Comunicação inadiável durante a 54ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a liberação, pela Câmara dos Deputados, da venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol durante os jogos da Copa do Mundo; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
ESPORTE. JUDICIARIO.:
  • Preocupação com a liberação, pela Câmara dos Deputados, da venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol durante os jogos da Copa do Mundo; e outro assunto.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2012 - Página 11376
Assunto
Outros > ESPORTE. JUDICIARIO.
Indexação
  • APREENSÃO, DECISÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, LIBERAÇÃO, VENDA, BEBIDA ALCOOLICA, AMBITO, ESTADIO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, CRITICA, SUBORDINAÇÃO, PAIS, VONTADE, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA).
  • APREENSÃO, DECISÃO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), ABSOLVIÇÃO, REU, ESTUPRO, CRIANÇA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu quero falar, Senador Ana Amélia, sobre dois assuntos que aconteceram num período de, no máximo, uma semana e que devem ser suficientes para abrir muito os nossos olhos.

            Por um lado, a Câmara dos Deputados autorizou a venda de bebidas em estádios de futebol, venda de cerveja durante os jogos da Copa. Essa decisão, que ainda vai passar por aqui, é muito grave, Senador Aloysio, por um lado, porque vai permitir algo que a gente estava conseguindo impedir, que é a venda de bebidas alcoólicas durante um evento chamado jogo de futebol, que, em muitos lugares, inclusive no Brasil, tem sido um espaço de violência. E a violência, a gente sabe, é muito incentivada pelo consumo de álcool por uma quantidade grande de pessoas. Além disso, significa uma submissão muito grande à Fifa, à federação internacional de futebol que faz com que a gente mude a lei que prevalece aqui já há algum tempo para servir a um evento futebolístico.

            Creio que o Aloysio - permita-me chamá-lo assim, porque a gente se conhece há tantas décadas - se lembra quando a gente dizia: “Basta de intermediário. Lincoln Gordon para presidente!”. Eu acho que a única coisa que mudou agora é que, em vez de Lincoln Gordon, a gente deve dizer “Joseph Blatter para presidente”. Basta de intermediário! É isto o que está acontecendo: uma submissão a algo negativo. Se fosse positivo vender bebida, a gente deveria autorizar para sempre. E não só nesse interregno, nesse período espremido da Copa do Mundo.

            Outra coisa que me preocupa muito, Senador, é a decisão no STJ de que o estupro de menores, as chamadas prostitutas infantis e menores de idade, não seja considerado estupro. Isso é de uma gravidade muito forte! Primeiro, se foi uma interpretação do juiz ao fazer isso, é grave. Mas se não foi uma interpretação pessoal, é mais grave ainda, porque, se ele não errou, é a lei que diz isso. Eu não vou emitir juízos de valores se ele acertou ou se ele errou. O que eu quero dizer é que, se ele errou, é grave. Mas, se ele acertou, é mais grave ainda!

            Isso vem, Senadora Ana Amélia, também nesse período de preparação da Copa do Mundo. Não que tenha a ver uma coisa com a outra, do ponto de vista da decisão do juiz. Nada a ver. Não é como a venda de cervejas, que foi uma decisão imposta. Não. Essa não foi, mas juntam-se, e a mensagem que se passa ao mundo é de que aqui se pode beber em estádio de futebol e que temos meninas prostitutas. Temos. Não precisava nem dizer se era ou não estupro. É um recado de que existe isso e de que os que vierem aqui não serão considerados estupradores. É como se a gente tivesse Copa, copo e corpo. Nós vamos ter a Copa, nós vamos ter o copo, e também aqueles que chegarem aqui vão poder usar os corpos das nossas meninas, se quiserem pagar por isso, porque pagando não é estupro.

            Essa é uma situação que nos deve envergonhar profundamente, Senador Diniz. Nós temos de nos preocupar que este é o recado que estamos passando ao mundo. “Venham para cá que vão beber”. “Venham para cá que aqui existe essa coisa absurda, duas palavras que nunca deveriam vir juntas: prostituição e menor”. Nós passamos o recado de que existe e que não é estupro. E isso sendo comemorado como o maior evento da face da Terra, que é a chamada Copa do Mundo.

            Eu creio que é difícil a gente saber exatamente o que fazer neste momento no que se refere a esse clima que está sendo criado - de uma Copa com copo e com corpo -, mas a gente tem que, pelo menos, manifestar a preocupação da gente. Eu vou tentar aqui no meu voto. Não serei favorável à venda de cerveja no estádio. E, se fôssemos a favor, então era para sempre e não só durante o período de um joguinho de uma Copa ou de um evento internacional.

