanções comerciais à Argentina no pós-guerra, ao invés de tirar tolas vantagens comerciais imediatas da situação, colocando os seus produtos nos mercados antes ocupados pelos argentinos, o Brasil agiu estrategicamente, oferecendo facilidades para que as exportações argentinas de produtos agropecuários fossem realizadas através dos portos de Santos, Paranaguá e Rio de Janeiro. Com isso, foram criadas as condições de confiança para a futura integração econômica e social entre os nossos países.

            O Parlasul, cuja Representação Brasileira eu presido, tem sido um espaço privilegiado da manifestação da solidariedade dos brasileiros, paraguaios e uruguaios, aos irmãos argentinos na questão das Malvinas. A mais recente declaração do Parlasul sobre o tema é fruto de proposta de minha autoria, na reunião plenária realizada na sede do Parlasul, em Montevidéu, em 02/12/2012.

            Trata-se de uma recomendação ao Conselho do Mercado Comum, o órgão decisório supremo do Mercosul, integrado pelos Presidentes da República, para a solução pacífica para o problema das Ilhas Malvinas. Através dela, o Parlasul recomenda ao Conselho do Mercado Comum o que segue: “Nas negociações de todos os tratados e acordos entre o Mercosul e demais blocos ou países, será levada em conta a questão das Malvinas ocupadas, buscando-se uma solução pacífica para o problema.”

            Pois bem. Neste 2 de abril, os argentinos estão em vigília pela recuperação das Malvinas. Eu assinei, e vários Senadores e Deputados já assinaram, uma declaração, que passo a ler, convidando aos Srs. Senadores para que também firmem, como expressão do nosso fraterno apoio a esta causa, que é tão cara aos argentinos e aos sul-americanos. Vamos à Declaração:

DECLARAÇÃO DE APOIO À REPÚBLICA ARGENTINA PELAS ILHAS MALVINAS, GEORGIAS E SANDWICH DO SUL

As Ilhas Malvinas constituem uma parte integral e indivisível do território argentino. Em 1833, foram ocupadas ilegitimamente pela Grã-Bretanha e sua população foi expulsa. Desde então, a República argentina denunciou e reclamou ao país ocupante, solicitando iniciar as negociações que permitam encontrar uma solução para a disputa de soberania.

O reclamo de soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas é uma causa de todos os países da América Latina e da comunidade internacional. Queremos somar-nos a este reclamo, pois é um sentimento comum que provém de uma história de lutas compartilhadas contra o colonialismo e a favor da liberdade.

Nossa história está profundamente castigada pelo sofrimento que durante séculos nossos povos tiveram que enfrentar pela opressão e dependência de potências estrangeiras.

O colonialismo foi causa do saqueamento dos nossos recursos naturais que condenaram à pobreza países ricos, injusta e ilegitimamente. Antes, foram a borracha, o ouro, a prata, as madeiras preciosas; hoje, as reservas petrolíferas do nosso subsolo continental, oceânico, e as imensas riquezas pesqueiras de nossos mares.

Queremos que esta declaração se converta num apelo para gerar um amplo e aberto âmbito a todas as correntes e ideias políticas, a partir do qual se poderá conhecer e difundir melhor tudo o que significa o regime colonial e a presença militar britânica nas Ilhas Malvinas e que expresse nossa convicção de que somente por via das negociações se alcançará uma solução pacífica e definitiva. Já não há lugar nem tempo em nosso continente para que esta anacrônica situação continue.”

            As Malvinas, Senador Randolfe, são argentinas. E o caminho para sua retomada é o da pressão política, da negociação, o caminho da solução pacífica. É o que, como Presidente da Seção Brasileira do Parlasul, tinha a dizer.

