Discurso durante a 49ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Desencanto com a política brasileira, com críticas ao comportamento do Congresso Nacional.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ESPORTE.:
  • Desencanto com a política brasileira, com críticas ao comportamento do Congresso Nacional.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2012 - Página 10311
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ESPORTE.
Indexação
  • FRUSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, REFERENCIA, AUSENCIA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, TRANSFORMAÇÃO, PAIS, ANALISE, CRISE, IDEOLOGIA, POLITICA PARTIDARIA, CRITICA, PARTIDO POLITICO, APOIO, GOVERNO, ADESÃO, LIBERALISMO.
  • CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, AMBITO, ESTADIO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, BRASIL.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Wellington, ontem, aqui, no plenário, fui surpreendido por uma observação a meu respeito da Deputada Federal Jô, do PCdoB. Ela se aproxima de mim e faz um comentário: “Requião, o rebelde sem causa”. Eu fiquei preocupado com essa avaliação, porque, na verdade, esse comentário deve ser devido às críticas que eu tenho feito ao Governo. E, quando faço essas críticas, eu as faço sempre numa perspectiva positiva, de colaboração.

            A respeito do comportamento do Congresso hoje, eu tenho uma avaliação que considera esse comportamento mais ou menos autista, distanciado da realidade das coisas. Então, essas considerações que vou fazer agora de certa forma pretendem responder e dizer qual é a minha avaliação dessa situação toda do capitalismo financeiro, do comportamento do Congresso e do Governo do nosso País.

            Faz quase um ano que morreu, em Paris, o escritor espanhol, militante e escritor Jorge Semprún. Ele foi um dos intelectuais e dirigentes políticos mais fascinantes do século passado e início deste século. Lutou na Guerra Civil Espanhola contra fascistas; participou da Resistência Francesa contra o nazismo; conheceu os horrores do campo de concentração de Hitler, ao ficar preso em Buchenwald. E, por muitos anos, correndo o risco da prisão, tortura e morte, foi o dirigente do Partido Comunista da Espanha ditatorial do Generalíssimo Franco.

            Quando já estava no fim da vida, perguntaram a Semprún se ele se arrependia de alguma coisa. Ele mesmo, então, formula essas perguntas que vou descrever e responde: “Arrependo-me e renego ter sido militante do comunismo stalinista?” A pergunta, ele formula e ele responde: “Não. Creio que, naquele momento, havia uma justificativa para tal”.

            Outra pergunta: “Arrependo-me de não ter saído do Partido Comunista em 56, ano dos movimentos antistalinistas populares na Polônia e na Hungria?” Responde: “Não. Porque sou espanhol. Se fosse francês, teria sido o momento de romper. Mas, na Espanha, quaisquer que fossem os crimes de Stalin, lutar com o Partido Comunista contra Franco valia a pena”.

            Por fim, querem saber se a palavra de ordem “o bem é roubar o pão e reparti-lo bem, usada pelos prisioneiros de Buchenwald, continuava válida?” Ele responde: “Não. Essa fórmula não a repetiria hoje. No entanto, o bem, desde sempre, é repartir. E é sempre possível repartir melhor. O absurdo da situação é que se pode repartir melhor". E não se faz.

            Essas reflexões finais de Jorge Semprún deveriam dar o que pensar a todos os que se dizem de esquerda em nosso País, especialmente ao partido que, com frequência, reivindica, se não o monopólio, pelos menos a coautoria da posição.

            Sou um homem de esquerda. A vida toda fui um homem de esquerda. Politicamente, nasci na esquerda. E, se fosse o caso de fazer alguma confissão, também diria que não me arrependo de, por cinco vezes, ter votado no candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República. Votado e feito campanha, porque, em cada uma daquelas eleições, era o que havia a fazer. Em que pesem os Paloccis, os Meirelles, a política econômica conservadora, o caixa dois, também carinhosamente chamado de "mensalão", não me arrependo. Era o que havia a fazer naquele momento. Mesmo que divergisse de alguma coisa, era o que havia a fazer.

