Pronunciamento de Roberto Requião em 13/04/2012
Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Preocupação com os efeitos da atual política econômica brasileira.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- Preocupação com os efeitos da atual política econômica brasileira.
- Aparteantes
- Cristovam Buarque.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/04/2012 - Página 12418
- Assunto
- Outros > POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- APREENSÃO, ORADOR, REFERENCIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, RELAÇÃO, ECONOMIA, FATO, INSUFICIENCIA, CRESCIMENTO, INDUSTRIA, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
- CRITICA, REFERENCIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, LIBERALISMO, MOTIVO, DECADENCIA, INDUSTRIA, BRASIL, FATO, AUSENCIA, PROVIDENCIA, FALTA, PROTEÇÃO, TRABALHADOR, SALARIO, APOSENTADORIA, EXCESSO, REDUÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, CRIAÇÃO, DEPENDENCIA ECONOMICA, PAIS, DESENVOLVIMENTO, MERCADO INTERNO.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Ainda sobre esse assunto do Parlasul, Senador Paim...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - E havia uma expectativa de que até amanhã...
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) -... dia 23 é segunda-feira. Isso significa que nós teremos que ir domingo, porque segunda-feira nós teríamos um voo pela manhã de uma companhia uruguaia, mas chegaríamos lá meio-dia e não poderíamos ir à abertura do Parlamento. Agora o problema sério é que domingo a empresa que nos transporta faz uma escala demoradíssima em São Paulo e nós levamos onze horas para chegar ao Uruguai, enquanto que um voo normal são de três horas, de aeroporto a aeroporto. O ideal para nós é que todas as reuniões sejam feitas as sextas-feiras, porque nós podemos sair na quinta, num voo direto e não perderemos nenhuma sessão, porque sexta-feira, que é hoje, o Senado da República não tem deliberação. É um espaço para pronunciamentos.
Mas, Presidente, eu continuo preocupado com a economia brasileira. A China anunciou o crescimento do seu PIB em 8,1. Era esperado muito mais, isto significa dificuldades de venda e de preço para commodities brasileiras. Nós vendemos hoje no mundo basicamente commodities agrícolas - soja, açúcar, carne e café - e commodities minerais - petróleo e ferro. Venderemos menos ou por preço menor, porque a derrubada do ritmo de crescimento econômica da China nos coloca em risco.
Os economistas que fazem avaliações anunciam que 46,5% do poder aquisitivo do Brasil é da classe c, mas ela está endividada com 40% da sua renda mensal. É um risco muito grande. É como aquele subprime americano: créditos sem correspondentes e nutridos aumentos de salários de salário podem levar à inadimplência, como ocorreu com os Estados Unidos com a quebradeira toda. E nós estamos num processo de paralisação do crescimento industrial em relação ao crescimento das exportações, que são produtos naturais e que não são industrializados no Brasil.
Eu, desta tribuna já levei ao conhecimento do Senado os dados da Abimaq. Em 1980, o Brasil produzia industrialmente mais que os tigres asiáticos. Ou seja, Coréia do Sul, Tailândia, Malásia e China. Nós produzíamos mais que eles todos. Estatísticas de 2010 mostram que nós não chegamos a 15% do que eles produzem industrialmente. E as associações industriais do País nos dizem que o nosso crescimento industrial esse ano mal vai chegar a 2%. Nós estamos, então, numa situação muito delicada.
Eu vejo, com satisfação, a reação da Presidenta Dilma e do Ministro Mantega. Já é tarde, mas ainda é tempo. Nós vamos, por falta de ação anterior, sofrer mais do que devíamos. Mas a queda dos juros já significa alguma coisa. E mais uma vez a banca privada resiste em colaborar com o Brasil.
V. Exª lembra que na crise de 2008, o Presidente Lula liberou o compulsório para irrigar a economia, porque o oxigênio de uma economia capitalista é o crédito, e os bancos privados aplicaram em Letras do Tesouro e o Brasil conseguiu atenuar a crise através do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do BNDES e do BRDE. Mais uma vez, a banca privada, gulosa, que tem os maiores lucros da história do planeta resiste em colaborar com o País. Mas isso tudo me preocupa e eu gostaria que as medidas tomadas pelo Ministro Mantega e pela Presidenta Dilma fossem sistêmicas e não pontuais como estão sendo agora. Mas estão tomando medidas, e eu insisto que o discurso está correto embora as medidas sejam tímidas.
