Discurso durante a 65ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do processo de desindustrialização do País.

Autor
Jarbas Vasconcelos (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PE)
Nome completo: Jarbas de Andrade Vasconcelos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL, POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA DE EMPREGO.:
  • Considerações acerca do processo de desindustrialização do País.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2012 - Página 14042
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL, POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, REDUÇÃO, ATIVIDADE INDUSTRIAL, MOTIVO, BAIXA, PARTICIPAÇÃO, INDUSTRIA, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), VALORIZAÇÃO, TAXA DE CAMBIO, REAL, RESULTADO, AUMENTO, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, PRODUTO IMPORTADO, RELAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, SUGESTÃO, ORADOR, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, INCENTIVO, QUALIFICAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, POPULAÇÃO, PAIS, OBJETIVO, INDUSTRIA NACIONAL.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Meu caro Presidente, venho falar hoje sobre um problema que está em voga e em debate permanente, que é o processo de desindustrialização do Brasil.

            Considero que um dos debates econômicos mais importantes do Brasil nos últimos meses é aquele que trata da desindustrialização do País, associada à questão cambial também no nosso País.

            Aqui mesmo, desta tribuna, acompanhei diversos pronunciamentos sobre o tema. Quero hoje dar minha contribuição a essa discussão, na certeza de que o Senado tem a obrigação de promover esse debate.

            A solução desse problema é decisiva para o futuro do Brasil, pois, as decisões a serem tomadas definirão o modelo de desenvolvimento que esperamos consolidado em nosso País nos próximos anos.

            Como premissa, Sr. Presidente, é necessário ressaltar que não existem soluções fáceis para esses problemas complexos, que se arrastam há muito tempo.

            Em primeiro lugar, acredito que a questão da “desindustrialização” e a questão do câmbio sobrevalorizado envolvem um lado puramente técnico de interpretação de dados, de estatísticas, e um outro lado político - este, com certeza, muito mais delicado. Por que delicado? Porque depende de avaliações subjetivas e de posicionamentos políticos, na medida em que refletem um cenário muito complexo. Além disso, envolve profundos questionamentos acerca do comportamento de muitos agentes políticos e sociais, de sindicatos patronais e de trabalhadores, entre alguns setores que estão envolvidos na discussão dos descaminhos da sociedade brasileira.

            Em segundo lugar, é importante ficar claro também que não há um fator único que explique a atual situação da economia do País, que, como veremos, é muito grave.

            Atribuir, por exemplo, à apreciação cambial todos os males da indústria brasileira, como muitos estão fazendo, é um grande equívoco e, sem dúvida, uma enorme simplificação.

            De igual modo, Srªs e Srs. Senadores, é outra grande simplificação atribuir à concorrência “desleal” chinesa e de outros países asiáticos os graves problemas enfrentados por nossa indústria.

            Em ambos os casos, apontar os dois fenômenos como os "grandes culpados" pelos problemas da economia brasileira - em especial da indústria - é simplesmente uma forma de justificar as seriíssimas questões estruturais não resolvidas, incompetência gerencial dos governos que se sucederam e a omissão de setores das elites brasileiras, principalmente das classes empresariais industriais.

            Também não devemos esquecer o velho hábito do recurso fácil ao protecionismo, do crédito farto e barato a expensas do Tesouro Nacional.

            Ainda não há unanimidade entre os analistas econômicos se a “desindustrialização” brasileira é um fato concreto e inquestionável, mas vem diminuindo o número daqueles que contestam o fenômeno.

            Esse evento é uma tendência mundial, pois, na medida em que um país se desenvolve, cai a participação da indústria na formação do Produto Interno Bruto - em especial do segmento da indústria da informação, que perde espaço para o setor de Serviços.

            Esse processo de transformação estrutural aconteceu em todos os países desenvolvidos e continua acontecendo naqueles que já alcançaram algum estágio relativamente avançado de industrialização.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, da década de 1980, o Brasil exibia uma participação da indústria no PIB muito maior do que a grande maioria de países comparáveis, de cerca de 32%. Nosso País era considerado uma economia “sobreindustrializada” na comparação com outras nações.