            Hoje, é outra coisa que devo fazer. Agora, devo cobrar, duvidar, criticar, desconfiar e com frequência, votar contra no Plenário do Senado Federal.

            O meu respeito à Presidenta Dilma está acima de qualquer dúvida. E é por isso mesmo que tenho questionado o PT, abertamente e, às vezes, desabridamente. Houve um tempo em que, para não dar argumento à direita, evitei criticar o PT. Aquela história de não dar armas, Senador Cristovam, ao dito "inimigo de classe".

            Leandro Konder, no seu livro sobre Walter Benjamin, falando sobre o processo de descaracterização dos partidos de esquerda, nas primeiras décadas do séc. XX, capturados pelo reformismo, pelo economicismo e pelo pragmatismo, observa: "Quando a esquerda evita falar sobre os seus próprios erros e se recusa a discuti-los à luz do dia, ela não está, afinal, se protegendo da direita: está protegendo o conservadorismo que conseguiu se infiltrar no interior dela mesmo".

            Alguém tem dúvida de que a citação ajusta-se com perfeição à esquerda brasileira hoje, especialmente à esquerda acantonada no Partido dos Trabalhadores, ou no PCdoB, ou mesmo em meu partido, esta frente heterogênea que é o meu PMDB? Não há dúvida. E alguns acham isso uma virtude, que a esquerda brasileira foi abduzida também pelo economicismo, pelo pragmatismo, pelo determinismo. Não digo pelo reformismo, porque ela é, há muito tempo, essencialmente reformista, tendo abandonado qualquer veleidade revolucionária.

            Aqui, cabe muito bem, Senador Cristovam, outra referência ao livro de Leandro Konder. Falando sobre a transformação que sofreram os socialistas no início do século passado, ele diz que a esquerda europeia avança cada vez mais, levada a pensar em tempos empíricos ou pragmáticos, abandonando a dimensão filosófica, inquietante e radical, da reflexão de Marx. Novamente, nosso retrato em branco e preto. Empíricos e pragmáticos, cortamos laços com a ideia de transformação da sociedade brasileira, que em um dia tão distante cultivamos.

            Quando falo, citando o escritor, em dimensão filosófica inquietante e radical, não estou propondo a ninguém pegar em armas. Quando falo em revolução, não estou concitando ninguém ao levante. A direita pródiga em mistificações buscou sempre associar a palavra “revolução” à luta armada, à violência, mediocrizando, circunstanciando a ideia de transformação, de mudança da sociedade.

            Foram-se os tempos dos grandes debates, do terçar de ideias, da esgrima filosófica. A grande política vê-se confinada aos livros, presa às letras ou arquivada na alma e na memória de algumas pessoas. A grande política foi escorraçada do Parlamento, corrida dos sindicatos, anatematizada pela mídia, apequenada pela academia, distanciada da juventude; e parece sobreviver quase que apenas nos debates da Internet. Estamos vivendo aqueles tempos tediosos de que falava Marx, tempos em que dias parecem condicionar séculos, arrastando-se monotonamente, mediocremente, nada de notável acontece. Tempos em que, para alguns, cessam todas as dúvidas, porque a história acabou, porque a luta de classes acabou, porque todas as contradições acomodaram-se com o triunfo final do capitalismo; tempos, para outros, de angústia, de pessimismo, tempos desanimadores.

            Tomás de Aquino, na alta Idade Média, olha para o mundo e lhe parece que o mundo está resolvido. As heresias, sufocadas; as ilusões de um cristianismo popular, desfeitas; a Igreja e o Estado, cabeças duplicadas em um mesmo corpo, e o doutor da Igreja não resiste em proclamar que a humanidade a que se acantonava na Europa Ocidental, diga-se, chegara aos seus dias de glória, de máximo fulgor e progresso. Daí às excelsitudes celestiais, um Pai Nosso e uma Ave Maria.

