Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a decisão do Superior Tribunal de Justiça que inocentou um homem acusado de estuprar três crianças de 12 anos em São Paulo; e outro assunto.

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO, DIREITOS HUMANOS, FEMINISMO.:
  • Indignação com a decisão do Superior Tribunal de Justiça que inocentou um homem acusado de estuprar três crianças de 12 anos em São Paulo; e outro assunto.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2012 - Página 10881
Assunto
Outros > JUDICIARIO, DIREITOS HUMANOS, FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, DECISÃO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), RELAÇÃO, INOCENCIA, ACUSADO, ESTUPRO, RESULTADO, VIOLAÇÃO, DIREITO, CRIANÇA, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • COMENTARIO, APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, INDICE, VIOLENCIA, MULHER, LOCAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MOTIVO, AUSENCIA, POLITICA, RELAÇÃO, COMBATE, COAÇÃO, FEMINISMO, REGIÃO, SOLICITAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, AUTORIDADE PUBLICA, REGIÃO SUDESTE, REFERENCIA, CRESCIMENTO, VIOLENCIA DOMESTICA.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT- SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Prezados Colegas, Senadores e Senadoras, ouvintes da Rádio Senado e expectadores da TV Senado, subo nesta tribuna com muita indignação com a decisão do Superior Tribunal de Justiça de inocentar um homem acusado de estuprar três crianças de 12 anos, em São Paulo, em 2002.

            Na decisão que foi divulgada na semana passada, os Ministros do STJ entenderam, por cinco votos a três, que o homem não poderia ser condenado porque as crianças “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”, ou seja, eram “pequenas prostitutas”. Foi uma decisão muito absurda, que desrespeita os direitos fundamentais das crianças e acaba responsabilizando as vítimas, que estão em situação de completa vulnerabilidade.

            O STJ lembrou que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já havia inocentado o homem argumentando que “a mãe de uma das crianças afirmou que a filha enforcava aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro”.

            Como diz a nota divulgada pela Associação Nacional dos Procuradores da República, Sr. Presidente, “imaginar que uma menina de 12 anos - notavelmente em situação de exclusão social e vulnerabilidade - estaria consciente de sua liberdade sexual ao ir pela prostituição é ultrajante. A palavra usada pelo Procurador da República era “optar” pela prostituição. Substituí por “ir”, pois não optou coisa nenhuma. Que possibilidade tem uma criança dessa idade, em situação de vulnerabilidade, de fazer essa opção?

            Na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) desta Casa, que investiga a violência contra a mulher, da qual tenho a honra de participar, aprovamos uma nota repudiando a decisão do STJ. Lembramos que a decisão proferida afronta os direitos fundamentais das crianças, rompe com sua condição de sujeito de direitos e as estigmatiza para o resto de suas vidas. Rotuladas como "meninas prostitutas", essas crianças não têm direito à proteção juridicamente garantida. Criança é pessoa em desenvolvimento, vulnerável e, exatamente por essa condição, merecedora de todo o respeito e proteção conferida pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

            Quero aproveitar o registro dessa decisão absurda sobre esse crime bárbaro ocorrido em São Paulo, Sr. Presidente, para falar sobre algo que vem me deixando muito preocupada: o aumento da violência contra a mulher em meu Estado.

            Na semana passada, foram aprovados na CPMI que investiga a violência contra a mulher dois importantes requerimentos meus. O primeiro deles pede a convocação da Exmª Secretária de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Drª Eloísa de Sousa Arruda, para esclarecer perante a CPMI as causas do aumento da violência contra a mulher no meu Estado. O segundo requerimento pede a convocação do Exmº Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Dr. Antônio Ferreira Pinto, para esclarecer as mudanças na estrutura da Secretaria, que levou ao fechamento de inúmeras delegacias especializadas de atendimento à mulher no Estado de São Paulo.

            É de fundamental importância, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que as autoridades paulistas dêem explicações sobre o assustador aumento da violência contra a mulher no Estado. Há algumas semanas, aqui nesta Casa, tivemos a divulgação de um relatório do Banco Mundial mostrando que só na cidade de São Paulo 27% das mulheres já tiveram algum episódio de violência doméstica. É um dado que muito me entristece, pois mostra que 1,6 milhão de mulheres estão sendo vítimas de maus tratos dentro de suas próprias casas. Lembro aqui que o Estado de São Paulo é signatário de uma série de tratados internos que visam reduzir a violência contra a mulher, tendo sido o primeiro Estado brasileiro a ter uma política específica para as mulheres. Os requerimentos que apresentei à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito são justamente para cobrar das autoridades paulistas políticas que foram deixadas de lado.

            Quando fui prefeita de São Paulo, tive a oportunidade de realizar políticas específicas de enfrentamento à violência contra a mulher na cidade. Além de recuperar a Casa Eliane de Grammont, primeiro serviço público municipal do país para atendimento integral às mulheres nos casos de violência doméstica e sexual, implantamos uma coordenadoria de políticas para as mulheres e criamos casas abrigos e centros de referências para atendimento a elas, Mas infelizmente essas políticas não foram priorizadas pelos governos que se seguiram.

