Discurso durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca do transcurso dos 48 anos do Golpe Militar de 1964.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comentários acerca do transcurso dos 48 anos do Golpe Militar de 1964.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Eduardo Suplicy, Randolfe Rodrigues, Rodrigo Rollemberg.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2012 - Página 10825
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, REGIME MILITAR, BRASIL, RELATORIO, HISTORIA, DEMOCRACIA, DITADURA, PAIS, SOLICITAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO, VERDADE.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, lá do Rio Grande do Sul, terra onde Leonel Brizola se alçou para garantir a posse de João Goulart. Começo destacando isso porque hoje gostaria de registrar o 48º ano do Golpe Militar de 1964.

            O Golpe Militar de 1964 é desfecho de uma conspiração que começou desenhada uma década antes. Os eventos trágicos do dia 31 de março de 1964, que culminaram, no dia seguinte, 1º de abril, com o fim do governo democrático do Presidente João Goulart, não se resumem ao que é contado nos bancos escolares de hoje em dia. É uma longa história até hoje mal contada.

            A meu ver, é preciso viajar no túnel do tempo até o ano de 1954. Nesse ano, o Governo do Presidente Getúlio Vargas era atacado violentamente por seus adversários da União Democrática Nacional, a UDN, comandados pelo jornalista udenista e dono do jornal Tribuna da Imprensa, Carlos Lacerda, apoiado por um grupo de militares.

            O clima de confronto ultrapassava a palavra, tanto que um atentado, atribuído a Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do Presidente, feriu Carlos Lacerda e matou o Major da Aeronáutica Rubens Vaz.

            A oposição, valendo-se do episódio do atentado, aumentou a carga contra Vargas e pedia a renúncia do Presidente.

            A auxiliares, a amigos do Catete e ao amigo jornalista Samuel Wainer, dono do jornal carioca Última Hora, Vargas confidenciou, 24 horas antes do suicídio: “Só morto sairei do Catete”.

            Às 8 horas e 30 minutos do dia 24 de agosto de 1954, Getúlio se suicida com um tiro no coração, em seus aposentos no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

            Com a morte de Vargas, assume o Vice-Presidente Café Filho, do PSP, que governou em um período de agitação manipulado por militares e políticos da UDN.

            Sob a presidência de Café Filho, no dia 3 de outubro de 1955, o Brasil foi às urnas escolher, em eleições separadas, um novo Presidente e Vice-Presidente do País. Ganhou a eleição o candidato da coligação PSD/PTB, a mesma que havia elegido Getúlio Vargas, o ex-Governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek, com 3.077.441 votos, contra 2.610.462 votos do candidato dos militares e da UDN General Juarez Távora.

            Aqui, gostaria de fazer uma observação. Em 1955, a população do Brasil era da ordem de 58 milhões de habitantes e, naquela eleição, votaram 9.887.873 eleitores, o que corresponde a algo em torno de 20% da população nacional. Comparada à eleição de 2010, para uma população de 190 milhões de habitantes, votaram 106 milhões de eleitores, o que corresponde a mais de 60%.

            Vejam como a ampliação da democracia, da participação cidadã na construção democrática deste País é lenta! E olhem que em 1955 as mulheres já votavam, mas o analfabetos não votavam, não votam os jovens. Hoje estamos com uma participação cada vez mais ampla, e o cidadão sabe que o poder constituído pelo seu voto, que o poder é político.

            Mas vejam os percalços da democracia. Vale lembrar que foi muito difícil o lançamento da candidatura de Juscelino, pois se acreditava em um veto militar a ela. JK era acusado de ser apoiado pelos comunistas.

            Somente quando o Presidente da República Café Filho divulgou a carta dos militares na Voz do Brasil, foi que Juscelino se lançou candidato, alegando que a carta dos militares não citava seu nome. Na verdade, era um veto. Os militares tinham poder de veto sobre a vida política do País.

            Foi eleito Vice-Presidente da República João Goulart, o Jango, da mesma coligação de Juscelino, com 3.591.492 votos, 500 mil a mais que os depositados em JK. O candidato da UDN, Milton Campos, também recebeu mais votos do que o militar Juarez Távora.

            Em novembro de 1955, após a eleição ser realizada, Café Filho é afastado do Governo após um ataque cardíaco. Assume o Presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, da UDN. A UDN tenta impugnar o resultado das eleições.