            Segundo, é preciso que a gente trabalhe melhor as leis para que não seja possível que um juiz, agindo de uma maneira certa do ponto de vista legal, cometa um erro do ponto de vista moral, que inclusive, talvez, ele não possa evitar por ele próprio, porque ele tem que fazer de acordo com a lei, e não de acordo com o juízo de valor que ele tem. Não estou aqui criticando o juiz, porque, talvez, de fato, pela interpretação que ele faz da lei - e ele é o intérprete da lei; não sou eu -, a lei permitiria essa maneira de ver. Isso é muito grave e exige de nós uma posição clara na hora em que vier aqui a Lei da Copa, tentar trabalhar as leis que protegem as nossas crianças para que coisas como essa não possam acontecer.

            Essa é a minha fala, Senadora, mas o Senador Aloysio me pediu um aparte.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Meu prezado amigo, Senador Cristovam Buarque, a lei brasileira, o Código Penal Brasileiro considera que relação sexual de maior com menor de 14 anos implica em estupro, em violência. Presume-se o uso de violência quando há relação sexual nessa circunstância. A lei não mudou. Essa é a lei em vigor atualmente. Não sei se era na época em que ocorreu o fato que causou esse que está na origem desse julgamento que deixou a todos perplexos. Agora, de qualquer maneira, não se cogita mudar o Código Penal Brasileiro por causa da Copa. O Código Penal está aí. Presume-se o emprego de violência na relação sexual com menor de 14 anos. Agora, em compensação, para efeito da bebida, sim, vai-se mudar uma lei brasileira. Vão-se mudar leis estaduais por causa da Copa do Mundo, por causa da Fifa. V. Exª há de lembrar-se de que recentemente houve um episódio na Comissão de Relações Exteriores, que foi objeto de decisão unânime entre nós, da Comissão. A Comissão estava examinando alguns acordos internacionais que haviam sido negociados, firmados pelo Poder Executivo e que ainda não haviam sido homologados pelo Congresso. Eles estavam aqui, sob o exame do Senado. Eram acordos com a Espanha, com a Guiana, com a Arábia Saudita - e há mais alguns com a República Dominicana. São acordos que tratam de intercâmbio entre os nossos países sobre informações sigilosas. Acontece que, entre a negociação do acordo, a sua assinatura pelo Presidente da República e o exame por nossa Comissão, mudou a lei brasileira, a que disciplina a classificação dos documentos sigilosos. O que fez a nossa Comissão? Recomendou ao Itamaraty, à Presidência da República que, diante da mudança da lei brasileira, era necessário renegociar os acordos firmados anteriormente à sua vigência. Isso foi feito, inclusive, com o assentimento, com a concordância de ponto de vista do próprio Ministério das Relações Exteriores. Então, nós vamos mudar os acordos já firmados com a Espanha, com a Arábia Saudita, com a Guiana - e também futuramente com a República Dominicana -, porque mudou a lei brasileira. No entanto, em relação à Copa do Mundo, à Fifa, muda-se a lei, mas não se muda o acordo com a Fifa. Veja V. Exª em que mundo nós vivemos: a Espanha, aos olhos do Governo brasileiro, tem menos importância do que a Fifa. Faço essa observação, apenas para corroborar o ponto de vista, a convicção de V. Exª de que nós não devemos mudar a lei brasileira, as leis estaduais e as leis municipais a respeito de consumo de bebida alcoólica. Nós, em São Paulo, temos uma lei estadual que proíbe esse consumo. E eu também, aqui, no Senado, à semelhança de V. Exª, apresentarei emendas para que a lei nacional garanta o respeito à competência dos Estados nessa matéria, como, aliás, é da Constituição.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu quero agradecer o aparte e complementar, dizendo o seguinte: a Fifa sabia que aqui era proibido o consumo e aceitou trazer a Copa para o Brasil. Ou a Fifa tem de aceitar isso, ou alguém prometeu à Fifa o que não era possível de acordo com a lei - o que é mais provável. Isso foi uma oferta à Fifa, rompendo-se a lei, sem se consultar o Congresso. E agora manda o fato pronto. E ainda vão dizer que estão gastando R$50 bilhões e que, por isso, não podemos impor a vontade do povo brasileiro acima da vontade da Fifa.

            Essa é uma situação constrangedora. Não podemos continuar de cabeça baixa assistindo a tudo isso. Sem falar que ninguém sabe os resultados que virão da Copa, sem falar que ninguém sabe o quanto vai ser gasto, que ninguém sabe direito como será gasto.

            Mas quero, aqui, deixar registrado é a coincidência de que, na mesma semana em que fazemos essa tolerância com dois bandidos que cometeram estupros contra duas meninas, nós permitimos a venda de cerveja no mesmo momento em que o Brasil está na mídia internacional por causa da Copa. Essa é uma coincidência trágica na imagem do País no mundo.

            Muito obrigado, Srª Presidenta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2012 - Página 11376