            Essa tentação de decretar o fim da história, de considerar esgotada a capacidade do homem de criar e de avançar é recorrente. Tentações à esquerda, Senador Wellington, e à direita, a que não resistiram os sucessores de Stalin, ao proclamarem a União Soviética como o Estado de todo o povo, e o Partido Comunista, como partido de todo o povo, imaginando vencidas as contradições de classe; em consequência, a luta de classes, naquele imenso naco do Planeta. Terrível engano, com trágicas consequências, como se viu, como se vive.

            Mutatis mutandis, do mesmo lado do muro desmoronado, Reagan e Thatcher, orquestrando patéticos presidentes latino-americanos e caricatos dirigentes do leste europeu, cultivaram a mesma ilusão e festejaram o triunfo final e perpétuo do capitalismo.

            Foram poucos, são muito poucos os que não aceitam o fim das contradições de classe, que não aceitam o fim das ideologias, que não aceitam essa simplicidade rasa, fronteiriça, que decreta a morte do conceito de esquerda e de direita, o que parece que ocorre aqui, no Senado, como ocorreu na votação desse Funpresp, que consagra investimento no capitalismo liberal, mesmo com a crise da bolsa de Nova York, que atinge o mundo inteiro.

            Um parêntese.

            Dia desses, um notório torturador, assassino de não sei tantos quantos militantes à época da ditadura militar, disse que se opunha à Comissão da Verdade, porque cessara a luta entre a esquerda e a direita, que a guerra fria se fora, que o País vive uma democracia e que somos todos democratas indistintamente.

            Já perto da morte, tomado pelo câncer, François Mitterrand, depois de 14 anos na Presidência da França e de duas coabitações com primeiros ministros conservadores e sob pressão cada vez mais intensa do avanço neoliberal, adverte a esquerda e tenta desiludi-la quanto aos compromissos democráticos da direita. Dizia ele que a direita sempre considerou o poder como propriedade sua, um direito natural e que a eventual ascensão da esquerda era uma usurpação desse direito. Logo, se a esquerda, eventualmente, ascender ao poder, a direita vai exigir dela que se cumpra o seu programa, o programa da direita, porque só ele e apenas ele tem legitimidade.

            Fiz essa longa digressão para confessar o meu desencanto com a política brasileira, com os dias que correm, com a geleia geral em que se transformou o próprio Senado, através do PT, do PCdoB, do PSB e do PDT, partidos em hipótese de esquerda, que deram uma clara demonstração disso há três dias, quando, num comportamento autista, votaram um fundo de investimento no mercado num momento da crise do fim do capitalismo financeiro. E parecem não perceber a crise em que vivemos, depois de um ano com 2.75 de crescimento do PIB, depois do momento em que temos o chamado colchão das reservas de R$300 bilhões ou de dólares, sei lá quanto, mas que não levam em consideração o capital volátil que entra e que pode sair a qualquer momento, que, numa análise bem feita, do Plínio de Arruda Sampaio Júnior, do filho do velho Plínio, que vi outro dia na Internet, significa um déficit na conta de US$700 bilhões entre o que pode sair de um momento para outro e o que pode ser calçado pelas reservas brasileiras. Parece que não perceberam ainda que, nos últimos 30 anos, o Brasil está se desindustrializando com as políticas liberais. Parece que não escutam o grito da Abimaq. Nós, em 1980, tínhamos uma produção industrial superior à dos tigres asiáticos: da Tailândia, da Malásia, da Coreia do Sul e da China juntos! Hoje, não chegamos a 15% do produto industrial desses países. Parecem não perceber a inadimplência nos créditos privilegiados dos bancos, como o cheque especial e os cartões de créditos, que chegam hoje talvez a 17,5%; parecem não perceber a crise que nós estamos vivendo com a falta de uma política séria, com a contenção do ingresso do capital vadio na bolsa; parecem não entender a política de terra arrasada das importações com o dólar barato. O Congresso autista! E, de repente, uma amiga militante do PCdoB transforma toda a minha atuação, tenta resumir minha atitude de crítica, de construção e de alerta no Congresso Nacional em uma rebeldia sem causa.