            Olha a falta de costume com a democracia neste País! Nós somos um País sem a mínima tradição democrática. Um Presidente eleito pelo voto do povo e há uma tentativa de golpe dentro do Parlamento. A UDN tenta impugnar o resultado da eleição sob a alegação de que Juscelino não obteve vitória por maioria absoluta dos votos. Isso aconteceu em 1970, na eleição do Presidente Allende, no Chile, que também não teve a maioria absoluta dos votos e a decisão era levada para o Parlamento. Mas o povo, na rua, queria ver a sua vontade prevalecer.

            A posse de Juscelino e do Vice-Presidente eleito, João Goulart, só foi garantida pelo Ministro da Guerra. No Chile, foi pelo povo nas ruas; no Brasil, foi pelo Ministro da Guerra, o General Henrique Teixeira Lott, que, em 11 de novembro de 1955, depôs o então Presidente interino da República, Carlos Luz. Suspeitava-se que o udenista Luz não daria posse ao Presidente eleito Juscelino Kubitscheck.

            Assume a Presidência o Presidente do Senado Federal, Nereu Ramos, do partido de JK, o PSD, que conclui o mandato de Getúlio Vargas que fora eleito para governar de 1951 a 1956.

            O Brasil permanece em estado de sítio até a posse de JK, em 31 de janeiro de 1956.

            Em fevereiro de 1956, ocorre a Revolta de Jacareacanga, um esboço de reação militar contra a posse de Juscelino Kubitscheck na Presidência do País. Três anos depois, nova rebelião contra Juscelino.

            Em 2 de dezembro de 1959 ocorre a Revolta de Aragarças, uma conspiração com a participação do mesmo grupo de Jacareacanga que havia sido anistiados por JK.

            O objetivo era iniciar um "movimento revolucionário" para afastar do poder o grupo que o controlava e cujos elementos seriam, segundo os líderes da conspiração, corruptos e comprometidos com o comunismo internacional.

            É bom lembrar que nós estávamos em plena guerra fria.

            Apesar das turbulências, Juscelino cumpre o mandato.

            Em 3 de outubro de 1960, Jânio Quadros é eleito pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos - a maior votação até então obtida no Brasil -, vencendo o Marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos. Porém, não conseguiu eleger o candidato a Vice-Presidente de sua chapa, Milton Campos. Quem se elegeu para Vice-Presidente foi João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro. Os eleitos formaram a chapa conhecida como chapa Jan-Jan.

            Finalmente, a UDN e os militares aliados chegam ao poder. Mas, logo perceberam que Jânio era um insubordinado. Tanto que Carlos Lacerda, Governador do Estado da Guanabara, percebendo que Jânio foge ao controle das lideranças da UDN, mais uma vez se coloca no comando de uma campanha contra Jânio, como havia feito com relação a Getúlio Vargas e tentado, sem sucesso, com relação a Juscelino Kubitschek. Não tendo como acusar Jânio de corrupto, tática que usou contra seus dois antecessores, decide impingir-lhe a pecha de golpista.

            No dia 21 de agosto de 1961, Jânio Quadros assina uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da multinacional americana Hanna e restituí as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pedem a renúncia de Quadros.

            Em um discurso no dia 24 de agosto de 1961, transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, Lacerda denuncia uma suposta trama palaciana de Jânio e acusa seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, de tê-lo convidado a participar de um golpe de estado.

            Na tarde de 25 de agosto, Jânio Quadros, para espanto de toda a nação, anuncia sua renúncia, que foi prontamente aceita pelo Congresso Nacional.

            Jânio Quadros alega a pressão de "forças terríveis" que o obrigam a renunciar, forças que nunca chegou a identificar. Com sua renúncia abre-se uma crise, pois os ministros militares vetam o nome de Goulart.

            Com a renúncia; Lacerda e os militares aliados pressionam o Congresso Nacional a não dar posse ao Vice-Presidente, João Goulart, cuja fama de "esquerdista" agravou-se após Jânio tê-lo enviado em missão comercial e diplomática à China, onde se encontrava no momento da renúncia de Jânio.

            A fama de "esquerdista" fora atribuída a Jango quando ele ainda exercia o cargo de Ministro do Trabalho no governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954), durante o qual o salário mínimo foi aumentado em 100% e é promovida a reforma agrária - atitudes consideradas "comunistas" pelos setores conservadores na época.

            Imaginem se nós considerarmos que em oito anos o salário mínimo cresceu 500%, 600%, um Governo que aumenta o salário mínimo, que amplia o poder de compra do trabalhador não resistiria no Brasil de 30 anos, 40 anos atrás.

