Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca do julgamento, realizado hoje, pelo Supremo Tribunal Federal, acerca do aborto de fetos anencéfalos.

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários acerca do julgamento, realizado hoje, pelo Supremo Tribunal Federal, acerca do aborto de fetos anencéfalos.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 13/04/2012 - Página 12281
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ASSUNTO, LEGALIDADE, ABORTO, FATO, LIMITAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, CRIANÇA, DURAÇÃO, GRAVIDEZ, COMENTARIO, ELOGIO, VOTO FAVORAVEL, MINISTRO.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Prezados Senadores, Senadoras, ouvintes da Rádio Senado e da TV Senado, hoje, vou abordar o julgamento do STF quanto ao aborto de anencéfalos.

            Dos seis que votaram ontem, somente um foi contra a liberação do aborto do feto sem cérebro. Foram a favor os Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármem Lúcia. O julgamento está sendo retomado neste instante, no Supremo Tribunal Federal, e quatro Ministros ainda precisam votar.

            Peguei algumas frases dos votos de alguns dos Ministros que achei bastante importantes, para que o Brasil todo possa participar dessa discussão em diferentes momentos. Vi, ontem, que as televisões abertas também noticiaram.

            O Procurador-Geral de República, Roberto Gurgel, encaminha pela acolhida integral da ADPF, que permite a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. "Nada justifica do ponto de vista constitucional tamanha restrição aos direitos reprodutivos da mulher." "A interrupção não avilta o princípio constitucional do direito à vida, pois não há vida num feto anencéfalo. Ao contrário, sua proibição viola os direitos da saúde da mulher, o princípio da dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais da gestante."

            O advogado Luiz Carlos Barroso colocou que a condição feminina atravessou gerações inteiras para obter direitos de cidadania, de não ser apenas uma propriedade do marido. Reconhecer a possibilidade de interrupção da gravidez no caso de anencefalia é possibilitar à mulher deixar de ser um útero à disposição da sociedade para ser um sujeito de direito. A verdade não tem dono. O debate de ideias e valores não deve ser usado para fazer com que o papel coercitivo do Estado restrinja direitos.

            Um ser sem cérebro é incompatível com a vida extrauterina. Sua interrupção não é aborto e, muito menos, os casos complexos que hoje são permitidos em lei, como nos casos de estupro para salvar a vida das mães, não é aborto. A proibição da interrupção no caso da anencefalia viola direitos reprodutivos da mulher, obriga a levar adiante uma gestação que não é viável, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, a integridade física da mulher e serve como tortura psicológica; a mulher não com uma criança nos braços, mas no caixão, sendo obrigada a tomar remédio para secar o leite que ela reservara para a criança”.

            O primeiro voto foi manifestado pelo Ministro Marco Aurélio, que considerou “inconstitucional a interpretação segundo a qual interrupção da gravidez do feto anencéfalo é conduta tipificada nos art. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro.”

            Dados científicos.

            O Procurador-Geral, Roberto Gurgel, acrescentou que cerca de 65% dos fetos anencéfalos morrem no período intrauterino. Aqueles que chegam ao final da gestação sobrevivem apenas algumas horas ou minutos após o parto. Depois de diagnosticada a anencefalia, não há nada que a ciência médica possa fazer para salvar o feto, e a continuação da gravidez potencialmente gera um perigo para a mãe.

            O Ministro Marco Aurélio coloca: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível”. “Parece-me lógico que o feto sem potencialidade de vida não pode ser tutelado pelo tipo penal que protege a vida.” “Cumpre à mulher, em seu ritmo, no exercício do direito à privacidade, sem temor de reprimenda, voltar-se para si mesma, refletir sobre as próprias concepções e avaliar se ela quer ou não levar a decisão adiante. Ao Estado não é dado intrometer-se.”

            Continua o Ministro: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, disse o Ministro, citando um trecho da Bíblia em que Jesus Cristo defendia o cumprimento de leis vigentes. “Deuses e césares têm espaços apartados. O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro.”

            A Ministra Rosa Weber afirmou em seu voto que “a gestante deve ficar livre para optar sobre o futuro de sua gestação do feto anencefálico.” Segundo ela, essa liberdade de escolha ocorre em função do princípio da dignidade da pessoa humana, inscrito no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Por isso ela votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição aos arts. 124 e 126 do Código Penal, para excluir a interpretação que entende ser conduta típica a interrupção da gravidez do feto anencéfalo.

            Estou vendo que o Senador Mozarildo... Vou-lhe dar a palavra e, depois, continuo. Pois não.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Coincidentemente, Senadora Marta, hoje é o Dia do Obstetra. Eu quero, inclusive, prestar homenagem aos obstetras do Brasil todo.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - V. Exª é médico obstetra?