            A partir dos anos 1980, como todo mundo sabe, o Brasil entrou em profunda crise, com endividamento, inflação, crises de balanço de pagamentos, desgovernos, estagnação econômica.

            O investimento privado despencou; a poupança, idem. E a capacidade de investir do Governo chegou a quase zero. Nesse cenário, a participação da indústria no PIB caiu para 22,7%, em 1990.

            Portanto, o Brasil sofreu um processo de enorme desindustrialização ao longo da década de 1980. Tudo isso nada teve a ver com a tendência clássica de aumento de participação do setor de serviços na formação do PIB, e, sim, pela profunda crise que enfrentamos.

            A partir dos anos 1990, a participação da indústria no Produto Interno Bruto tem oscilado entre 20% e 22%. Nunca mais o País retomou os níveis das duas décadas anteriores, o que não deve mais ocorrer.

            Dessa forma, uma primeira conclusão é de que a “desindustrialização” do Brasil é um processo antigo, que já dura quase três décadas. Isso não implica afirmar que não existam novos problemas. Eles existem e são muitos. Alguns deles resultantes de erros cometidos nas décadas passadas e outros decorrentes da conjuntura atual.

            O câmbio apreciado é, sem dúvida, um fator muito negativo do ponto de vista do setor industrial, embora a economia brasileira tenha-se beneficiado enormemente tanto do câmbio sobrevalorizado quanto da abertura econômica.

Essas premissas permitiram adquirir bens de capital e insumos industriais a preços muito mais favoráveis do que quando o Brasil era uma das economias mais fechadas do mundo.

            As razões para o fortalecimento do Real são várias. A primeira deve-se ao enorme sucesso do Brasil como exportador de commodities a preços crescentes, em grande parte resultante da demanda chinesa. Esse sucesso levou a uma expansão da dependência das exportações de produtos primários a uma pressão para a valorização da nossa moeda, mas é bom lembrar que tal sucesso foi resultado de fatores muito positivos: ele decorreu de uma feliz associação de riquezas naturais com inovações resultantes de pesquisas, ou seja, à união virtuosa entre nossos vastos recursos naturais, principalmente dos cerrados brasileiros, e um seleto grupo de pesquisadores da Embrapa que utilizaram o conhecimento e a ciência para transformar o Brasil no celeiro do mundo.

            É importante reconhecer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que essa feliz combinação, infelizmente, não ocorreu também entre o setor industrial e a pesquisa científica e tecnológica. Por outro lado, vale registrar que o agronegócio brasileiro é competitivo, apesar da péssima infraestrutura de logística, da alta carga tributária sobre insumos, do câmbio valorizado e da baixíssima qualidade da mão de obra brasileira.

            A segunda razão do real fortalecido se deve ao fato de o Brasil ter promovido uma grande e - talvez prematura - abertura ao capital estrangeiro. Nada contra o capital estrangeiro direto, Sr. Presidente, que é quase sempre bem-vindo, mas há ressalvas quanto ao ingresso do capital especulativo ou “hot money”, que não cria raízes no País e pode, quando sem controle, contribuir para desestabilizar a economia nacional.

            Um País com pouca capacidade de poupar e, portanto, com uma grande disposição para consumir, associada a uma elevada taxa de juros, torna-se um paraíso para investidores estrangeiros em ações, derivativos, títulos de governo e empréstimos a empresários e bancos brasileiros, neste caso como decorrência do absurdo spread bancário cobrado no País. Em resumo, a valorização da taxa de câmbio no Brasil decorre, principalmente, da volumosa entrada de capitais externos, - uma tendência que se tem agravado com a crise financeira mundial, na medida que se reduzem as oportunidades de investimentos produtivos e financeiros nos países industrializados.

            O câmbio sobrevalorizado traz repercussões expressivas sobre todas as variáveis das contas externas brasileiras, sejam comerciais ou financeiras. Vale ressaltar um aspecto: diversos economistas que atribuem um grande peso aos malefícios da sobrevalorização cambial assinalam que praticamente todos os países que registraram um processo bem sucedido de crescimento econômico, em um longo prazo, por meio de aumento de suas exportações, praticaram uma política de desvalorização do câmbio. Trata-se de uma situação inversa à do Brasil, Srªs e Srs. Senadores: um câmbio valorizado por um longo período de tempo é capaz de provocar um sério processo de desindustrialização.