            Fica aqui o meu protesto, a minha advertência e a minha decepção. Que momento triste vive a política brasileira, quando a esquerda e o antigo PSDB liberal se confundem em uma votação maciça em proposições rigorosas e absolutamente inadequadas; quando, Senador Cristovam, a preocupação da educação desaparece; quando se discute, aleatoriamente, bandeiras corporativas de 10% do PIB para a educação, sem se dizer para quê, para que projeto e o que se pretende realmente fazer. Reivindicações tolas, corporativas, desideologizadas. Dez por cento ou mais de 10%? Porque o futuro do País depende do preparo das massas e da juventude, mas com projeto, não apenas com recursos a serem dispersos, a serem dissolvidos sem nenhuma proposta concreta. É a desideologização das corporações. E o corporativismo, Senador Demóstenes, nada mais é do que a manifestação coletiva do individualismo, uma espécie de liberalismo, de valorização do pessoal sem uma visão global, holística da economia. Uma visão que falta, decididamente, ao Congresso Nacional, comutando absurdos, como essa briga tola de liberação da bebida em estádios.

            Ora, essa história de proibir a bebida já fracassou nos Estados Unidos e na Rússia. Tiveram de voltar atrás em determinado momento. Da proibição surgiram a máfia americana e a máfia russa. Bebida é um processo cultural que começa no vinho da Igreja, simbolizando o sangue do Cristo. Daí a associar a higidez, a saúde, num campo de futebol ao consumo da bebida é um absurdo total. Proibir é estupidez, mas estimular é crime. Estimular depois que o país proibiu é uma tolice total, é a subserviência ao interesse do capital e ao interesse do negócio.