            Há alguns dias, encaminhei à presidenta da CPMI da violência contra a mulher, Deputada Jô Moraes, um ofício com dados e considerações sobre o aumento dos casos de violência contra a mulher no Estado de São Paulo. Considero as informações de fundamental importância para subsidiar a audiência pública que a comissão realizará na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no próximo dia 23 de abril.

            Também espero, Sr. Presidente, que na mesma oportunidade consigamos ouvir as autoridades de São Paulo sobre a ausência de políticas e equipamentos públicos estaduais para enfrentamento da violência, fator que contribui para a maior penalização das mulheres vítimas dessa violência.

            O balanço trimestral de crimes publicados pela Secretaria de Segurança Pública mostra que o número de casos de estupro no interior do Estado cresceu 17,6% em comparação entre o primeiro e o quarto trimestre de 2010. De janeiro a março do ano passado, foram 1.193 casos de abuso sexual. De outubro a dezembro, as delegacias do interior registraram 1.404 ocorrências.

            Outro ponto que quero levar a debate na audiência pública é a inexistência de dotação orçamentaria específica para o enfrentamento da violência contra a mulher em São Paulo. O Governo Federai, através do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, destinou recursos de mais de R$ 9 milhões para implementação de ações de combate à violência contra a Mulher. No entanto, não há uma transparência nos valores aplicados pelo governo estadual para implementação de políticas públicas para esse fim.

            Sobre a estruturação dos Equipamentos Públicos: o Estado de São Paulo tem 129 delegacias, distribuídas a partir de um critério político e não obedecendo aos índices de violência sexista. O governo estadual iniciou um processo de fechamento de delegacias especializadas e, atualmente, somente uma delegacia, a 1a Delegacia no Centro de São Paulo, tem atendimento 24 horas, dando início a um pacote de mudanças na estrutura da segurança pública no Estado que deve afetar praticamente todas as 645 cidades paulistas, baseado na intenção de colocar as duas polícias estaduais para trabalhar de forma conjunta.

            Não existe hoje em São Paulo um arranjo institucional executivo com capacidade de articular o conjunto de políticas de enfrentamento dos crimes de violência sexista no governo paulista, necessitando que seja urgentemente ampliado o número de varas especializadas, bem como o número de Delegacias Especializadas ao Atendimento à Mulher.

            Por tudo isso, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, espero que na audiência do próximo dia 23 de abril tenhamos a oportunidade de apurar as causas que podem revelar as possíveis fragilidades e a insuficiência do aparato institucional do Estado brasileiro na proteção às mulheres.

            Um País que tem a mulher como principal mandatária da Nação não pode tolerar, em seu maior e mais rico Estado, a omissão por parte do Poder Público em relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as suas mulheres.

            Como primeira Senadora eleita pelo Estado de São Paulo e também como mulher vou levar isso bem adiante, e faço aqui também esse apelo.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um apelo, Senadora Marta?

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Queria congratular-me com V. Exª na análise que faz sobre a preocupação com respeito à violência que tem ocorrido contra as mulheres no Estado de São Paulo e as providências que está tomando para que, tanto a Secretária da Justiça com também o Secretário da Segurança, possam esclarecer o porquê de não estarem dando a devida atenção às delegacias das mulheres que tiveram importância significativa. Gostaria de informar que, ainda na tarde de ontem, tendo em conta que foi anunciada a saída do Comandante Geral da Polícia Militar, Álvaro Camilo, eu telefonei para ele porque há três sextas-feiras o procurei para saber que resultado havia, por parte da Corregedoria da Polícia Militar, sobre os episódios todos que aconteceram ali em São José dos Campos, no dia da reintegração da área do Pinheirinho. Ele me disse que está saindo, porque cumpriu deu mandato de cinco anos - dois mais três anos - e na PM não poderia ficar. Mas que ele já informou ao corregedor da PM que serão encaminhadas as conclusões daquele inquérito, o que eu muito aguardo, assim como o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Adriano Diogo, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Então, acho que essa é uma informação importante que também abrange a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É mais uma amostra, Senador Suplicy, do descaso com que são tratados os abusos. Nesse caso do Pinheirinho, há o caso de uma mulher que, na tal invasão, foi abusada sexualmente. Se não me engano, é esse o caso a que V. Exª se refere. Então me parece bastante demorado esse processo. Mas exatamente pode ser levado esse caso à comissão de inquérito que vai estar na Assembleia Legislativa e provavelmente o Deputado Adriano Diogo participará e poderá avivar essa questão junto às autoridades.

            Eu ia falar mais um pouco hoje sobre o lançamento da Presidente em relação à indústria do País, e o tempo não sobrou. Mas quero dizer que foi um bom projeto, uma boa proposta e com muita participação da comunidade toda interessada, que são os trabalhadores e os empresários. Foi uma sessão muito forte, em que foram apresentados pontos que vários dos meus antecessores suscitaram. Então, vou me dar por satisfeita e agradecer o minuto a mais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2012 - Página 10881