            As razões são óbvias: um câmbio valorizado torna as exportações menos competitivas no mercado internacional, pois reduz a remuneração dos exportadores em moeda nacional. Por outro lado, torna as importações mais competitivas no mercado interno, gerando uma tendência ao desequilíbrio nas contas comerciais. Daí a pressão de setores industriais brasileiros por uma política ativa do Governo para desvalorizar o real frente ao dólar, bem como a outras moedas de livre curso internacional.

            Portanto, é verdade que a sobrevalorização da moeda produz perda de competitividade das exportações, aumento de competitividade das importações e o início de um processo de desindustrialização; porém, essa é uma visão bastante simplificada e mesmo superficial dos problemas gerados pelo câmbio valorizado e suas causas mais profundas.

            É importante levarmos em consideração que os países que tiveram sucesso e se industrializaram no pós-guerra - como, por exemplo: Taiwan, Cingapura, Coreia do Sul, China e Vietnã - adotaram, durante muitas décadas, regimes autoritários e uma economia fortemente controlada pelo Estado.

            Todos esses países registraram altas taxas de poupança e altos níveis de investimento. E o que é mais importante: adotaram simultaneamente uma política de industrialização associada a um extraordinário estímulo à educação e à qualificação de sua mão de obra.

            O resultado foi uma industrialização realizada com sucessivos upgrades tecnológicos, uma melhor distribuição da renda e uma população melhor qualificada. Todas essas economias, Sr. Presidente, registraram uma evolução extraordinária da produtividade, associada a substanciais melhorias salariais.

            Essas nações não teriam chegado aonde chegaram sem os grandes investimentos em capital humano, sem assegurar a universalização do ensino fundamental e médio de boa qualidade, com ensino técnico e permanente treinamento da mão de obra e, progressivamente, a quase universalização do ensino superior.

            O que aconteceu no Brasil, Sr. Presidente?

            Enquanto nos países que mencionei há pouco a produtividade do trabalho no setor industrial se elevava a taxas de dois dígitos ao ano, no Brasil a produtividade da mão de obra na indústria de transformação declinou fortemente nas últimas décadas.

            Segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a produtividade do trabalho nos setores exportadores chineses cresceu cerca de 10% ao ano na década de 2000. A mesma fonte mostra que a produtividade nos setores exportadores dos parceiros chineses foi de apenas 2,3% ao ano no mesmo período, ou seja, cerca de quatro vezes menos que a taxa chinesa.

            Por outro lado, segundo dados do IBGE, no período de 1996 a 2004, a produtividade da mão de obra na indústria de transformação no Brasil evoluiu negativamente, com uma taxa de menos de 2,6% ao ano. Enquanto a taxa de poupança e de investimentos na China alcançou a cifra de 40% a 50% ao ano, no Brasil essas taxas quase sempre oscilavam entre 17% e 21%.

            O que esses fatos mostram, Sr. Presidente? Mostram que o problema cambial é verdadeiro, mas são as condições estruturais da nossa economia que fazem o Brasil ser tão vulnerável à concorrência estrangeira.

            Fazem diferença negativa nossas deficiências em infraestrutura econômica, nossas deficiências em estradas, ferrovias, portos e aeroportos, nossas deficiências em educação e em investimentos privados e governamentais, baixa poupança e o alto consumo, além da elevada carga tributária, da ausência de uma visão de desenvolvimento de longo prazo, da baixa qualidade da mão de obra, de investimentos insignificantes em inovação, em pesquisa e em desenvolvimento de produtos.

            São os problemas já conhecidos que fazem com que o Brasil seja uma presa fácil para os concorrentes estrangeiros.

            O fato é que uma simples desvalorização do câmbio, por si só, não produziria avanços expressivos na estrutura produtiva brasileira. Mas, infelizmente, sabemos também que sempre serão bem-vindas para governos de ocasião, que não têm compromisso com o futuro do País, medidas populistas, intervenções protecionistas pontuais para atender a determinados setores.

