Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a respeito das normas que regulamentam as telecomunicações no Brasil.

Autor
Flexa Ribeiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando de Souza Flexa Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Comentários a respeito das normas que regulamentam as telecomunicações no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2012 - Página 16358
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, REGULAMENTAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, TELECOMUNICAÇÃO, DEFESA, PROJETO DE LEI, REFERENCIA, UNIFICAÇÃO, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, REVISÃO, JURISDIÇÃO, CONCEITO, OBRIGAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, FUNÇÃO, NATUREZA SOCIAL, PROPRIEDADE, CRITICA, PREJUIZO, RESULTADO, REVERSÃO, BENS.

            O SR. FLEXA RIBEIRO (Bloco/PSDB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente, Senador Ivo Cassol, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, após ter se omitido por anos e assim permitido que se configurasse um cenário de difícil solução, no mês passado, a Anatel iniciou, com o apoio do Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, uma das discussões mais relevantes para o setor de telecomunicações.

            Refiro-me, Srªs e Srs. Senadores, ao espinhoso tema de como gerenciar e aplicar o instituto da reversibilidade de bens, previsto nos contratos de concessão dos serviços de telefonia fixa, em um contexto de convergência de redes, em que a separação entre o público e o privado parece ser impossível.

            Para os nobres colegas que ainda não atentaram para o tema, os contratos de telefonia prevêem que, ao seu termo, todos os bens considerados imprescindíveis para que a empresa ofereça o serviço com qualidade e tecnologia adequadas sejam revertidos ao controle da União, que poderá operá-los diretamente ou por meio de um novo contrato de concessão. A legislação também determina que nenhum desses bens seja alienado, onerado ou substituído sem prévia anuência da Anatel.

            O Conselho Diretor da Agência decidiu, de maneira inédita, negar o pedido de autorização da Telefônica/Vivo para vender parte do complexo predial que hospeda a sede da empresa na capital paulista, alegando que o edifício é, sim, um bem essencial à prestação do serviço. Não se sabe explicar por que mudaram os critérios que vinham sendo aplicados desde a privatização, sob os quais tantas outras instalações foram alienadas, mas o fato é que, repentinamente, a Anatel parece ter percebido que esse assunto não pode mais esperar.

            Talvez seja a pressão exercida pelo IDEC, entidade de defesa do consumidor, que vem exigindo na Justiça a apresentação da Relação de Bens Reversíveis. Nesse documento deveriam estar relacionados todos os bens cuja utilização é imprescindível para a adequada prestação do serviço, entre os quais equipamentos, edifícios e cabos. Não quero espalhar a notícia, mas todos sabem que essa lista nunca existiu, embora haja uma tentativa desesperada da Anatel, nos últimos meses, de montá-la em prazo recorde.

            No dia 17 de abril, Sr. Presidente, Senador Ivo Cassol, foi a vez do próprio Ministro das Comunicações dar ênfase ao tema. Segundo noticiado pelo site G1, da Globo, o Ministro teria dito que:

"... se isso não for bem trabalhado, provavelmente nós vamos receber alguns esqueletos e vão querer nos cobrar preço de ouro. Não estamos a fim de pagar caro por uma infraestrutura defasada, que não tenha condições de prestar o serviço com qualidade".

            Ele cogitou a possibilidade de pautar o tema na consulta pública que tratará da revisão do marco regulatório da radiodifusão e das telecomunicações, prometida para este semestre.

            Não se sabe se o governo pretende insistir no modelo patrimonial de gestão da continuidade dos serviços, que se mostrou claramente inviável, ou se pretende adotar outra linha. Como o Ministro sinaliza que enviará uma proposta no âmbito de uma revisão do marco regulatório, imagina-se que o Governo e a Anatel tenham percebido que, sem o aval do Congresso, dificilmente esse problema terá solução.

