Pela Liderança durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação sobre as repercussões das contracelebrações do Golpe de Estado de 1964.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Manifestação sobre as repercussões das contracelebrações do Golpe de Estado de 1964.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2012 - Página 10832
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • CRITICA, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, REGIME MILITAR, BRASIL, LEITURA, DEPOIMENTO, PARENTE, VITIMA, DITADURA, SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO, VERDADE.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, pessoas que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, quero, continuando na linha que foi iniciada nesta tarde pelo Senador Capiberibe, falar sobre as repercussões das celebrações - vou abrir aspas para tanto - e contracelebrações do golpe de Estado de 1964.

            Quero fazê-lo, Sr. Presidente, destacando duas manifestações veiculadas pela imprensa esta semana. Uma, já citada aqui pelo Senador Capiberibe, é o depoimento de Hildegard Angel, irmã e filha de duas vítimas da ditadura militar, em relação à manifestação dos estudantes em frente ao Clube Militar do Rio de Janeiro.

            A força desse depoimento me chama a atenção. A força desse depoimento sintetiza o que significou aquela manifestação, assim como o que significou a reação àquela manifestação por parte de jovens que se dirigiram para a frente do Clube Militar.

            Tive acesso ao depoimento de Hildegard Angel, no Blog Repiquete no Meio do Mundo, da querida Alcilene Cavalcante, blog dos mais lidos no Amapá. Eu queria aqui destacar alguns trechos do depoimento de Hildegard Angel. Diz ela:

Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o “31 de Março” e contra a Comissão da Verdade.

            Mais adiante, ela fala:

Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: “Presente!”. Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o que mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão. Recuada, num degrau de uma loja de câmbio, ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do “corredor”, manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via.

            Mais adiante, diz Hildegard:

Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim, os PMs me viram. Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: “A senhora quer um copo d’água?”. Na mesma hora, o copo d’água veio. O segurança do Clube ofereceu: “A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro?“. “Ah, não, meu senhor. Lá dentro, não. Prefiro a calçada”. E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante.

            Conclui Hildegard:

A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E onde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em preto e branco? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações? Será esta a lição que nos impõe a história: delegar sempre a realização dos “sonhos impossíveis” ao destemor idealista dos mais jovens?

            Hildegard termina essa reflexão dela, esse comovente depoimento sobre a manifestação, Senador Cristovam, e a contramanifestação do Clube Militar do último dia 31 de março, fazendo este questionamento:

A quem ficará a tarefa da História de lembrar esses acontecimentos? Será que essa tarefa só caberá aos mais jovens? Será que essa tarefa também não é nossa?

            Eu vi V. Exª aqui, Senador Cristovam, aparteando o Senador Capiberibe, e vi o Senador Capiberibe com a autoridade com que se pronuncia por ter sido vítima desse período... Aliás, denominação equivocada se o tratarmos aqui somente como golpe militar, como diz o historiador Daniel Aarão Reis Filho: “A obra do golpe de Estado de 31...”. Eu prefiro dizer 1º de abril, Senador Cristovam, porque, de fato, historicamente, parece-me mais adequado à consolidação dos acontecimentos, porque, lembremos, foi aqui, no Congresso Nacional, na tarde de 1º de abril, que o então Presidente Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República, quando o Presidente em exercício, João Goulart, estava no pleno... E, assim, naquela noite de 1º de abril de 1964, havia sido advertido o Presidente do Congresso Nacional, pela carta encaminhada para cá pelo Chefe da Casa Civil do Governo Jango, Darcy Ribeiro, dando conta de que o Presidente da República estava em pleno uso de suas atribuições, deslocando-se de Brasília para Porto Alegre. Portanto, no âmbito do território nacional, e não poderia ter sido afastado do cargo.

            Portanto, prefiro aquela definição que denomina o golpe ocorrido como um golpe de Estado e não responsabiliza somente as Forças militares. Lembremos que, lamentavelmente, da triste cena daquele golpe, mesmo tendo sido depois vítima, o Congresso Nacional brasileiro dele participou. Foi o Congresso Nacional brasileiro que declarou vaga a Presidência da República, dessa forma ferindo frontalmente a Constituição em vigor, de 1946, quando o Presidente da República estava no exercício de suas atribuições em território nacional.

            Lembremos que as manifestações favoráveis ao golpe contavam naquela época com a ampla participação de massivos setores organizados da sociedade brasileira.