            Srªs e Srs. Senadores, tanto do ponto de vista das relações comerciais quanto da perspectiva das contas financeiras, o Brasil realizou grandes avanços. Entre outras coisas, podemos relacionar a redução apreciável da dívida externa, a acumulação de volumosas reservas cambiais, a redução das taxas básicas de juros, a diminuição da emissão de títulos públicos indexados à taxa de juros de curto prazo ou à taxa de câmbio, o retorno à atratividade do País em relação a investimentos diretos e, principalmente, o aumento da credibilidade externa do Brasil, dos quais resultaram melhorias muito expressivas na classificação de risco por instituições financeiras internacionais.

            Apesar de muitas conquistas, o Brasil ainda apresenta um quadro de grande fragilidade no âmbito financeiro, em parte decorrente do seu próprio sucesso, mas também como resultado de políticas macroeconômicas que merecem redirecionamentos de rumo.

            Pelo menos, Sr. Presidente, quatro grandes questões podem ser levantadas em relação ao cenário financeiro atual:

            1 - a corrida de investidores estrangeiros para a Bolsa de Valores e para a compra dos muito rentáveis títulos públicos do Tesouro Nacional;

            2 - a enorme volatilidade dos movimentos de capitais de curto prazo;

3 - a inversão, nos últimos anos, do balanço de transações correntes; 4 - o câmbio valorizado.

Todas essas questões guardam um forte grau de inter-relação.

            O Brasil tem conseguido atrair volumes expressivos de investimentos diretos estrangeiros após a melhoria nos fundamentos macroeconômicos da economia nacional. De uma cifra de US$10 bilhões em 2003, tais valores se tornaram crescentes ao longo da década, alcançando US$19 bilhões, em 2006; US$34,6 bilhões, em 2007; e impressionantes US$45 bilhões, no ano de 2008. Para este ano, a estimativa é superior a US$50 bilhões.

            Os investimentos diretos estrangeiros são, em princípio, positivos, pois podem constituir um significativo reforço à capacidade de investimento do País. O problema ocorre quando uma grande fração desses investimentos é destinada à aquisição de instalações industriais, financeiras ou comerciais já existentes na economia, pois isso reduz o seu papel indutor do crescimento da economia.

            Num ambiente de expressiva desregulamentação financeira, que foi implantada nas décadas recentes e em um cenário democrático como o vivenciado pelo Brasil atual, torna-se muito complexo atuar ativamente sobre os fluxos e aplicações dos investimentos diretos estrangeiros.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE) - Sr. Presidente, eu pediria a V. Exª, que é marca sua, um pouco mais da sua tolerância, da sua benevolência, porque o meu discurso é longo e trata de um assunto de profunda complexidade.

            O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro. Bloco/PR - TO) - V. Exª terá o tempo necessário, Senador Jarbas Vasconcelos. Inclusive, já acionei o painel para começar um novo tempo para V. Exª.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE) - Muito obrigado. Só assim a campainha não fica me chateando.

            Mesmo assim, políticas de incentivos governamentais inteligentes podem, de alguma forma, exercer influência no direcionamento desses investimentos. Isso se daria, Sr. Presidente, por meio de critérios de seletividade que incentivem o investimento estrangeiro na escolha de atividades que propiciem, por exemplo, o aumento das exportações, a substituição de importações com adensamento de cadeias produtivas. O País promoveria, dessa forma, melhor integração com a indústria de bens de capital existente e a transferência de tecnologias modernas. Países como a Coreia do Sul e, principalmente a China, entre tantas outras nações asiáticas, têm oferecido lições importantes sobre como aumentar os investimentos estrangeiros diretos e, ao mesmo tempo, como melhor comprometê-los com os interesses nacionais.

            Com as contínuas melhorias na estabilidade macroeconômica e o aumento na credibilidade do País em anos recentes, o Brasil tem-se tornado um ambiente muito propício para o ingresso de investimentos diretos estrangeiros. Por outro lado, o simples volume expressivo de entrada desses recursos aumenta a oferta de liquidez em moeda estrangeira, contribuindo para fortalecer a moeda nacional. Entretanto, o que traz sérias preocupações é o ingresso de capitais de curto prazo - os chamados investimentos em carteiras ou de portfólio, - aplicações em ações, em títulos da dívida, em derivativos ou em qualquer aplicação de menos de um ano.