As semanas que passaram, Sr. Presidente, foram pródigas no Plenário, nas Comissões da Casa, neste Senado e na Câmara dos Deputados e também na mídia, de repente despertada para o problema. Enfim, os dias passados foram pródigos em discursos, estudos e advertências sob a desindustrialização do Brasil.
Confesso que me cutucou um dedo de satisfação ao ouvir pronunciamentos e ler sobre o assunto. Afinal o tema tem sido uma das minhas obsessões desde o primeiro discurso que fiz neste plenário, em fevereiro do ano passado, o discurso com que eu inaugurei
Na verdade, de mais tempo ainda. De longe, de muito mais longe vem o meu desassossego com a queda da produção industrial brasileira. Por exemplo, no dia 28 de outubro de 1998, ocupei esta mesma tribuna para avaliar o profundo impacto, o choque demolidor das reformas neoliberais das chamadas desregulamentações econômicas, adotadas pelo PSDB - foi no meu primeiro mandato de Senador - então no Governo: desregulamentações sobre o parque industrial brasileiro.
Se lesse aqui, nesta sessão, o discurso de 13 anos atrás, sem dizer que o fizera há treze anos, ninguém atentaria para a sua ancianidade, de tão atual. Que dizia eu naquele discurso?
Dizia que, em meados da década de 80, o produto industrial brasileiro representava 44% do nosso PIB e que, em 1999, caíra para 23%. Dizia que o número de trabalhadores na indústria era, no final dos anos 90, 34% menor que o contingente dos anos 80, Senador Paim, e que, na primeira metade dos anos 90, mais de 18% dos trabalhadores industriais haviam perdido o seu emprego. E por quê?
Dizia em 1999 como se estivesse hoje dizendo:
“A abertura afoita, realizada sob o argumento de que o excesso de proteção levava à ineficiência e de que era preciso modernizar o nosso parque industrial, tornando-o mais competitivo internacionalmente, provocou e continua provocando uma grande e generalizada quebradeira.
Escancaradas as portas, fomos invadidos por toda a sorte de bugigangas e pelos cartéis multinacionais que aqui se instalam, interessados apenas em conquistar o mercado interno.
A abertura, como instrumento de uma modernização que nos tornaria em breve tempo uma potência econômica exportadora e geradora de superávits comerciais, revela-se um engodo. Estão aí as estatísticas, mostrando que a maior parte dos investimentos estrangeiros se dirigiu ao setor de serviços ou a setores voltados ao mercado interno, quando não à mera especulação.
Desindustrialização, desnacionalizações, falências, desemprego. À burguesia industrial brasileira restou apenas dois caminhos: a fusão ou a falência.
Lembra-se da KPMG, Senador Paim, uma das grandes empresas de consultoria internacional? Ela apontava: mais de 75% dos capitais envolvidos em fusões e aquisições no Brasil, nos primeiros anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, têm origem estrangeira. Anote-se que esse índice não passava de 14%, em 1992, quando se inicia o chamado processo de abertura.
O que aconteceu com o setor de autopeças é exemplar, Senador. A diminuição radical das tarifas, que chegaram ao absurdo dos 2%, fez com que um movimento combinado de absorções e falências eliminasse o empresariado nacional do setor.
E eles não sobreviveram porque eram “atrasados”, incompetentes ou incapazes de competir. Seria ofensivo ou fruto de profunda tolice assim classificar, por exemplo, a Metal Leve, a Cofap e a Freios Varga. Avançadíssimas e em pleno caminho de internacionalização, foram abatidas pela queda radical das tarifas, pelos juros altos e pela falta de incentivos governamentais.”
É o que dizia, Senador, naquele fim de outubro de 1999, desta mesma tribuna E acrescentava que, só com a quebra do setor de autopeças, foram de roldão 250 mil empregos industriais e 3.200 fábricas. E não eram quaisquer empregos. E sim empregos altamente especializados: o crème de la crème do setor metalúrgico nacional.
Além disso, viu-se que uma das primeiras providências das empresas norte-americanas que abocanharam o nosso setor de autopeças foi transferir para os Estados Unidos os fantásticos laboratórios de pesquisa das fábricas por eles encampadas, assimiladas.
Dizia também eu, naquele outubro, que a desindustrialização e a ociosidade do parque fabril brasileiro representavam cerca de US$250 bilhões parados, imobilizados; US$250 bilhões em máquinas, em tecnologia, em pesquisas, em instalações, segundo o cálculo de entidades representativas do setor.