            Com o impasse, assume provisoriamente Ranieri Mazzili, Presidente da Câmara dos Deputados, enquanto acontece a Campanha da Legalidade, comandada por Leonel Brizola, Governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango. Uma belíssima campanha!

            A solução chega com a adoção do regime parlamentarista, aceito pelos militares, pois reduzia os poderes presidenciais.

            Jânio assume, mas quem governa é o Primeiro-Ministro do Brasil, Tancredo Neves.

            A experiência parlamentarista, contudo, é revogada por um plebiscito em 6 de janeiro de 1963, depois de também terem sido Primeiros-Ministros Brochado da Rocha e Hermes Lima.

            O País volta ao presidencialismo. Com plenos poderes, Jango inicia a continuidade da política de iniciada no governo democrático de Vargas.

            A UDN e os militares aliados aceleram os planos do golpe que vinham amadurecendo aos poucos, retomando o discurso anticomunista.

            Fiz essa viagem no túnel do tempo para mostrar que o golpe militar de 1964 começa dez anos antes, em 1954.

            Getúlio Vargas abafou a primeira tentativa de golpe militar em 1954 com a sua própria vida.

            Em 1955, os militares tentaram impedir as eleições. Uma nova tentativa de golpe é impedida pela ação firme e corajosa do Marechal Henrique Lott, que garantiu a eleição e a posterior posse de Juscelino Kubitschek.

            Em 1961, com a renúncia de Jânio, os militares voltam à carga, novamente sem sucesso. A solução parlamentarista é um contragolpe em suas intenções.

            Em 1963, com a volta do sistema presidencialista, expressa pelo voto popular em plebiscito, os Governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, em conluio com chefes militares, iniciam o processo de desestabilização do governo Jango, contando com o apoio das elites e da imprensa.

            Finalmente, em 31 de março, quase dez anos após a primeira tentativa de golpe militar, os militares chegam ao poder e decidem não reparti-lo com os golpistas civis da UDN.

            Nesses 10 anos, conspiraram contra os avanços conquistados por Vargas, Juscelino e Jango as forças retrogradas da imprensa, do empresariado e da Igreja Católica em sintonia com militares e agentes do governo dos EUA.

            Lembro-me muito bem - e eu ainda era estudante da escola secundária - quando recebemos a visita do Embaixador Lincoln Gordon. Fomos recebê-lo no aeroporto, em Macapá, para. depois, ouvirmos uma palestra sua, no único anfiteatro da cidade, falando dos perigos do comunismo internacional, da possibilidade de o Brasil se tornar um País comunista onde os pais não teriam poder sobre os filhos, onde as religiões seriam proibidas. Na verdade, assustando uma comunidade isolada com um discurso absolutamente anticomunista, aterrorizando aquela população. Ele fez o seu discurso, tomou um avião e foi para outra cidade brasileira. Era uma pregação do Embaixador americano propondo um golpe militar, a intervenção militar.

            A partir daí, o País amargou 21 anos de ditadura. Contra a democracia, rasgaram a Constituição, fecharam o Congresso, cassaram mandatos, prenderam, torturaram e exilaram centenas, milhares de brasileiros.

            A tortura e a perseguição política se espalharam em todo o País. Ao longo de muitos anos, muitos patriotas, alguns dos quais hoje estão governando este País, como a nossa Presidenta Dilma Rousseff, passaram pelos porões da ditadura militar. É necessário que a gente relembre esses fatos. É necessário que as gerações que cresceram na democracia, de 1985 em diante, saibam que, para garanti-la, muitos brasileiros foram sacrificados, alguns deles nem estão aqui para contar a história.

            Aproveito para lembrar que o dia 31 de março é um dia de luto; foi o dia em que enterraram a democracia brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador João Capiberibe, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador João Capiberibe, V. Exª, ainda dentro de seu tempo, dispõe de oito minutos.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero solidarizar-me com a análise que V. Exª fez do golpe militar de 1964, com a maneira como historiou os principais personagens e, sobretudo, porque aqui assinala o anseio democrático do povo brasileiro. A democracia ali foi gravemente interrompida, mas, felizmente, nós conseguimos superar esse período, sobretudo através da resistência, da organização do povo, pela mobilização popular, pelas inúmeras campanhas e manifestações, como as Diretas Já, as campanhas para que houvesse anistia a todos aqueles que haviam sido condenados pelo regime militar, as diversas manifestações estudantis, como a passeata dos cem mil, que ocorreu ali no Rio de Janeiro, multiplicada por muitas outras cidades brasileiras. E esse anseio de democracia nos faz aqui, hoje, estar com muita vontade de aperfeiçoar o nosso sistema democrático. Muitas coisas ainda precisam ser realizadas para que tenhamos sempre à frente do Poder Executivo, tanto ao nível federal, quanto estadual e municipal, e, sobretudo, também nas Casas legislativas, pessoas que estejam comprometidas com o aperfeiçoamento da democracia, com a seriedade no trato da coisa pública, com a transparência. V. Exª, como governador e Senador, é um dos que tanto têm contribuído para tais propósitos, e, por isso, é muito importante que V. Exª aqui relembre o que foi a interrupção da vida democrática brasileira e, hoje, o fato de estarmos, felizmente, vivendo num regime democrático. Todos nós precisamos contribuir para o aperfeiçoamento das instituições democráticas do Brasil. Meus cumprimentos.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Suplicy.