            Esse tipo de capital, pela sua própria natureza, tem sido, no Brasil e, na verdade, em todo o mundo, um fator de grande desestabilização financeira, provocando elevados custos econômicos, políticos e sociais.

            Uma breve visão da volatilidade desses capitais pode ser testemunhada pela economia brasileira, em anos muito recentes, mesmo no contexto de uma economia que tem apresentado um sólido cenário de estabilidade e de respeito aos fundamentos macroeconômicos exigidos pela comunidade internacional.

            No ano de 2004, o movimento de capitais de portfólio registrou um valor negativo da ordem de US$4,8 bilhões. Nos anos seguintes, tais capitais apresentaram uma tendência de extraordinário crescimento e também de expressiva oscilação. Em 2007, foi registrado um ingresso, no Brasil, de US$48,4 bilhões de investimentos em carteira, que despencou, no ano seguinte, para menos de US$1,2 bilhão, para, de novo, em 2009, apresentar outra cifra impressionante: acima dos US$49 bilhões.

            Depois da eclosão da grande crise financeira, entre 2008 e 2009, emergiu um crescente consenso de que é desejável e necessária alguma regulamentação dos mercados financeiros. No entanto, em economias com forte tradição de desregulamentação dos mercados de ativos financeiros e, sobretudo, em países que adotam regimes democráticos, não parece ser uma tarefa fácil a introdução de mecanismos que imponham um efetivo controle sobre os fluxos desses recursos. Medidas mais rígidas de controle ao ingresso de capitais de curto prazo não são bem vistas pela comunidade internacional e podem prejudicar a credibilidade do País.

            A grande questão é que o Brasil apresenta um cenário muito particular, que encoraja o ingresso maciço de capitais de curto prazo.

            A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) registrou, após os primeiros impactos negativos da crise financeira, a melhor rentabilidade entre todas as bolsas de valores mobiliários de todo o mundo.

            Por outro lado, apesar das grandes reduções da taxa Selic, as taxas de juros que o Brasil oferece para a venda de seus títulos públicos continuam entre as mais elevadas - quase 10%, em confronto com as taxas de 0% a 0,5%, pagas pelos títulos dos tesouros nacionais dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão.

            Como a expectativa para o futuro próximo é da manutenção da Selic entre 8% e 9% e como a Bolsa de Valores de São Paulo deve continuar com a sua trajetória de bons resultados, mantém-se aberta uma longa avenida para volumosos ingressos de capitais especulativos.

            Isso só não ocorreria se o Governo encontrasse instrumentos criativos, e aceitáveis pelas instâncias internacionais, de regulação de tais fluxos de capitais - o que parece uma tarefa extremamente complexa.

            Srªs e Srs. Senadores, outro problema é o reaparecimento do déficit nas suas transações correntes do balanço de pagamentos. Trata-se de um "fantasma" que assustou a economia brasileira por todos os anos da década de 90 até os primeiros da década de 2000.

            O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro. Bloco/PR - TO) - Eu quero pedir só trinta segundos a S. Exª, para fazer um registro, porque os alunos já estão saindo.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE) - Pois não, Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro. Bloco/PR - TO) - Quero registrar a presença dos alunos da Faculdade Alfredo Nasser, de Aparecida de Goiânia, que estão aqui nos visitando, estão nas nossas galerias, e os alunos também da Unifan, da cidade de Goiânia, capital de Goiás, nossa belíssima capital - estive lá ontem -, que continua cada vez mais bonita.

            Registro a presença e agradeço a V. Exª, pela compreensão.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE) - Também quero me incorporar à saudação de V. Exª. A todos eles, o nosso abraço e o voto de felicidade.

            Só a partir de 2003, o País começou a registrar superávit nessa conta, e esse cenário se manteve até 2007.