Reafirmava, por fim, que aquela crise não era obra do acaso, não era fortuita. Era resultado de uma política que pretendia fazer da dependência a alavanca do nosso desenvolvimento - descrita com maestria naquele livro do Fernando Henrique com o italiano naturalizado argentino Enzo Faletto. A Teoria da Dependência, combinada com a absoluta submissão ao Consenso de Washington, cegamente obediente aos mantras de neoliberalismo, hipnoticamente repetidos: privatização; diminuição do tamanho do Estado; desregulamentação; abertura econômica irrestrita e estabilização da economia, a qualquer preço; controle dos salários e das aposentadorias; corte nos gastos públicos, quer dizer, cortes na saúde, na educação, na segurança e na infraestrutura.
Teoria da Dependência e Consenso de Washington, uma mistura deletéria, corruptora da economia nacional. Eram os princípios-guia que distinguiam e orientavam o governo de então, o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Treze anos depois daquele discurso feito nesta mesma tribuna, olho o País e vejo, com tristeza e desalento, que os princípios-guia da Teoria da Dependência, do Consenso de Washington e do liberalismo econômico permanecem hoje, no nosso Governo, exatamente os mesmos. Evidentemente, desde o Presidente Lula, avançamos. Avançamos em algumas frentes, especialmente na frente social. Alegro-me, como se alegra V. Exª e o Brasil todo, com os avanços.
Vibrei com cada iniciativa do Presidente Lula de estender a mão solidária e fraterna do Estado aos mais pobres e retirá-los da longa, tortuosa e sufocante noite do desamparo, do desespero ou da secular abulia. Vi o rosto do povo revelar-se nas ruas centrais das cidades, nas lojas, nos shoppings, nos aeroportos, nas praias e no trânsito.
O povo brasileiro, Senador Paim, tornou-se visível, para o horror de uma elite cada vez mais saudosa da senzala; para escândalo de alguns jornalistas, bem postados na grande mídia e alguns economistas consultores e analistas que, como os personagens caricatos de Nelson Rodrigues, passaram a gritar: quanto custa isso, quanto custa isso, quem está pagando a ascensão das classes populares?
O mantra da vez da oposição passou a ser a “gastança”. Misturaram o tal escândalo das despesas pagas com cartões corporativos - diga-se, uma merreca, uma coisa absolutamente insignificante, criminosa, absurda, mas insignificante do ponto de vista econômico -, com os gastos, com o Bolsa Família, com a saúde, com educação, com moradias, com reajustes ao funcionalismo e, ainda que modestos, aos aposentados, com infraestrutura, com os assentamentos rurais, com a pequena agricultura e botaram no mesmo saco da tal “gastança”, que deveria ser combatida a qualquer preço.
Claramente um pio sequer, uma vírgula que fosse aos custos para o País, a produção e o trabalho das políticas neoliberais. Nada sobre a conta dos R$250 bilhões da desindustrialização; nada sobre especulação financeira; o rentismo; o lucro dos bancos; nada sobre a primarização da economia com o recuo do País ao estágio colonial de exportador de commodities. Nenhum pio, nenhuma vírgula, tanto da oposição quanto da base do Governo, porque se piassem e se metessem a botar vírgulas, estariam contrapondo-se aos tais princípios-guia da macro economia, os ditos e decantados fundamentos econômicos.
Quanto a isso, unanimidade; quanto a isso, uma sólida frente unida que eu nunca vi rompida neste Plenário. Vejo, sim, com frequência, os até comoventes esforços de alguns Senadores e Senadoras da base que tentam anular as críticas aos fundamentos neoliberais que embasam e embalam a política econômica do País, desde os anos 90, com o desfilar apoteótico de números sobre o crescimento da classe C.
Se da parte da oposição o mantra é a gastança, da parte da situação, o mantra é a nova classe média. Cada um se engana com o prato de lentilhas que lhe convém.
A verdade dos fatos é que o aferro, a obstinação, o afincamento hoje aos fundamentos neoliberais, aos princípios-guia do capitalismo financeiro representam, Senador Paim, a renúncia, a abdicação de se construir o Brasil-Nação.
Os teóricos da dependência fizeram escola, conquistaram discípulos, abduziram antigos e fervorosos militantes da soberania nacional, da revolução brasileira.
