Discurso durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei da Câmara 7.672, de 2010, conhecida como a Lei da Palmada.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Defesa da aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei da Câmara 7.672, de 2010, conhecida como a Lei da Palmada.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2012 - Página 10841
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, OBJETIVO, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, APRESENTAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, INTERPRETAÇÃO, NORMAS, REFERENCIA, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, PAIS, AGRESSÃO, LESÃO CORPORAL, MOTIVO, EDUCAÇÃO, FILHO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o que me traz, hoje, aqui, de certa maneira, é um apelo que quero fazer aos nossos Deputados Federais.

            Muitas vezes, o nome de uma coisa determina o que a coisa é para nós. Isto acontece muito, Senador Presidente, em relação às leis: coloca-se um nome em uma lei, e as pessoas passam a ver aquela lei conforme aquele nome. E isso inviabiliza certas leis.

            Uma lei, Senador Aloysio, de origem do Executivo, que tenta regulamentar o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente de maneira que evite violências caiu no uso da população com o nome de Lei da Palmada e com a ideia de que qualquer pai que, por acaso, um dia, querendo colocar ordem em casa, faça um agrado desses que se faz com uma pancadinha vai ser preso.

            Apesar dessa deformação na ideia da lei - e vou ler como é o artigo -, a lei avançou, avançou, avançou e terminou o seu processo na Câmara; estava pronta para vir para cá, quando um grupo de Deputados, na verdade cinco grupos de Deputados, cinco iniciativas diferentes, pediram para levar isso para o plenário.

            Por um lado, é interessante levar projetos de lei para o plenário, pois permite um debate maior. Mas, neste caso, significará um adiamento maior que ninguém sabe por quanto tempo e de uma lei que o Brasil precisa desesperadamente, porque, no ano de 2010, 18 mil crianças sofreram violências graves no País, Senador Alvaro, ou seja, aquelas que a gente toma conhecimento, inclusive assassinatos, como vemos na televisão e nos jornais. E o Brasil é campeão mundial em violência contra criança.

            Precisamos levar adiante esse projeto que visa regulamentar a maneira como as violências ao serem ocorridas são tratadas. E vou mostrar como elas serão tratadas, para ver como a lei é branda ao que se propõe.

            Primeiro, o que se propõe? Acrescentar um artigo 17-A no Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz:

A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.

            Quem é que pode ser contra isto? Depois eu fecho a definição de cada uma dessas coisas. Quem é que pode ser contra a ideia de que a criança tem que ser protegida contra o uso de castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto?

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se

(...)

I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.

           O problema é a palavra “dor”, porque, quando se diz uso da força que resulte em lesão, ninguém tem dúvida. A dúvida é quando coloca “dor”. Será que alguém acredita que um pai ou uma mãe será punido porque puxou a orelha, como fazia há pouco o Senador Aloysio e, ao puxar a orelha, teve dor? Não. Mas vamos supor que seja. Vamos supor que haja uma exceção tal que uma criança possa chegar, ela própria, a denunciar os pais ou alguém. Sabe qual é a punição?

Art. 18-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis, agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou proteger crianças e adolescentes que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:

I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

[Alguém é contra encaminhar uma pessoa que cometeu um ato, mesmo simples, a programa oficial ou comunitário de proteção à família?]

II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;

V - advertência

            Será possível que alguém ache que essas - chamemos - penalidades são graves suficientes para impedir a aprovação de uma lei que visa, sobretudo, a evitar lesão contra as crianças, crueldade contra as crianças? Será que alguém acha que, pelo fato de um puxão de orelha provocar uma dor, se por acaso alguém achar que essa dor levaria à punição de acordo com o art. 17-A, será encaminhado para uma advertência, para um apoio psicológico? Será que alguém acha que vale a pena impedir a aprovação de uma lei apenas por essa simples desconfiança que dificilmente acontecerá? E, se acontecer, não trará nenhum constrangimento que possa significar algo ruim para o adulto que provocar essa dor.