            A partir de 2008, porém, retornaram os déficits em conta corrente, com valores expressivos: US$28 bilhões, em 2008; US$24 bilhões, em 2009; e US$54 bilhões, entre fevereiro de 2011 e fevereiro deste ano.

            Um déficit na conta corrente do balanço de pagamentos pode ser preocupante para a economia, pois tende a sinalizar uma relativa perda de competitividade em relação aos nossos parceiros internacionais, e, sobretudo, que o País será obrigado a financiar esse excesso de dispêndio em importações, recorrendo a capitais estrangeiros ou até mesmo às nossas reservas cambiais.

            Essa situação pode ser agravada com o retorno desejado do crescimento da economia brasileira nesta década. Historicamente, o Brasil tem revelado uma grande sensibilidade com relação ao crescimento das importações de bens e serviços, quando a economia registra elevados níveis de expansão do seu Produto Interno Bruto.

            Outra questão importante, Sr. Presidente, de se observar é o câmbio sobrevalorizado, que traz repercussões sobre todas as variáveis das contas externas brasileiras, sejam comerciais ou financeiras.

            O Real forte vem estimulando os gastos de turistas brasileiros no exterior, exercendo efeito oposto sobre o fluxo de turistas estrangeiros que visitam o Brasil. Dados dos últimos anos ilustram bem este caso: entre 2003 e 2004, o País registrou um resultado positivo na conta de viagens internacionais, entre US$200 milhões e US$350 milhões. A partir de 2005, o quadro se inverteu de forma drástica: entre 2008 e 2009, o saldo dessa conta tornou-se negativo, apresentando déficit superior a US$5 bilhões, com aumentos sucessivos a partir de então.

            Um impacto muito maior é exercido nas contas financeiras. Um Real forte estimula as remessas de lucros e dividendos de empresas estrangeiras para as suas matrizes. Ao comprar moeda estrangeira a baixos preços, muitas empresas preferem remeter lucros e dividendos para fora, em vez de reinvestir na ampliação de seus negócios, sobretudo quando a conjuntura econômica não apresenta grande potencial de crescimento.

            Nos anos recentes, as informações sobre o item lucros de dividendos atestam bem esse fato. De um total de pouco mais de US$6 bilhões remetidos para o exterior, no ano de 2003, esses valores cresceram continuamente, alcançando US$23,6 bilhões, em 2007, e US$35,4 bilhões, em 2008. Em anos mais recentes, esses valores apresentam tendência a um crescimento ainda maior.

            De igual forma, um Real com uma firme tendência a se valorizar tende a provocar uma reação, por parte de investidores especulativos, de investir e reinvestir, com mais frequência, seus capitais nas bolsas de valores, realizando os lucros da subida das ações. E, depois, retornam para comprar mais ações a preços mais baixos, por conta dos movimentos oscilatórios exatamente provocados pelas entradas e saídas desses recursos.

            Os investimentos diretos também são afetados pela valorização da moeda local, já que os recursos externos passam, com a valorização, a ter menor poder de compra no mercado nacional.

            Srªs e Srs. Senadores, o somatório desses desafios apresenta bastante complexidade para a sua solução. Alterar o sistema cambial de modo a torná-lo mais consistente com uma ativa política de promoção de exportações é uma prática condenada pelos organismos financeiros internacionais.

            Políticas de câmbio desvalorizado foram praticadas, durante muitos anos, por países como Coreia, Taiwan, Cingapura e pelo Japão, em décadas recentes, e são praticadas pela China atual, mas tais países sempre sofreram pressões dos países desenvolvidos para valorizar as suas moedas e reduzirem a competitividade que um câmbio desvalorizado propicia.

            A criação de fundos soberanos ou de fundos de estabilização - voltados para evitar que o excesso de recursos externos entre na economia - tem sido um caminho bastante utilizado por muitos países, como Noruega, Botsuana, Tailândia e Malásia, entre tantos outros. Outra medida é permitir que parte dos recursos dos exportadores fique depositada em instituições financeiras no exterior.

            O problema cambial no Brasil e a ausência de algumas políticas na área da regulação do ingresso de capitais, principalmente os de curto prazo, podem agravar seriamente a situação das contas financeiras do País, caso medidas criativas não sejam concebidas em prazo relativamente curto.