Uma das consequências da crise financeira global que explodiu em 2008 foi a redescoberta de Marx e de Keynes, cujas recomendações protecionistas parecem ter clara inspiração no velho Marx. E hoje nada mais causa urticária, desarranjos mentais, colapsos nervosos e chiliques de monta que falar em protecionismo, em tarifas privilegiadas para os brasileiros.
Volto aqui às mesmas citações de Marx que fiz no discurso de outubro de 1999. Na primeira metade do Século XIX observava ele:
“O sistema protecionista é somente um meio para criar em um país a grande indústria. Por isso vemos que naqueles países em que a burguesia começa a se impor como classe (...) grandes esforços para implantar tarifas protetoras”.
Em uma passagem de O Capital, Marx reafirma:
Marx reafirma:
“O sistema protecionista foi um meio artificial de fabricar fabricantes (...), capitalizar os meios de produção (...) e abreviar o trânsito do antigo ao moderno regime de produção.”
Parece que isso é absolutamente atual. Já Engels, referindo-se ao processo de desenvolvimento norte-americano e a adoção de tarifas protecionistas para enfrentar a competição das indústrias inglesas, comenta: “Os norte-americanos preferem viajar com bilhetes expressos para chegar muito antes ao seu destino.” E chegaram! Chegaram, Senador Cristovam.
E mesmo na fase superior do capitalismo, com a formação de grandes estruturas monopolistas internacionais como os trustes, os cartéis, os conglomerados financeiros, nas primeiras décadas do século XX, Lênin - o velho Lênin - retoma as teses de Marx e Engels entendendo que se a dependência externa (a tese do Fernando Henrique), na fase pré-industrial, estimulava a formação do mercado interno, passava, em seguida, a bloquear o desenvolvimento industrial. Diante disso, Lênin defende os “movimentos nacionais de libertação” - tese extraordinariamente conhecida pela esquerda brasileira, cantada em prosa e verso em determinados momentos de nossa história -, propondo a aliança dos trabalhadores com a burguesia, para romper as amarras da dominação e da dependência, a fim de que os países submetidos abrissem seus próprios espaços em direção ao desenvolvimento.
Lamentei, em discurso aqui, outro dia, a previdência, a prevalência do pragmatismo, do fisiologismo, do economicismo, do determinismo, do capitulacionismo sobre a ideologia e a política, sobre as ideias e os debates das ideias. E mais uma vez deploro aqui o silêncio da esquerda, sua fuga à confrontação de teses e principalmente sua recusa em debater e formular um programa para o País que ultrapasse os horizontes tão limitados quanto o aumento de número de consumidores da classe C e D.
Disse, lá atrás, relembrando o discurso que fiz nesta tribuna em 1999, que os defensores da dependência, os condottieres da abertura, afirmavam que a abertura era um instrumento de modernização que, em breve tempo, tornaria o Brasil uma potência exportadora. E mais: diziam que a encampação, a incorporação da indústria de ponta brasileira, como a de autopeças, que provocou 250 mil demissões, aumentaria as exportações nacionais. Mentira, mentira absoluta!
Em meu discurso de 1999, apontava a falácia, a falseta do dependentismo, demonstrando que, com todas as reformas e desregulamentações, com todas as privatizações e com a desnacionalização da economia, nossas exportações continuavam patinando e não representavam, à época, mais do que 9% do PIB, enquanto a média mundial dos países mais desenvolvidos era de 20% do PIB.
E, hoje, Senador Cristovam, como estamos? Conquanto a mesma política que nos prometia um lugar entre os maiores exportadores do Planeta continue a vigir, hoje nossas exportações representam não mais que 11% do PIB. Assim foi no ano passado, assim vai ser este ano, no ano que vem, no outro, no outro e ainda mais no outro ano.
Naquele discurso, como já deixei anotado em parágrafos anteriores, mostrara também o catastrófico recuo da participação do setor industrial na formação do PIB brasileiro. Em meados da década de 80, essa participação era de 44% e caiu para 23% nos últimos anos da década de 90 - repito: de 44%, caiu para 23%. No entanto, Srªs e Srs. Senadores, o que já era desgraça ficou pior ainda: no ano passado, a participação da indústria no PIB foi de 14,6%, o pior índice desde os anos 50, antes do programa de industrialização do Presidente Juscelino Kubitschek.
