Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso, hoje, do Dia do Índio.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso, hoje, do Dia do Índio.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2012 - Página 13622
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, COMENTARIO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), SITUAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, SAUDE, EDUCAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Srªs Senadoras, Srs. Senadores, a passagem do Dia do Índio me traz a esta tribuna, para relatar alguns episódios que ocorreram com os índios brasileiros, com destaque, os de Roraima, que se tornaram conhecidos, mundialmente e que não podem ser esquecidos.

            Mas também, na condição de cidadã, política, educadora e moradora de Roraima, falarei de boas iniciativas que no Dia do Índio valerão ser celebradas.

            Os nossos habitantes nativos, que à época da chegada dos europeus ao Brasil, variavam entre 1 milhão e 10 milhões, foram dizimados ao longo dos séculos e hoje são apenas 817 mil indivíduos, que representam apenas 0,4% da população brasileira (Censo 2010/IBGE).

            Estes índios formam 215 povos, que possuem 180 línguas diferentes. Atualmente estão distribuídos entre 688 terras indígenas e algumas áreas urbanas - e aqui me refiro apenas aos povos contatados -, os índios brasileiros contribuíram diretamente com os aspectos culturais diversificados que temos hoje no Brasil.

            Porém, toda a contribuição que deram à nossa formação, não foi suficiente para que hoje fossem reconhecidos como cidadãos com direitos plenos.

            Até os dias atuais, todos lutam, incansavelmente, para manter suas tradições culturais, suas etnias, suas crenças, suas cores, seus territórios. Muitos deles, inclusive, ainda buscam o reconhecimento por parte de órgãos oficiais.

            A propósito, o relatório “A Amazônia e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, que avaliou indicadores do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, identificou que nestes países, há 1,6 milhão de indígenas, de 375 povos e destacou que nem todos vivem em territórios reconhecidos.

            No caso específico de Roraima, com uma população constituída por quase 422 mil habitantes, o Estado que aqui represento, tem hoje, mais de 49 mil índios, a maioria, ou seja, 41 mil e 425 habitantes vivendo na área rural (Censo/2010).

            Com 225 mil quilômetros quadrados, Roraima tem quase metade dessa área já efetivamente demarcada e homologada - que é destinada ao uso exclusivo dos povos indígenas.

            Estes povos indígenas, que há milhares de anos, se estabeleceram ao noroeste do Estado, são: os Ingaricó, Patamona, Taurepang, Waimiri-Atroari, Wapixana, Waiwaí, Yanomami, Ye´Kuana Macuxi, a mais populosa.

            Portanto, represento um Estado que tem 46% de sua base territorial demarcada em terras indígenas, com 12% de população indígena, a maior proporção do país.

            De acordo com documento da Hutukara, a mim enviado no ano passado, nos últimos anos a presença de garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami, por exemplo, cresceu consideravelmente, sem que os órgãos governamentais como Funai e Ibama, que são responsáveis por resolver tal questão, dessem respostas satisfatórias.

            Vale informar que a Terra Indígena Ianomami possui 96 mil quilômetros quadrados que cobrem os estados de Amazonas e Roraima, onde vivem cerca de 19 mil indígenas das etnias Yanomami e Ye´kuana. Esta terra se estende também pelo território da Venezuela, onde vivem mais sete mil pessoas.

            Nos dois países, a área total chega a 192 mil quilômetros quadrados de alta relevância para a biodiversidade do planeta, além de abrigar um dos povos mais antigos e ainda isolados.

            Em discursos já proferidos nesta tribuna, pedi proteção à integridade dos povos indígenas em Roraima, especialmente às comunidades Ianomâmi e Ye’kuana.

            Na oportunidade, encaminhei ofícios à Funai, ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal relatando a situação de ameaças e de atividades ilegais, danosas aos índios e ao meio ambiente.

            Mas esta luta não é nova. A demarcação e homologação da terra indígena, ocorrida em 1992, não se deu de forma tranqüila. Houve muita resistência, principalmente, devido à presença de minérios que tornam o subsolo da região um dos mais ricos do país, com registros de ouro, cassiterita, nióbio e urânio.

            No final de década de 1980, a invasão dessas terras por milhares de garimpeiros deixou muitas seqüelas para o meio ambiente e para a saúde dos povos indígenas.

            Não foi menos traumática a recente demarcação, pelo ex-presidente Lula, da Raposa Serra do Sol, uma área indígena que ocupa 7,7% da área do Estado e abriga 18 mil índios.

            A homologação desta demarcação garantiu aos índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana e Ingarikó o seu direito à posse permanente da terra, para usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos, de uma área contínua de cerca de 1,74 milhão de hectares.

            Esta demarcação representa uma grande vitória dos povos indígenas. Mas ainda hoje é uma questão polêmica que chama a atenção da opinião pública internacional.

            Acompanho com preocupação a execução das políticas públicas junto às comunidades, com relação à assistência à saúde, educação, transportes e criação de meios para sua sobrevivência e, afirmo, com pesar, que a situação dos povos indígenas no Brasil faz com que no Dia 19 de Abril não tenhamos muito do que nos alegrar. 

            No tocante à saúde, por exemplo, o Brasil é um dos poucos países que tem um modelo diferenciado. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas assegura aos índios, acesso integral à saúde, contemplando especificidades étnicas e culturais. Para isso, conta em sua estrutura com 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).