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Eu exerci a obstetrícia durante muito tempo, fiz vários partos de anencéfalos e, durante o tempo de estudante, vi vários casos. Não há, na literatura mundial, um caso sequer de anencéfalo que tenha sobrevivido. Aquela criança que mostraram não é um anencéfalo. Então, na verdade, há também que se dizer claramente que isso não fere princípio religioso nenhum, pelo contrário, porque o que se está julgando vai, digamos assim, apenas dar o direito, e não a obrigação, de a mulher levar adiante ou não a gravidez de um feto que ela sabe que não vai sobreviver.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É muito doloroso, não é?

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Eu vivi esses problemas de quão doloroso era para aquelas que tinham profunda convicção religiosa e levavam até o final a gravidez. Viam o filho ou nascer morto, ou morrer horas depois. Então, acho que não se pode confundir aborto com esse caso, que é um parto terapêutico, em que a mulher terá o direito de querer ou não querer. Portanto, se há diversas convicções religiosas que impedem de fazer, não se faça, agora, é preciso que a mulher tenha muito preparo psicológico para enfrentar uma gravidez de um feto, de uma criança que ela sabe que não vai sobreviver. Parabéns, portanto, pelo pronunciamento. Coincidentemente, eu acho que o Supremo vai decidir hoje essa questão...

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Vai, por isso estou falando.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - No Dia do Obstetra.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Essa é uma coincidência mesmo, porque, assim como V. Exª, que é obstetra, eu acredito que milhões, neste Brasil, passam por essa situação de não poder fazer um aborto, como V. Exª colocou, terapêutico, vendo...

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR. Intervenção fora do microfone.) - Parto terapêutico.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Parto, não é aborto. Acho que está muito boa essa colocação. É melhor um parto terapêutico, porque a mulher é obrigada a carregar por cinco, seis meses...

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR. Intervenção fora do microfone.) - Oito meses.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Por oito meses. Nós todos, quero dizer, V. Exª, não, mas eu, que sou mãe e que carreguei por nove meses de gestação três filhos, sei o que se sente, como se reage, como se sonha. Conheço as mudanças físicas e como isso impacta. E como se pode conseguir fazer tudo isso, sabendo que aquela pessoa que está ali não vai vingar? Eu não consigo nem imaginar alguém que possa obrigar uma mulher a fazer isso, e, como V. Exª colocou muito bem, ela não é obrigada a fazê-lo. As que têm condição, seja religiosa, ou por qualquer outro motivo, de levar a termo, não são obrigadas a isso.

            Agora, por que algumas pessoas se colocam acima de qualquer ser humano para julgar o que uma mulher tem obrigação de fazer, ou não, numa questão como essa?

            Vou pular um trecho do discurso - depois eu volto - para mostrar que a Ministra Cármen Lúcia vai muito na direção de V. Exª, quando diz: "Quando o berço se transforma num pequeno esquife, a vida se entorta”, citando Guimarães Rosa. A Ministra lembrou o sofrimento da mãe, que prepara o corpo do filho morto para ser sepultado, e afirmou que não se pode esquecer do sofrimento do pai e dos irmãos de um feto anencéfalo. “Não há bem jurídico a ser tutelado pela norma penal que possa justificar a impossibilidade total de a mulher fazer a escolha sobre a interrupção da gravidez.”

            Vou pedir um minuto a mais, Presidente.

            O Ministro Lewandowski, que foi o voto contrário até agora, afirmou que qualquer decisão, envolvendo tema de tamanha relevância e complexidade, deve ser precedida de um amplo debate público e submetida ao crivo do Congresso Nacional. E diz que há, na Câmara, um projeto da Jandira Feghali, e aqui, no Senado, um do Senador Mozarildo. Parece até que o Ministro não acompanha a votação dessas questões aqui, no Congresso Nacional.

            Eu tenho o primeiro projeto de anencefalia, que é de minha autoria, de 1996. Está parado. Aliás, foi arquivado; não foi arquivado porque está no plenário da união civil. Estaríamos até hoje esperando para que pessoas homossexuais pudessem ver regulamentada a sua situação.

            Realmente, são anos de retrocesso que nós vivemos. Há 10, 14 anos, entre 1994 e 1996, quando fui Deputada, nós tínhamos dificuldade para colocar essas questões, para debatê-las, Senador Acir. O retrocesso que o País vive em relação a essas questões é extremamente grave, no meu ponto de vista, tanto é que o Judiciário, agora, está assumindo o nosso papel, porque o Congresso se tornou tão temeroso! O Congresso tem forças tão acintosamente contrárias e não conversáveis que acaba não votando e não progredindo nessas questões; muitas vezes nem permitindo um bom debate parlamentar. Infelizmente, é o Judiciário, neste País, hoje, que está tendo que decidir o que a sociedade civil quer - se fizessem um plebiscito, ganhava -, e o Congresso Nacional se omite.

            Muito obrigada, Senador Acir, por presidir.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/04/2012 - Página 12281