Aprendi, ainda criança, no estudo da lógica, que uma premissa errada leva necessariamente a conclusões erradas. A premissa errada são os tais princípios-guia do neoliberalismo que o atual Governo, o nosso Governo se recusa a abandonar. E, como esses fundamentos levam a economia brasileira ao desequilíbrio, a frequentes crises, lá vêm os remendões com suas agulhas e linhas aplicando mais um retalho nessa colcha já inúmeras vezes costurada.
Até onde, Srªs e Srs. Senadores, a nossa economia suportará remendos? E há remendos bem-intencionados, como esse último embrulho, porque nem de pacote quero chamá-lo, do Ministro Mantega. Até quando será possível sobreviver com paliativos? Até os retalhos sobrepostos não se esgarçarem? Até quando?
Aprecio os discursos da nossa Presidenta Dilma e de seu fiel escudeiro, o Ministro Guido Mantega, especialmente quando a Presidenta fala sobre a sangria a que alguns países da Europa estão sendo submetidos. Aprecio. E nós? Os juros altos e o câmbio depreciado, por exemplo, são assim mantidos para alimentar quem, para alimentar o quê? São mantidos por quê? Já há uma sinalização de redução, mas não é sistêmica, é tópica, é limitada, é débil, é tímida.
Senador Cristovam, como diria o meu velho amigo de Brasília Adriano Benayon, a tirania do capital leva-nos a uma sangria financeira interminável. E essa sangria não se estanca com aspirinas.
Mas a base do Governo nesta Casa não quer ver e prefere virar o rosto para outro lado e cantar a expansão da classe média, que já representa 46% do consumo nacional e compromete em média 40% do que ganha, ou seja, esse é um endividamento absoluta e rigorosamente suicida diante dos juros praticados no Brasil, mesmo com a pretendida e realizada redução feita recentemente pelo nosso Governo Federal.
Srªs e Srs. Senadores, até quando vamos continuar fugindo do que importa? Até quando vamos nos recusar a debater? Até quando?
Reconheço que avançamos, sim, em algumas frentes e é por isso mesmo que me insurjo, que critico, porque esses avanços, a cada dia que passa, veem-se ameaçados, porque, em vez de intervenções substantivas, sistêmicas e estruturais na economia, em vez de virar a mesa do cassino liberal, acrescentamos remendos sobre remendos.
Hoje, tenho consciência de que o crescimento industrial não pode ser retomado da noite para o dia. O projeto de uma planta industrial, mesmo que pequena, leva um ano ou dois anos para ser estruturado, mais algum tempo para ser implementado e, para ser posto em movimento, um tempo maior ainda. O crescimento industrial não é brincadeira para um fim de semana, com políticas capazes de corrigir, da noite para o dia, uma crise. Não é assim que isso ocorre.
Tenho lembrado sempre o Tratado das Manufaturas, de George Washington, levado ao Congresso americano por Alexander Hamilton, que recusava o neoliberalismo inglês da Companhia das Índias, que queria transformar a Inglaterra numa fornecedora de mão de obra barata e de insumos não transformados para movimentar a indústria inglesa. O Tratado das Manufaturas apostava na inovação, no crédito, no crescimento econômico, na valorização da economia americana, que passa a ser chamada de “nova economia americana” e que levou os Estados Unidos a um processo fantástico de desenvolvimento e de liderança no Planeta. Mas isso não acontece de uma hora para outra.
Neste momento, além de medidas atualizadas à realidade concreta do Brasil que, de certa forma, se inspirem no Tratado das Manufaturas, de George Washington, nós deveríamos apostar numa economia agrícola.
Parece ser uma contradição, Senador Cristovam, com o meu discurso, mas lembro o new deal norte-americano, depois da crise de 1927/1929. Lembro-me do Presidente norte-americano nas suas “conversas ao pé do fogo”, pelas quais se dirigia, pelo rádio, ao país inteiro, dizendo: “Se as cidades queimarem, os campos se levantarão e reconstruirão as cidades; se os campos queimarem, as cidades morrerão de fome”. Ele aposta na velocidade da recuperação agrícola: as pradarias se transformam em milharais, porque o espaço de recuperação agrícola é extremamente rápido em comparação com a recuperação industrial. Joga-se uma semente à terra, a fotossíntese se estabelece, existem a colheita e a industrialização. A par disso, a eletrificação do interior possibilitou a compra de um triturador de grãos e de uma ordenadora mecânica elétrica e provocou, de forma rápida, o renascimento da esperança do norte-americano. As prateleiras das lojas, abarrotadas de mercadorias não vendidas, voltaram a circular, e se estabeleceu esse moto-contínuo virtuoso do crescimento econômico. E o crescimento econômico não se deu só por aí. Foram grandes investimentos na indústria, financiamento, inovação tecnológica, mas o new deal devolveu a esperança ao povo norte-americano.