            A minha amiga Deputada Jô, do PCdoB, diz que sou um rebelde sem causa. Qual seria, então, a causa dela? Com a palavra o Senador Cristovam para um aparte.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Requião, quero agradecer o privilégio de ter assistido a esse seu discurso. O único defeito, talvez, do seu discurso é o de que, ao dizer que está desencantado com a política, o senhor está me encantando para a política, porque eu também tenho estado desencantado. Seu discurso, tanto a parte lida, pela sua lucidez, construída numa reflexão, quanto a parte espontânea com que o senhor complementou, precisa ser distribuído para todos nós, precisa ser levado para muita gente. Segundo, quero dizer que, quando falta uma causa à rebeldia, a rebeldia é a causa. Prefiro mil vezes um rebelde sem causa do que um acomodado com todas as causas do mundo. Então, quero parabenizá-lo pela sua rebeldia, que inclusive tem causa, sim. Mas o que acho importante no seu discurso é a constatação de como os partidos estão nus. Não vamos falar dos partidos do lado de lá, porque eles têm o direito de estarem vestidos como quiserem. Estou falando dos do lado de cá, que o senhor citou, inclusive o meu, e assino embaixo, que está nu também. Num desses dias, me perguntaram se ainda existe esquerda e direita. Peguei uma frase do ex-Deputado Fernando Lyra, que disse: “Não sei se existe esquerda ou direita, mas ainda existe o lado de lá e o lado de cá”. E eu prefiro chamar o lado de cá de esquerda, como o senhor também. Outros chamem como quiserem. O lado de cá é o lado que não aceita a política da biruta de aeroporto, que fica com o nariz sentindo para onde vai o voto, para onde vão as forças daquele instante, e fazem leis para isso. Hoje, nós estamos com política de birutas de aeroporto. Eu prefiro a velha política da bússola definindo o rumo, e às vezes, quando ao redor está todo mundo contra, a gente continuar nessa direção traçada por aquilo que o senhor disse muito bem que alguns negam que existe, chamado ideologia. É uma estupidez muito grande dizer que não há ideologia, porque dizer que não há ideologia é uma ideologia, é um conjunto de ideias que estão, aí, dizendo que não há ideologia. Isso é uma ideologia. É claro que há uma ideologia. É a ideologia que olha o processo político pensando no lado de lá de uma ponte que nós temos de atravessar para chegar a uma nova parte da história do Brasil. É isso que está faltando. Nossa política, hoje, vê a ponte de transição de um momento para outro como se a ponte fosse eterna, como o fim da história, como o senhor citou. Lamentavelmente, nossos partidos estão achando que não existe uma outra margem aonde chegar. Nós atravessamos algumas margens neste País. Atravessamos a margem da escravidão para um Brasil sem escravos, embora nas mesmas condições sociais, porque faltou complementar. Nós atravessamos a ponte do Império para a República. Nós atravessamos a ponte de uma sociedade, de uma economia agrícola e rural para uma economia industrial e urbana. E paramos. Paramos, enquanto o mundo inteiro está mudando e tem, do lado de lá, uma outra margem onde chegar: a margem de uma indústria baseada no conhecimento; a margem de um processo econômico respeitando o meio ambiente; a margem de uma sociedade onde ninguém fique excluído socialmente; a margem onde a política financeira seja subordinada aos interesses do processo econômico voltado para o futuro do País. Esse lado de lá da margem histórica é o que nos une no nosso lado, porque eu me sinto do seu lado, o lado de cá, que a gente pode chamar de esquerda. Existem, é claro, política e político que olham o processo de fazer política querendo levar o País para uma outra margem da sua história e políticos que se acomodaram com essa margem. Esse lado dos que se acomodaram a gente pode até dividir em alguns blocos: os conservadores decentes, que dizem que terminou a história e que a gente só precisa administrar bem o País, e não mudar o País; e os indecentes fisiológicos, interessados em ocupar cargos apenas para tirar proveito próprio, os corruptos. Eu até separo os conservadores decentes dos outros, mas tem de haver um grupo não conservador, e não conservador cheio de rebeldia. Nesse sentido eu lhe parabenizo porque, de fato, o senhor é um rebelde. Isso é uma qualidade, isso não é um defeito, como alguns querem colocar. Essa outra margem da história vai precisar de redefinição. Estou de acordo, não é a velha esquerda que vai nos dar a bússola. Não é. Salvo algumas coisas fundamentais, como o direito do povo. A democracia, que não é uma coisa da direita, a democracia é uma coisa da esquerda. Não daquela velha esquerda que aceitava e queria partido único, que queria impedir liberdade de imprensa, mas daquela que defende liberdade de imprensa e pela qual a gente foi para a rua durante o regime militar. Nós fazemos parte desse bloco, Senador Requião. E eu me sinto honrado não só de estar testemunhando seu discurso, mas de estar do seu lado, esse lado que não tem medo de dizer: “Nós somos o lado da esquerda, querendo fazer o Brasil atravessar a ponte da transição em direção a uma nova sociedade que passe por reformas estruturais profundas, e não apenas por pequenos arranjos, como hoje se tenta fazer”. E esses partidos que o senhor citou, que têm origem na esquerda, deixaram de ser partidos do ponto de vista de tomar posição sobre o futuro do País, viraram siglas. O Brizola criou uma sigla, o PDT, para servir a um partido: o partido da esquerda trabalhista. Esse partido, do qual eu faço parte, como filiado, se transformou em sigla apenas, deixou de ter um credo. Não temos credo. Estamos aí esperando para ter cargo em governo, em vez de estarmos aí dizendo que não precisamos de cargo para defender o que for bom deste Governo, porque este Governo, apesar de tudo, é do nosso lado. Isto é importante dizer. Apesar de tudo, faz parte do lado de cá. Nós estamos aí sem precisar de cargo e sem adiantar cargo para apoiar coisas erradas. Eu fiz questão de dar aqui a minha manifestação de voto sobre esse fundo, que foi votado atabalhoadamente. Aliás, não foi votado. Perguntaram quem estava contra; quem não se mexeu estava a favor. Eu aí pedi a palavra e dei a minha posição sobre os riscos que isso significa. O risco de desmoralização da carreira do serviço público, deixando de atrair os bons quadros; o risco da quebra do sistema financeiro que vai administrar o fundo, com centenas de bilhões de reais; o risco de estarmos colocando na miséria milhões de jovens hoje quando ficarem velhos e forem aposentados; o risco da ilusão que criaram de que haverá uma rentabilidade de 5%, ao longo de 30, 40 anos, quando não existe isso. Fiz questão de dizer. Mas por que saiu esse fundo? Porque apenas querem arrumar as coisas, que estão desarrumadas, e porque precisam resolver o problema de um déficit. Mas não é uma questão de arrumar. É uma questão de transformar.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Querem arrumar a crise do capital.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Querem arrumar a crise circunstancial, imediata e conjuntural do capital, e não fazer as transformações estruturais que a gente precisa. Eu, mais uma vez, digo que fico feliz de estar ouvindo um discurso como o seu e que isso ajuda a diminuir o desencanto, pelo menos de quem assiste. Não sei se o seu, que não assiste, que faz o discurso. Fique certo de que esse desencanto não pode tirar a sua fala daqui, não pode diminuir a sua rebeldia. Isso é que é fundamental. Política sem rebeldia não é exatamente política. É acomodamento e tirar proveito pessoal. Quando eu não tiver nenhuma causa para ser rebelde, vou ser rebelde só pela causa da rebeldia. E acho que o senhor também pensa assim.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senador, na verdade, eu sigo o paradigma de um cidadão italiano que, disseram-me outro dia, era tio-avô do Senador Wellington Dias, que é o Antonio Gramsci.