            Sr. Presidente, o Brasil deverá enfrentar alguns importantes desafios nas esferas comercial e financeira relativas às suas relações com a comunidade internacional. O primeiro desses desafios é a tendência à "comoditização" da pauta de exportações. Embora o Brasil tenha registrado um notável avanço em termos de diversificação do seu comércio exterior por destino das exportações e origem de suas importações, o desempenho brasileiro tem ficado muito aquém do desejável no que tange à diversificação de sua pauta de exportações e ao conteúdo tecnológico dos produtos exportados.

            A despeito de todos os itens de seu comércio com o exterior terem se expandido a taxas elevadas ao longo da última década, a pauta do comércio de exportações tem-se concentrado cada vez mais em commodities, com participações declinantes de exportações de produtos industrializados.

            Não que o Brasil deixe de aproveitar as enormes oportunidades da conquista de mercados mundiais, que refletem a posição privilegiada do País em termos de água, energia e outros recursos naturais, nos quais o Brasil é abundante e a grande maioria dos outros países é crescentemente carente.

            Mas, Sr. Presidente, é importante levar em conta que o Brasil é competitivo em produtos do agronegócio, porque tem uma agricultura moderna e sofisticada e utiliza os conhecimentos gerados por centros avançados de pesquisa na área agrícola. Ademais, o agronegócio brasileiro mobiliza uma ampla e diversificada cadeia de insumos, máquinas e equipamentos, em grande parte produzida no País, gerando expressivo volume de empregos nos setor industrial e no setor de serviços.

            Ocorre que o País não pode se contentar em ser apenas um fornecedor de produtos primários para o mundo. É fundamental que o Brasil desenvolva novas competências não apenas na produção de commodities, mas, sobretudo, no campo industrial e de serviços. E o caminho para esse aperfeiçoamento se dará por meio da criação de novo perfil produtivo e tecnológico. Trata-se de uma necessidade imperiosa para o País ingressar mais rapidamente no grupo das nações desenvolvidas e industrializadas.

            Srªs e Srs. Senadores, apesar da existência de sérios problemas de ordem conjuntural, o maior desafio que o Brasil deverá enfrentar nas próximas décadas está fortemente associado à eliminação das fragilidades estruturais de que o País padece: as relativas ao chamado Custo Brasil. E esse Custo Brasil é, sem dúvida, o resultado de muitos e muitos anos de negligência dos nossos dirigentes e das nossas elites para com a Nação brasileira.

            O Governo brasileiro tem um amplo e profundo diagnóstico desses problemas que afetam a economia nacional como um todo e, de forma específica, o setor industrial.

            A Presidente da República ocupou os cargos de Ministra de Minas e Energia e de Ministra da Casa Civil, participando, dessa forma, de todas as grandes decisões tomadas durante o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Portanto, a Presidente tem plena consciência de que as soluções perenes não serão conquistadas com ações pontuais, traçadas de acordo com o poder de lobby de determinado setor econômico.

            É inimaginável pensar que o atual Governo brasileiro enverede pelos atalhos populistas adotados em países vizinhos.

            Falta ao Governo uma visão estratégica de como enfrentar de forma efetiva os nossos obstáculos de uma infraestrutura precária, operários mal treinados e um sistema educacional que rasteja a passos de tartaruga, enquanto o restante do mundo avança na velocidade de um avião a jato.

            Por último, mas não menos importante, o Governo precisa de coragem política para liderar o debate sobre as duas importantes reformas institucionais para a área econômica, que são as Reforma Trabalhista e Tributária. O nosso sistema tributário talvez seja o mais confuso do mundo e a nossa legislação trabalhista, Sr. Presidente, vem da época da ditadura do Estado Novo, em meados do século passado.

            O vento de cruzeiro que ajudou o Brasil nos últimos anos não vai durar para sempre. E o País precisa estar sólido para enfrentar eventuais tempestades e criar condições para crescer a taxas mais consistentes, solucionando nossos sérios obstáculos estruturais.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, agradecendo sua tolerância e agradecendo também a atenção do Plenário.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2012 - Página 14042