Estou propondo um new deal à moda americana, quando o milho se transforma, sob a visão da moderna tecnologia, em 99 subprodutos, o que, ainda hoje, é a base da alimentação do norte-americano? Não. Estou pensando na diversificação da agricultura. Estou pensando numa prevenção calcada numa aposta na pequena e média propriedade e na diversificação para o mercado interno. Estou pensando no salário, no aumento salarial para os brasileiros, no poder aquisitivo contínuo e na possibilidade de diversificação da alimentação produzida por pequenas e médias propriedades, estimuladas com financiamento barato. Penso numa reforma agrária de verdade, antecedida por uma reforma agrícola que valorize as propriedades que já existem, numa espécie de colchão de amortecimento para a crise que vem aí.
Nós estamos atrasados. Já é tarde, mas ainda há tempo. Nós temos de pensar na reforma estrutural, na recuperação do desenvolvimento econômico, mas, em curto prazo, a velocidade da recuperação da economia interna tem de apostar na diversificação da produção agrícola das pequenas e médias propriedades, o que é possível, dada a velocidade de crescimento e a efetivação da economia agrícola.
A nossa Presidenta precisa abrir os olhos para isso. Deve esperar que os banqueiros resolvam o problema do financiamento? Não! É financiamento público!
O Presidente Lula, na crise, quando diminuiu o depósito compulsório dos bancos, esperava irrigar a economia com o oxigênio necessário ao capitalismo. O que fizeram os banqueiros? Compraram títulos do Tesouro, porque não queriam se submeter a nenhum risco. Submeteram-se, sim, ao Acordo de Basileia, que, acima de tudo, visava à garantia do seu capital e da sua liquidez. Não pensaram no Brasil, não têm nada a ver com o país real, com o compromisso nacional.
Por isso, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, venho à tribuna, como membro da base do Governo, para pedir à nossa Presidenta que abra os olhos, porque o mais é divertimento. O mais é divertimento: é a cassação de um aqui, é a corrupção de outro ali.
A grande corrupção do Brasil é a corrupção do capital vadio, que não produz uma peça, um botão, uma máquina, que não gera um emprego e que vive de juro, parasitando a economia brasileira. O grande problema é a primarização da economia. Vamos resolver, sim, esses problemas de corrupção, de forma - espero -extraordinariamente rápida, embora eu fique meio envergonhado com o que ocorreu ontem, quando cinco Senadores declinaram da responsabilidade de assumir a relatoria da Comissão de Ética. No entanto, acho que, apesar desse fato, que deslustra de certa forma o Senado da República, a limpeza será feita rapidamente.
Mas não podemos transformar isso num divertimento nacional - a palavra vem do latim divertere, que significa “desviar do que importa” -, porque temos de tratar dos problemas estruturais. Precisamos de intervenções definitivas e sistêmicas. Já é tarde, mas ainda há tempo, e as medidas tomadas agora, embora débeis, para as quais não vejo efeito imediato, nem no médio prazo, não podem ser criticadas, pois já são alguma coisa. Mas é preciso que o Governo Federal acorde para a realidade que vamos viver na economia daqui para frente: 17,5% de inadimplência nos cheques especiais e nos cartões de crédito; crise nos países mais desenvolvidos que pretendem apenas utilizar o Brasil como mercado para seus produtos.
Nós temos de ampliar necessariamente o mercado interno, de aumentar salários e de viabilizar o desenvolvimento, e um caminho razoável para isso é mexer com a pequena e média agricultura, diversificando a produção, recuperando a possibilidade de consumo de alimentos já esquecidos, porque estamos nos encaminhando, Senador Cristovam, para uma ração humana na base de soja e de um ou outro produto, um ou outro cereal. A diversificação desaparece, o processo cultural da alimentação do País é esquecido, e temos de nos encaminhar, de novo, para a recuperação de dados culturais e da economia. E o caminho, a meu ver, neste momento, de forma urgente e efetiva, é esse.