            O SR. PRESIDENTE (Wellington Dias. Bloco/PT - PI) - Tomara.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Pessimista na análise, otimista na ação.

            Agora, quanto a essa história de esquerda e direita, a esquerda, Senador, é a solidariedade; a esquerda é o amor, a empatia com a população, com os mais pobres. A esquerda é a integração num processo nacional. A direita é o egoísmo, o corporativismo e a sua manifestação coletiva.

            Somos de esquerda sim. E somos dialéticos. Nós não podemos nos subordinar a equívocos da esquerda organizada no passado. Nós temos que evoluir nesse processo. Agora, quando, de repente, eu vejo Senadores no plenário dizendo que a evolução é apoiar o capitalismo financeiro, que isso é a “mudernização” - esse tom de modernização com “u” -, eu fico simplesmente escandalizado. Confunde-se PT com PSDB no plenário. São a mesma coisa. A política econômica é a mesma coisa.

            Agora, o otimismo surge quando a nossa Presidenta, na Índia, provavelmente inspirada por algum brâmane, diz que volta ao Brasil para tomar medidas sérias e fortes porque está tomando consciência da crise que estamos vivendo.

            Continua o PT a ser iluminado pelo Meirelles. O PCdoB, que diz que sou rebelde sem causa, trafegando pela mesma senda como um jumento amestrado na trilha de volta para a baia. Não é possível que o raciocínio, a inteligência crítica, tenha desaparecido. Talvez eu esteja errado, seja uma paranoia minha, mas lembro sempre a frase do meu amigo Millôr Fernandes: “Não é por eu ser paranoico que eu, necessariamente, esteja errado”.

            Presidente Wellington, obrigado pela concessão do tempo. É o tempo clássico das sextas-feiras e das segundas-feiras, quando tão poucos Parlamentares estão no nosso plenário.