            Concedo um aparte, primeiramente, ao Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Roberto Requião, em primeiro lugar quero, de pronto, pedir licença para assinar o documento que V. Exª acaba de ler e convido todos os colegas Senadores para também assinarem, porque V. Exª colocou aqui, e de uma maneira muito clara, que as Ilhas Malvinas, em verdade, pertenciam à Argentina originalmente. Elas constituem uma parte integrante e indivisível do território argentino e foram ocupadas, em 1833, pela Grã-Bretanha. E, para quem apenas observa os fatos recentemente, do que aconteceu há 30 anos, quando o governo Gualtieri resolveu ali obter uma reação que acabou resultando em um conflito armado, com desastres humanos muito sérios, e para quem simplesmente assistiu ao filme “A Dama de Ferro”, que mostra a Srª Margaret Thatcher com uma forma muito incisiva de ali obter a volta das Ilhas Malvinas - ali denominadas pelo Reino Unido de Ilhas Falklands, como se fossem originalmente da Grã-Bretanha -, é importante que conheça esse lado em profundidade e o resgate de tudo o que aconteceu nesse período de colonialismo, de imperialismo, para termos a verdade completa. Sobretudo, avalio como muito importante que V. Exª, como presidente da representação junto ao Mercosul do Congresso Nacional brasileiro, esteja liderando esse apelo de uma forma negociada, de uma forma a procurarmos todos colaborar para que haja um entendimento pacífico e não se utilizem de forças armadas para assegurar esse melhor entendimento com o Reino Unido. E para nós, brasileiros, que temos uma relação muito positiva com o Reino Unido, como também a Argentina teve em tantas oportunidades - e sobre muitos aspectos ela tem -, é importante que os países da América Latina todos possam estar solidários a essa causa. Acho que o caminho do documento que V. Exª aqui coloca é muito construtivo, em termos adequados, e por isso eu o cumprimento e manifesto minha vontade de, de pronto, também assiná-lo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senador Suplicy, a ofensiva dos militares argentinos se destinava a dar uma sobrevida à ditadura militar. A manutenção desse enclave das Malvinas não é interessante nem para os ingleses e muito menos para os argentinos. Ela vinha sendo negociada com alguma tranquilidade e a perspectiva de um acordo era bem clara. Os militares tentaram garantir a sua continuidade com o ataque onde esperavam que os EUA cumprissem os acordos feitos com os países sul-americanos, o que não aconteceu. E serviu para a queda dos militares, mas para a ascensão, na Inglaterra, do liberalismo econômico reforçado por uma recondução fantástica da Margareth Thatcher. Ruim para os ingleses, ruim para os argentinos, mas muito bons incidentes para as relações sul-americanas que foram, com isso, reforçadas.

            Eu pessoalmente acredito que, com a firmeza do Mercosul, a firmeza assumida pelo Governo das posições públicas e clara da Presidenta Dilma e a manifestação dos nossos Congressos, nos encaminharemos para uma solução definitiva. Esse enclave colonialista a 14 mil quilômetros da Inglaterra não tem sentido algum mais, até porque, na Inglaterra, os ingleses já sentem os efeitos do liberalismo econômico da ex-Primeira-Ministra Margareth Thatcher com a revolta dos jovens desempregados e sem perspectiva de emprego nas ruas.

            Eu concedo um aparte ao Senador Randolfe Rodrigues.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Roberto Requião, primeiro, quero cumprimentá-lo pela iniciativa em nome da sua condição de representante da missão do Parlasul aqui no Brasil. Segundo, quero solicitar sua autorização para escrever o nosso nome e, assim como fez o Senador Eduardo Suplicy, reitero o convite a todos os colegas, em um manifesto que V. Exª acaba de pronunciar, de dizê-lo da tribuna do Senado. Parece-me inequívoca a demonstração do Parlamento brasileiro em associação com um país que tem uma relação amiga, com um país que tem relações construídas há pelo menos dois séculos, independente das relações que o Brasil tem, em função de ser um pleito justo. Não há razão para que aquele arquipélago seja de propriedade inglesa. É o resquício do tempo da Rainha Vitória, onde a Inglaterra era o Império onde o sol nunca se punha. Nós não estamos mais nesse tempo e a Inglaterra, convenhamos, não é mais o Império onde o sol nunca se põe. Por razões óbvias e lógicas, o arquipélago é Malvinas e não Falklands, e o Brasil, se não pesar as relações políticas, as relações que possuímos com os argentinos, deve pesar a razão de justiça. Portanto, quero cumprimentar V. Exª e solicitar a V. Exª que me inclua entre os signatários do manifesto.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Sem dúvida, Senador. Aliás, eu solicito à assessoria do meu gabinete que faça chegar às mãos do Senador Suplicy e do Senador Randolfe a nossa declaração, que será levada ao Plenário do Parlasul, no dia 13, em Montevidéu.

            Presidente, no dia em que se comemora esse movimento pela independência das Malvinas da Inglaterra e a sua anexação definitiva à Argentina, eu agradeço a generosidade de V. Exª com o meu tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2012 - Página 10756