            Quero lembrar que não faz muito tempo o Brasil usava palmatória. E o uso da palmatória virou crime no País. Alguém acha que um professor, no momento em que foi proibida a palmatória, seria punido por puxar a orelha de um aluno? Hoje em dia talvez seja, mas quando eu era menino não seria punido. Nenhum país, hoje, que eu saiba, tem a ideia da palmatória, pelo menos país civilizado. O último, aliás, a acabar com a palmatória na escola foi a Inglaterra. E faz pouco tempo: em 1989! Pouquíssimo tempo. Não há mais palmatória nas escolas. Como ainda insistimos em deixar que, para permitir pequenos constrangimentos físicos que um pai possa fazer, como um puxão de orelha - volto a insistir por sugestão do Senador Aloysio, que fez um gesto aqui -, por causa dessa margem que a lei daria à interpretação falsa, justifique impedir uma lei que visa parar a crueldade, o assassinato, a pancada nas crianças do Brasil?

            O principal motivo para crianças saírem das escolas e irem para a rua é a violência doméstica. A principal causa de crianças na rua é o desejo de fugir da violência doméstica, e nós não temos uma lei - nem mesmo o Estatuto da Criança, como está hoje, contempla isso - que proteja as crianças contra essas violências, que provocam baixa aprendizagem, provocam desajuste social.

            Eu quero aqui, Senador, como eu dizia, fazer um apelo, em nome das 18 mil crianças que sofreram violência no ano passado, de um total de 55 milhões de crianças que o Brasil tem. Em nome dessas crianças, quero fazer um apelo aos Deputados que assinaram um documento pedindo que a lei não viesse para o Senado antes de passar por um debate, interminável provavelmente, no plenário. Faço um apelo a esses Deputados: que afastem essa preocupação que eles têm porque ela é infundada. Não há o risco de ninguém ser preso, porque aqui o máximo que se faz é uma análise psicológica, no caso de gravidade. No caso das simples ações que os pais às vezes tenham de praticar, sem crueldade, sem dor... Dor é uma coisa muito variável, mas, quando se diz dor aqui, é dor, não é um incômodo que possa sofrer uma criança. Por favor, não deixem essa lei continuar no Congresso sem ser aprovada! Vamos dar este recado ao mundo de que este é um País civilizado, que não apenas não usa palmatória nas escolas, coisa que já abandonou há bastante tempo, mas também não aceita a ideia de que educação se faz com base em pancada sobre criança. É um apelo que eu faço e que complemento.

            Acreditando que esse apelo será ouvido - e eu o farei pessoalmente a cada Deputado que assinou o documento -, eu peço que, quando chegar aqui o projeto de lei, nesta Casa o assunto seja examinado com a rapidez de que o Brasil precisa. Não podemos continuar tolerando o Brasil ser campeão mundial de violência contra a infância. E isso exige leis, isso exige cuidados - nem disse punição - com aqueles que fazem ligeiros gestos que podem passar incomodo à criança, que é diferente de dor.

            E não toleremos nenhuma daquelas violências cruéis, às quais estamos quase ficando insensíveis, de tanto ver noticiários pela televisão, pelos jornais, e ouvir pelas rádios.

            Vamos parar com essa insensibilidade que está tomando conta da sociedade brasileira diante da violência contra as crianças. Não podemos continuar insensíveis a isso. E uma das maneiras de não sermos insensíveis é tentar gestos que deem um basta ao uso de violência contra crianças.

            Esse projeto de lei é uma das maneiras. E nós não podemos demorar mais a aprová-lo. E a maneira de dar avanço é considerar aprovado na Câmara dos Deputados, como foi em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça. Não há justificativa para que isso vá a plenário.

            Aqui fica o meu apelo aos Deputados da Câmara dos Deputados que estão tentando impedir que o projeto venha ao Senado, em nome das crianças, sobretudo essas 18 mil que sofreram violências graves no ano passado. Vamos aprovar o mais rápido possível essa lei, que não é Lei da Palmada. É lei da violência cometida contra infância. Lei que barra a violência contra a infância. E é o nome que deveria ter sido desde o primeiro momento e que terminou sendo, pela chacota até, chamada Lei da Palmada.

            Fica aqui, Sr. Presidente, a minha fala com o meu apelo aos Deputados e também a nós, colegas Senadores, para que façamos com que as crianças do Brasil tenham instrumento de proteção contra a violência, pois estamos ficando insensíveis a ela, de tanto que acontece no nosso País.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2012 - Página 10841