            O SR. PRESIDENTE (Wellington Dias. Bloco/PT - PI) - Meu querido Senador Roberto Requião, quero, na verdade, também lamentar que esse seu pronunciamento tenha sido feito com tão poucos Senadores, mas dou graças a Deus que temos hoje a TV Senado e a Rádio, apesar de estar tirando das ondas curtas, mas, pelo menos, ainda temos outras formas de transmissão.

            Quero lhe dizer que precisamos ver os mais rebeldes. Que bom que V. Exª é rebelde. Aprendi a conhecê-lo e a admirá-lo como rebelde. No dia em que V. Exª não o for, eu posso ficar decepcionado, porque é outro Requião.

            Quero lhe dizer, também como disse aqui o Senador Cristovam, que acho que precisamos transformar essa decepção, que é natural, é o primeiro momento que vivemos... Eu não posso dizer que, muitas vezes, não tenho também minhas decepções. Mas, vejam, se todos os rebeldes, pela sua decepção, pelo seu desencanto, saírem de campo, o que fica? Eu acho que essa é a reflexão que temos que fazer.

            Veja os partidos. Que partido está mesmo empenhado em trabalhar com clareza os rumos de um país como o Brasil, pela força que tem o Brasil, em impulsionar para o rumo certo o próprio Planeta? Dar, a partir de um rumo, de um eixo, de uma bússola, como lembra o Senador Cristovam, a formação adequada a seus filiados? Que partidos estão mesmo fazendo essa formação para os seus filiados? Veja que, no regime militar, conseguíamos ter mais formação, mais troca de experiências, de ideias, quando tudo era mais difícil, quando tudo era mais difícil.

            Também acho que, se temos a clareza de novas causas, de novas bandeiras, vamos ter que abraçar. Falávamos hoje aqui da Rio+20. Qual é mesmo o rumo que o Planeta deve seguir para os desafios na área das mudanças climáticas, etc.?

            Em relação ao que V. Exª coloca aqui do acumulado capitalismo, eu olho com muita animação e fico até triste em ver que deu uma desanimada, nos últimos dias, o movimento do 1% contra os 99%, movimento de jovens, de pessoas de diversas formações, com um grito em relação a essa concentração colocada no Planeta. Todos nós sabemos que o Planeta não aguenta esse modelo de consumo ilimitado e de concentração de renda, ferindo a própria democracia, a concentração de poder. Eu acredito que tudo isso temos de debater.

            Mas me permita apenas discordar da questão, e não é por nada que V. Exª possa pensar. Veja, é exatamente por concordar com o escândalo que é a civilização atual aceitar como natural o incentivo do consumo de drogas, como é o caso da bebida... O incentivo, a estimulação feita com autorização pública, de leis da sociedade e de instrumentos públicos. Tento imaginar, lá nos estádios de futebol, a venda de determinado remédio coberto com chocolate. É gostoso também, mas é uma droga. Então, só quero chamar-lhe a atenção para isso. Assim como vamos a um teatro e ficamos ali, por uma ou duas horas, sem ingerir bebidas, podemos também ir a um campo de futebol e fazer isso.

            Não é proibir. Também sou contra qualquer proibição. Foi esse o erro da Rússia; foi esse o erro dos Estados Unidos. Mas estou falando de um momento em que milhares de brasileiros se reúnem para uma alegria de torcida, de emoção.

            Então, acho que é apenas isso que eu queria dizer-lhe. Pode ser pequeno, e acho que o é, diante de tantas coisas, mas eu não poderia deixar de dizer.

            Eu creio que podemos aqui ter um conjunto. Percebo que esse sentimento não está só em dois ou em três aqui, nesta Casa; não está em apenas dois ou três, lá na Câmara; não está em apenas dois ou três em outras áreas. Agora, precisamos ver como canalizá-lo.