            Porém, de acordo com relato de lideranças indígenas, a gestão da Fundação Nacional de Saúde junto ao DSEI Yanomami, o primeiro do Brasil, tem sido um desastre.

            Por este motivo, lideranças exigiram a implantação e o efetivo funcionamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena, em substituição à Funasa e que vem fazendo a sua parte.

            Não por acaso, o Ministério Público Federal em Roraima acaba ingressar com ação civil pública com pedido de liminar visando determinar à União, o restabelecimento imediato do fornecimento de medicamentos aos indígenas nos polos bases dos DSEI's Leste e Yanomami e à Casa de Assistência ao Índio em Roraima.

            Tal ação requer também, a reforma do prédio da CASAI, de Boa Vista e o plano de reforma e melhoria dos polos bases já existentes, de modo a oferecer o mínimo de salubridade aos indígenas e os profissionais de saúde.

            Diante de cenários assim, fica, no mínimo, desconfortável sabermos que aqueles que nos deram origem, continuam a assistir indignados, a morte de suas crianças, mulheres e idosos, simplesmente pela falta de tratamento adequado, pela dificuldade de acesso ao atendimento na rede hospitalar, para a prevenção e o tratamento das enfermidades.

            Com referência à área de educação indígena, desde o século XVI, O Brasil tem ofertado programas de educação escolar às comunidades indígenas pautada pela civilização e integração forçadas dos índios à sociedade nacional sem o devido respeito a suas culturas.

            Por esta lógica, a tônica foi uma só: a negação da diferença, junto com a afirmação da assimilação dos índios, transformando-os em algo diferente do que eram.

            Nesse processo, a instituição da escola entre grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de identidades e culturas diferenciadas.

            Mas nem tudo permaneceu como sempre esteve. Por força da luta e das manifestações das organizações indígenas, muita coisa mudou, principalmente na legislação sobre educação.

            Sintoma dessas mudanças, é o fato de que, existem atualmente, no Brasil 2.324 escolas funcionando nas terras indígenas, que atendem 164 mil estudantes.

            Nestas escolas trabalham cerca de 9.100 professores, dos quais, 88% são indígenas, o que é um fato histórico. Há, também, 1.083 escolas que são vinculadas diretamente às Secretarias Estaduais de Educação.

            Outras 1.219 escolas, principalmente nos estados do MT, MS, AM, PA, PR, BA, PB e ES, são mantidas por Secretarias de Educação de 168 Municípios.

            Existem ainda algumas escolas indígenas mantidas por entidades religiosas e por projetos especiais, como da Eletronorte.

            Em Roraima, estas mudanças colocam o Estado em primeiro lugar entre aqueles que privilegiaram a educação indígena, valorizando a cultura dos povos.

            Por meio de Convênio estabelecido com a Universidade Federal de Roraima, foi criado o Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena, o primeiro curso superior indígena do Brasil,

            criado em dezembro de 2001, com o objetivo de promover e incentivar a formação de estudantes indígenas na Universidade Federal de Roraima.

            Com modéstia, posso afirmar que, por força da organização dos povos indígenas, a Educação Indígena em Roraima tem sido referência para a implementação de políticas educacionais voltadas às populações indígenas em outros estados do País.

            Ainda falando sobre o que vem dando certo na vida daqueles povos que influenciaram a nossa cultura, destaco o Programa Nacional de Gestão Ambiental e Territorial, que se insere como mais uma ferramenta de diálogo e de construção de um novo Brasil, no qual os povos indígenas são respeitados, valorizados e podem exercer com plenitude sua cidadania.

            A transformação da Comissão Nacional de Política Indigenista em um Conselho com maior poder de articulação e decisão é outra conquista que vale registro.

            O reconhecimento do direito dos povos indígenas de se desenvolver econômica e socialmente, de forma justa, sustentável e duradoura é outra grande perspectiva.

            Neste sentido, no presente momento, os povos indígenas de Roraima também discutem um projeto de desenvolvimento sustentável, que lhes garanta igualdade de oportunidades, assim como trabalho e condições para aumentarem a produção que desenvolvem na agricultura familiar.

            A partir deste projeto os povos de minha terra, defendem mais assistência técnica, incentivo, financiamento e políticas públicas, entre outros benefícios que precisam ser destinados às comunidades indígenas.

            Encerro meu pronunciamento alusivo ao Dia do Índio, ressaltando que, as tintas que colorem os povos indígenas brasileiros são também as cores que embelezam e alegram o nosso povo, formando nossa diversificada e exuberante cultura nacional.

            Assim sendo, pensemos em entoar o canto do multiartista pernambucano, Antônio Nóbrega:

            “Sou pataxó, / Sou xavante e Cariri, / Ianomami, sou Tupi / Guarani, sou carajá. / Sou Pancararu, /Carijó, Tupinajé, / Potiguar, sou caeté, / Ful-ni-ó, Tupinambá.”

            Nesta composição popular, permito-me acrescentar que, do outro lado da linha do equador, também sou:

            Ingaricó/ Macuxi / Waimiri-Atroari / Wapixana / Patamona / Taurepang / Waiwaí / Ye´Kuana e Yanomami. 

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2012 - Página 13622