            Eu queria lembrar-lhe que a volta de muitos brasileiros que estavam no exílio se deu em função dessas mobilizações, da exigência da opinião pública, do povo brasileiro para que se encerrasse a ditadura. Todavia, até hoje, ainda temos algumas seqüelas, e eu queria aproveitar suas palavras, antes de passar a palavra ao Senador Randolfe Rodrigues, para fazer um apelo à Presidenta Dilma Rousseff para que instale a Comissão da Verdade.

            O Brasil precisa saber o que nos aconteceu. Eu mesmo vivi uma experiência, e vivo ainda, obscurantista. O jovem Senador que está aqui sabe que eu era tratado como terrorista, comunista durante praticamente toda a minha vida política, pois as pessoas não têm as informações, não se sabe o que aconteceu nesse período difícil e longo da ditadura militar no Brasil.

            Passo a palavra ao Senador Randolfe Rodrigues.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Capiberibe, eu estou inscrito para falar exatamente sobre o mesmo tema. Fiz questão, em virtude de uma entrevista que tive que conceder, de permutar com V. Exª. Mas acho que, independente do acaso da entrevista me solicitar isso, nada mais ideal e adequado, porque quem tem mais autoridade para falar desse tema é V. Exª. V. Exª foi vítima de um dos períodos mais brutais e trágicos da história brasileira. E eu, na condição de historiador, não vivi, obviamente, os acontecimentos, mas minha geração de movimento estudantil teve duas inspirações: a primeira inspiração, a luta pela manutenção da democracia. A segunda inspiração, beber na fonte dos feitos realizados pela geração de V. Exª. E V. Exª tem um experiência que inspira as gerações atuais. Alguém que lutou pela democracia no Brasil, foi exilado em decorrência disso, foi para um outro país, que vivia uma das mais belas experiências democráticas do continente, e viveu lá também a ação do sequestro do sonho de milhões de chilenos de construir uma nação democrática e justa para os seus filhos. Foi exilado em virtude disso. Enfim, a história de V. Exª se confunde, e muito, com a história desse período de trevas, esse período trágico não só para o Brasil, mas para a América Latina. Por onde V. Exª passava, um golpe militar passava perseguindo V. Exª e todos que lutavam por justiça. Então, quis esse acaso ser mais adequado. O depoimento de V. Exª na tribuna é um depoimento com mais autoridade do que qualquer um daqui do Plenário deste Senado, porque V. Exª viveu, V. Exª esteve presente, V. Exª inspira gerações como a minha a continuar a luta pela nossa democracia, que ainda é frágil, não nos iludamos, é muito frágil e ainda precisa de muitas ações para a sua consolidação. É tão frágil que ainda vivemos o absurdo de ter alguns que acham que a data fatídica de ontem pode e deve ser comemorada. Portanto, quero cumprimentar V. Exª.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado. O Golpe Militar de 31 de março de 1964, que é comemorado todos os anos, é uma agressão ao Estado de direito, é uma agressão à democracia. Só a democracia permite esse tipo de manifestação, o que por si só é um valor fundamental.

            Assistimos, na quinta-feira passada, à manifestação no Clube Militar, e no outro lado da rua à manifestação daqueles que perderam seus entes queridos, daqueles que desapareceram e nunca mais foram encontrados.