            Então, tem que ser feita a justiça. O golpe foi uma obra realizada a várias mãos, foi uma obra realizada contra a democracia brasileira.

            Outro artigo a que quero me referir é o artigo de ontem da jornalista Miriam Leitão, também na sua coluna do jornal O Globo. Quero concordar com o afirmado no disposto naquele artigo, em especial com a afirmação de que nós, agora, na democracia restabelecida sob a vigência do Estado democrático de direito, não podemos fazer a confusão do não punir previsto na Lei da Anistia de 1979 com o não saber. Nós não podemos apagar o ocorrido e não podemos deixar famílias...

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Nós não podemos fazer a confusão do não punir previsto na chamada Lei da Anistia com o não saber.

            A sociedade brasileira, a nossa redemocratização cometeu esse equívoco, realizou essa confusão quando não instituímos, já em 1988, uma comissão da verdade que investigasse os acontecimentos que envolveram mais de 500 brasileiros, uma lista de desaparecidos com mais de 500 brasileiros, fora outros tantos atingidos pelo exílio, atingidos pela censura, enfim, fora outros tantos que foram vítimas da longa noite de trevas que se abateu por 20 anos sobre a democracia brasileira.

            Então, nós não podemos continuar a ser motivo de constrangimentos internacionais. Agora, a Organização dos Estados Americanos condenou o Estado brasileiro em virtude da morte de Vladimir Herzog, e nós não conseguimos oficialmente deixar às claras o ocorrido naquela circunstância - Vladimir Herzog, Manoel Fiel Filho, todos envolvidos na Guerrilha do Araguaia. Enfim, centenas de brasileiros foram vítimas do período de exceção instaurado em 1964.

            Portanto, apresentei um requerimento e quero fazer aqui coro com o apelo feito há pouco pelo Senador Capiberibe, reiterado de sua bancada pelo Senador Cristovam Buarque e que, com certeza, é consoante com o conjunto desta Casa, que aprovou, por unanimidade, a instalação da Comissão da Verdade.

            Não podemos tardar mais. A Presidente não pode tardar mais em instalar a comissão, em designar seus membros. A não instalação é o triunfo das vozes do medo, e foi o triunfo do medo que aconteceu em 1º de abril de 1964.

            Foi o triunfo do medo o que aconteceu em 1º de abril de 64.

            Foi o triunfo do medo sobre a esperança de dias melhores para o Brasil que fez com que a sociedade brasileira, parte dela achasse que o melhor caminho seria quebrar a ordem democrática, o Estado democrático de direito que estava estabelecido.

            A melhor resposta que podemos dar à OEA é instalar a Comissão da Verdade iniciando as suas atividades.

            É uma resposta também a bravos combatentes como os procuradores da República, que recentemente moveram uma ação na Justiça Federal entendendo que o Sr. Curió, um dos notáveis e conhecidos torturadores da ditadura, que vive no sul do Pará, deve responder pelos crimes que cometeu. Por isso, moveram uma ação junto à Justiça Federal.

            Então, em nome disso, em nome do que já foi aprovado, peço a instalação já que estamos nessa data ainda próxima do aniversário, o que não pode ser celebração. Aliás, este é um equívoco: celebração não pode ser feita em relação ao 31 de março e 1º de abril. Celebração é a reafirmação de um conjunto de valores e convicções. Aquelas convicções não são para a vida brasileira. Mas a data não pode ser esquecida. Não pode ser esquecida, em especial, para que ela nunca volte a ocorrer. Não pode ser esquecida, em especial, para que ela nunca volte a acontecer.

            Para isso é fundamental, o quanto antes, por parte da Presidente da República, a instalação imediata da comissão que foi aprovada por unanimidade pelo Plenário deste Senado, a fim de que nós possamos pôr a limpo o que ocorreu durante o período da ditadura que se instalou no País. E mais do que isso: para que nós possamos fazer, de fato, a reconciliação nacional, porque não se faz qualquer tipo de reconciliação nacional quando o próprio País não faz a sua autopsicologia, não faz sua autocrítica pelo que ocorreu durante o terrível período de vinte anos da ditadura que estabeleceu a tortura, por exemplo, como crime de Estado.

            É a melhor resposta que podemos dar à OAE; é a melhor resposta que podemos dar à nossa história a instalação, o quanto antes, o quanto mais breve, da comissão da verdade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2012 - Página 10832