Senador Cristovam, com prazer, concedo-lhe um aparte.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Requião, fico feliz que, no meio de toda essa crise que nós atravessamos, o senhor não deixa de falar e cobrar os aspectos de ordem moral, como este - o constrangimento de ver Senadores recusando relatoria -, mas não fique só nisso, que é circunstancial, que é temporal, e traga aqui o debate das coisas substanciais, permanentes da economia e da sociedade brasileira. Estou totalmente de acordo com o senhor que o pacote ou embrulhozinho mesmo, como o senhor disse, não é para ser recusado, mas ele é absolutamente insuficiente. Há poucos meses, elaborei um texto em que eu dizia que a economia está bem, mas vai mal. Ou seja, os indicadores hoje passam a impressão de uma economia com o sexto PIB do mundo, inflação razoavelmente sob controle, mas ela não vai bem. Ela não vai bem quando a gente analisa os riscos adiante, provocados, Senador Durval, pelo câmbio, pela infraestrutura, pela burocracia, por todos os aspectos que a gente sabe que levarão a uma crise de constante desindustrialização. E a industrialização por que vem? Vem pelo câmbio? É claro que vem pelo câmbio. Vem pela abertura dos portos? Vem. Vem pelo uso da importação com âncora cambial para impedir a inflação? Vem. Vem do custo de infraestrutura? Vem. Mas vem, sobretudo, da incapacidade brasileira de competir internacionalmente. O protecionismo termina sendo necessário pela incapacidade de concorrer. E o pior é que, quando a gente protege, aí se acostuma com a proteção e não concorre. A Presidenta, mais uma vez, e seu Ministro fazem pequenos ajustes sem levar em conta o fundamental, o substancial de uma revolução que faça uma inversão, uma inflexão - melhor dito - na economia brasileira. A agroindústria pode ser o caminho.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Como aquele prefeito falsamente moralista, que corta o cafezinho dos funcionários, mas é extraordinariamente generoso com os empreiteiros e os vendedores de produtos para a prefeitura.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - É. Não deixa de ser isto: corta o cafezinho, mas continua deixando o grande buraco que as pessoas não veem todo dia, e usando demagogia. Mas, voltando, nós precisamos fazer da economia brasileira um setor produtivo de indústria com capacidade de competição. E a competição? Estão errando na maneira como eles imaginam. Eles imaginam que a competição vem de uma redução de custos, com base em sacrifícios fiscais. Lá adiante, esse sacrifício fiscal vai cobrar um preço. Porque alguns serviços vão deixar de ser utilizados ou, pior ainda, porque virá a inflação para cobrir o rombo. A verdadeira concorrência, a capacidade competitiva, não vem apenas e nem, sobretudo, da redução de gastos pela desoneração fiscal, velho, velhíssimo instrumento; vem da capaz inovação. A Coreia não está se industrializando por causa de desoneração fiscal, mas porque ela inventa isto, inventou isto. Isto é coreano, chama-se Samsung, não se chama Apple. Aqui vai se produzir como Apple porque aqui vai se copiar o que a gente tem lá fora. A gente não tem capacidade...
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Na verdade, Senador, nós vamos montar. Nós não produzimos nem sequer um componente dessa maquineta.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Nós vamos montar, graças a exonerações fiscais. Isto aqui se chama... Eu nem sei o nome, mas foi fabricado na Finlândia porque foi inventado lá. Dois países que, dez, dez eu não digo, mas trinta anos atrás, estavam em situação pior que a brasileira. Os dois saindo de guerras: um, de uma guerra civil destruidora, a Coreia; o outro, uma guerra contra a União Soviética, que tomou um pedaço do território. Esses conseguiram dar um salto. E como é que conseguiram dar um salto? Por meio da construção de um sistema nacional de conhecimento que tem por base, em primeiro lugar, a educação de base, mas tem por base também o sistema S - no caso deles não sei como é -, tem por base as indústrias. Indústria tem que ser geradora de conhecimento; no Brasil, são imitadoras do conhecimento externo. O setor industrial brasileiro tem aversão a criatividade. E o pior é que as universidades brasileiras têm aversão ao setor empresarial. Não conversam. Nós precisamos prestigiar as universidades, mas, sobretudo, a educação de base. A Presidenta vem de fazer um acordo no