            Aliás, discutíamos isso, agora, quando falávamos de alguns temas. Fiquei feliz, Senador Cristovam, não sei se V. Exª percebeu. Eu sugeri ao Senador Rollemberg que, por exemplo, a Comissão de Meio Ambiente, que tem um acumulado maior de temas como o da Rio+20, apresente alguns pontos que considera destacado e, a partir deles, abra um debate.

            V. Exª, Senador Requião, dirige e pauta, de forma correta, vários temas na Comissão de Educação. Nós podemos trazer um dia para o Plenário... Aliás, nós discutimos isso, aqui, no começo do ano passado, e fiquei animado, porque é ruim vermos esta Casa discutindo abobrinha no dia a dia. Acho que isso é que não tem sentido.

            Quero, portanto, somar-me à indignação de V. Exª, talvez não tanto quanto, mas quero estar junto pelo menos um pouco. E causas existem para que possamos transformá-las em algo que tenha começo, meio e fim. Conte comigo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senador Wellington Dias, um dia, o de Gaulle fez uma afirmação a respeito do Brasil “Le Brésil n'est pas um pays sérieux”. Eu fiquei indignado. O Brasil é um país sério, tem um povo sério, mas faltou seriedade à decisão da Câmara Federal a respeito da bebida.

            É claro que proibir bebida é uma estupidez. Mas associar bebida ao esporte, à higidez e à saúde é uma tolice, é um crime. Mas mais do que isto: a Câmara tinha chegado, quase à unanimidade, a uma conclusão de garantir a proibição nos estádios.

            Acho que o que devemos proibir não é a bebida, mas a propaganda da bebida, a associação da bebida a esportes olímpicos, à saúde, à higidez física. O consumo, não! Bebe quem quiser, bebe em casa. Mas transformar isso em um negócio?!

            Agora, quando se verifica que uma cervejaria determina a votação da Câmara Federal, fico pensando que, se o de Gaulle não tinha razão a respeito do Brasil, tem razão a respeito da Câmara Federal. E espero que não tenha a mesma razão a respeito do Senado da República.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Permite-me tocar nesse assunto?

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Concedo um aparte ao Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Apesar de o seu discurso, do ponto de vista conceitual, por ser político, ser de esquerda ou ser rebelde, é tão nobre, mas nobre no bom sentido, e não no sentido do Império, que nem gostaria de baixar para discutir esse assunto. Nós não podemos fugir disso. Sou favorável, sim, a proibir-se bebida em alguns lugares. Acho que se deve proibir bebida nas salas de aula, no trabalho, deve se proibir bebida no estádio...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - No plenário do Senado também, não é? Se pode no estádio, daqui a pouco, as cervejarias vão nos regalar com uma latinha em cada bancada.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Aliás, quando li os jornais, hoje, mostrando os erros dentro da Lei Seca e a maneira como foi interpretá-la e depois liberado agora, fiquei perguntando se não deveríamos usar bafômetro aqui e em outras instâncias também do Estado. Mas o mais grave V. Exª tocou bem, falando nas cervejarias que acabam impondo isso. Mas ainda há outro fato mais grave: o imperialismo da Fifa, que faz com que voltemos atrás em uma lei que já existia, que proibia a venda de bebida dentro dos estádios, para nos submeter ao que ela quer. Nem vou dizer que isso é uma coisa que comprova o que disse de Gaulle, ou seja, que o Brasil não seria um país sério, mas deixa claro que é um país sem dignidade. Estamos nos tornando um país sem dignidade para realizar, aqui, uma Copa do Mundo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Não é o País, Senador Cristovam, mas é o Congresso Nacional que está procedendo como que numa falseta. É um absurdo total! Daqui a pouco, Senador Cristovam, quando a administração do Senado mandar-lhe uma consulta, no começo do ano, para que V. Exª determine que jornais deve receber em seu gabinete - é importante que os jornais cheguem aos Senadores -, vão lhe perguntar também qual marca de cerveja quer que lhe seja servida no plenário.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2012 - Página 10311