            Com a palavra o Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Capiberibe, felizmente V. Exª trouxe o assunto a essa tribuna. Muitos dizem que deveríamos deixar passar essa data como se ela não tivesse acontecido. Ouvi até alguém dizer que foi um primeiro de abril e primeiro de abril a gente não leva a sério. Mas tem que levar a sério mesmo. Foram 21 anos de um regime de exceção, com conseqüências extremamente duras no que se refere à democracia. Obviamente os governos podem mostrar as obras que foram feitas, o salto na industrialização, mas ninguém pode esquecer que houve um regime de exceção com tortura, com assassinatos, com exílio, com o Congresso fechado. Ninguém deve esquecer isso, faz parte da própria história do Brasil e a história tem que ser lembrada. Muitos falam que já houve a Lei da Anistia. Anistia não é amnésia. São duas coisas diferentes, uma é punir os que cometeram os atos, essa é uma discussão; a outra é lembrar dos atos, e aí não há por que ninguém se envergonhar pelos atos que cometeram se fizeram em nome da Pátria. Que digam! Eu matei, eu torturei em nome da Pátria! Quem cometeu ato terrorista que diga: eu fiz em nome de um projeto para a minha Pátria! Mas a verdade tem que ser conhecida. Nesse sentido é preciso defender que o mais rápido possível seja implantada, como disse o Senador Randolfe, a Comissão da Verdade. O Brasil não tem o direito, com as gerações futuras, de ficar com uma comissão implícita da mentira, uma comissão implícita do silêncio. Precisamos de uma comissão explícita da verdade. E isso não tem nada a ver com punição daqueles que cometeram os atos, embora todos os outros países que votaram a democracia - Turquia, Grécia, Chile, Argentina -, todos tiveram suas punições. Mas aqui houve a opção pela anistia, mas não pelo esquecimento, não pela amnésia. O Brasil precisa saber tudo que aconteceu naquele período. Por isso, parabenizo o seu discurso.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Muito obrigado, Senador. Vou passar a palavra ao Senador Rodrigo Rollemberg e, em seguida, vou encerrar, contando a história da colunista Hildegard Angel, que escreveu uma crônica em que ela relata o encontro que ela teve, na quinta-feira, com a manifestação em frente ao Clube Militar. Senador Rodrigo Rollemberg.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - Prezado Senador Capiberibe, quero cumprimentar V. Exª, que traz com muita propriedade o debate desse tema. Tenho dito que um patrimônio da população brasileira é a conquista da democracia. Hoje, temos inúmeras divergências no cenário político nacional, mas não temos nenhuma voz relevante que defenda a volta da ditadura. Portanto, a democracia se transformou num patrimônio nacional. É claro que muitos foram responsáveis por isso e muitos tombaram na luta pela conquista da democracia para a população brasileira. Portanto, entendo que nós devemos, sim, em nome da história, em nome da importância do conhecimento verdadeiro da história para as futuras gerações, fazer com que essa verdade venha à tona. Nesse sentido, quero cumprimentar a Presidenta Dilma e dizer que o País está aguardando a nomeação dessa Comissão da Verdade. É importante que sejam pessoas extremamente respeitadas pela população e que possam fazer isso num ambiente de serenidade, de tranqüilidade, mas fazendo com que a verdade possa aflorar para que jamais, no nosso País, alguém possa pensar em atentar contra a democracia que hoje, sem dúvida, é o maior patrimônio do povo brasileiro. Muito obrigado, Sr. Presidente.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Obrigado, Senador. Eu queria encerrar, Presidente, primeiro agradecendo o tempo. Mas é duro esquecer essa história da colunista Hildegard Angel, que saiu da sua casa para um grande evento. Ela se produziu, como deve se produzir uma colunista social, ia passando em frente ao Clube Militar e viu aquela manifestação. Olhou e viu alguns cartazes com a foto da sua mãe e do seu irmão, que foram assassinados pela ditadura.

            Ela casualmente se deparou com esta situação, desceu do carro e foi acompanhar essa movimentação. Portanto, parece-me que não dá para simplesmente, como disse o Senador Cristovam, dar um ataque de amnésia na sociedade brasileira. Precisamos saber, não há nenhum sentido revanchista, absolutamente nada disso. O que se pretende apenas é que a sociedade brasileira conheça a história, saiba de fato o que aconteceu para que nunca mais volte a acontecer.

            Fico feliz porque a geração do Randolfe - uma geração angustiada, do ponto de vista político, sei disso, a geração da abertura, a geração de grandes movimentos de rua - escapou da prisão, da tortura, dos absurdos cometidos com muitos brasileiros. E devo dizer o seguinte: diz-se que a esquerda pegou em arma. Não! A repressão atingiu a todos indiscriminadamente. E eu destaco aqui o assassinato cruel do jornalista Vladimir Herzog e do operário Fiel Filho como um símbolo da brutalidade daquilo que nós não podemos nunca mais tolerar.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2012 - Página 10825