MIT. É mais um pacote, não é a revolução. É um pacote. Ruim? Não, bom pacote; mas não é a revolução. A revolução se daria se a gente tivesse grande ensino médio aqui para todos. Aí, em vez de 75 mil nós mandaríamos 750 mil, como faz a China, corrigindo para o nosso tamanho, menor. A gente mostraria que eles chegariam lá em número grande e iriam aproveitar. Lamento dizer, mas, dos 75 mil - quando chegar a isso; vai levar uns dez anos -, muitos, mas muitos, não serão capazes de aproveitar o que as universidades estrangeiras vão oferecer. E aí está o seu assunto e o meu aqui ultimamente: a esquerda. Nós não temos esquerda, porque a esquerda brasileira virou a esquerda apenas da taxa de juros baixa. Ela não tem discurso, não tem proposta, não tem transformação, não tem gosto pela palavra revolução. E tem, sim, espaço para uma revolução hoje. A revolução brasileira, hoje, é o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão. Não é mais a velha revolução de tomar o capital do capitalista e dar para o trabalhador. Não funcionou. Até porque, no meio, entre o capitalista e o trabalhador, vem o Estado. E sabemos que o Estado carrega uma vocação corruptora e corrupta, por mais que tentemos impedir isso. É a escola que vai poder fazer com que este País se transforme, usando o cérebro desperdiçado, incinerado do povo brasileiro como máquina de fabricar inovações para outras máquinas que vamos vender, com competitividade, no exterior. Falta esse discurso aqui, que o senhor felizmente traz, felizmente coloca sempre aqui. Falta a visão transformadora, revolucionária, modificadora. E não esquerda de pacotes, como a gente teve a direita fazendo durante tantos anos. E cada pacote que a gente faz já precisa de outro. O Sr. Mantega já deve estar trabalhando no próximo pacote, para corrigir os buracos que este vai criar. E ele não trabalha no Plano Nacional de Educação. Na Comissão que o senhor preside, quando ele veio, não sei se foi em outra... Foi em outra, a de Assuntos Econômicos. Quando perguntei a ele sobre o PNE, ele praticamente não sabia o que era. Aí disse: “Mas nós vamos colocar 7% do PIB”. Olhou só o lado financeiro. Ele não percebeu que a escola muda a indústria, que a luta contra a desindustrialização passa por uma visão clara do Governo para os aspectos imediatos, mas passa pela visão do Governo no longo prazo. E aí é o sistema educacional que vai dar a resposta.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Mas nessa questão da educação, temos, pessoalmente, eu e V. Exª, alguma responsabilidade. Nós estamos na Comissão de Educação. Vejo no Ministro Aloizio Mercadante uma disposição muito grande de patrocinar mudanças que sejam sugeridas, geradas dentro do Ministério ou mesmo no Congresso. E temos de trabalhar nesse sentido.
Outro dia, trouxemos ao Senado uma representante da Embaixada da Finlândia, que fez uma exposição singela, mas extraordinariamente bonita, expondo, mais do que o sistema, a filosofia da educação finlandesa. Nós vamos andar sim.
Agora, quanto a essa vocação de corrupção do Estado, Senador, não concordo com V. Exª de uma forma absoluta. Está corrupto sim, mas eu vejo a organização da sociedade no modelo freudiano: se o pai não é uma figura forte, o filho ou a filha se espelha na mãe; se a mãe e o pai são fracos, o exemplo vai funcionar fora.
E se os partidos políticos se jogam nessa corrida do Estado patrocinado pelo capital, no roubo para financiamento de campanha, a referência desaparece. E quando o Estado é o Estado que patrocina e os partidos toleram a corrupção... Existem personalidades da política brasileira que criticam o Palocci porque dizem dele: “Ele roubou para ele, não foi para a causa”. Então, se fosse para a causa, se fosse para a campanha, estaria tudo bem. Quando essas referências desaparecem, a sociedade inteira fica desorientada.
É por isso que, neste momento de CPI e de funcionamento do Conselho de Ética, o Senado precisa dar um exemplo, primeiro, de direito ao contraditório, de resposta, de garantias de defesa absolutas, mas também de rapidez, de celeridade e de firmeza.
Senador Paim, nas nossas sextas-feiras já é tradição a generosidade quanto ao uso do tempo. Agradeço a V. Exª e aqui termino a minha intervenção, esperando que a tentativa das segundas e das sextas-feiras de trazer para o País um debate sobre a economia acabe semeando alguma coisa e produzindo algum resultado.
Muito obrigado, Senador.