            Lembramos, Srªs e Srs. Senadores, que apresentamos uma proposta concreta, viável e justa para a questão em 2010, por meio do Projeto de Lei do Senado n° 53. Nela, abordamos não a reversibilidade de bens em si, mas o instrumento que deve ser utilizado para assegurar a continuidade de um serviço cuja oferta compete à União. Ao lado da universalização, a continuidade de um serviço de telecomunicações é um dos objetivos que justifica a escolha do regime público de exploração, Senador Ivo Cassol. E a escolha de explorar a telefonia fixa em regime público não foi feita apenas pelo Presidente da República, ao encaminhar, em 1997, o projeto da Lei Geral das Telecomunicações ao Poder Legislativo. Essa decisão foi tomada pelo Congresso e expressa em lei. Por isso, cabe a esta Casa revê-la, se necessário.

            A sociedade questiona hoje por que não se faz o mesmo com os serviços de banda larga. Afinal, são ainda mais essenciais à população do que a telefonia fixa era à época da LGT. Além disso, universalização e continuidade estão, inegavelmente, entre os objetivos principais a serem alcançados em relação à oferta de banda larga no País. Todos os requisitos legais para adoção do regime público estão satisfeitos. Contudo o governo, embora tenha até recriado a Telebrás para ajudar na tarefa - talvez por não confiar plenamente nas empresas - nem cogitou adotar o regime público como base para consecução do Plano Nacional de Banda Larga.

            Argumento em minha proposta, Senhor Presidente, que a causa principal a explicar esse perigoso distanciamento que vem sendo estabelecido entre o que estabelece a Lei Geral e a efetiva ação regulatória é a adoção de um método equivocado para garantir a continuidade dos serviços essenciais. A reversibilidade de bens pode ser um bom método para a concessão de rodovias, mas está claro que não é o melhor para a prestação de serviços cuja tecnologia se torna obsoleta a cada cinco anos.

            Nesse sentido, o Ministro das Comunicações está certo quando se preocupa em recuperar apenas "esqueletos" em 2025. Mas é preciso reconhecer também que a reversibilidade de bens na telefonia fixa não trará bons resultados para ninguém. Todos perdem com essa provável disputa: o Estado, as empresas e, principalmente, os consumidores.

            Na perspectiva das empresas, não faz sentido colocar seu patrimônio e seus investimentos em risco, sujeitos a uma futura e incerta decisão da autoridade política do momento sobre a reversibilidade de bens que estejam sendo utilizados, por questões de eficiência, por serviços prestados em diferentes regimes, ou seja, na mesma rede passa a telefonia fixa, pelo regime público, e a banda larga, pelo regime privado.

            Na perspectiva da sociedade em geral e do próprio Estado, a gestão dos bens reversíveis, como se mostra inviável, representa um perigo para a continuidade do serviço ao final da concessão, além dos efeitos perversos ao longo do contrato, pois inibe investimentos na infraestrutura que esteja envolvida na prestação de serviços em regimes distintos.

            Em um País com grande heterogeneidade socioeconômica, o conceito de serviço público, ao qual se relacionam obrigações de universalização e continuidade, ainda é muito útil para assegurar a oferta de serviços essenciais a uma parcela expressiva da população. Assim, faz sentido que continuem a existir, na atual ordem constitucional, regimes jurídicos distintos na oferta de infraestrutura, que ressaltem as diferenças entre uma atividade econômica e a oferta de um serviço público.

            No PLS n° 53, de 2010, propusemos uma revisão do conceito jurídico de "obrigações de continuidade", para eliminar uma confusão conceitual que se fez entre continuidade e qualidade de serviço. Na questão do método empregado, propusemos substituir o instituto da reversibilidade pelo princípio constitucional da "função social da propriedade", suficiente, a nosso ver, para destituir qualquer prestadora do direito de suspender permanentemente a oferta de um serviço essencial, inclusive aqueles prestados em regime privado.

            E essa é mais uma vantagem de nossa proposta, Srªs e Srs. Senadores!

            Afinal, não se pode admitir, por exemplo, que uma operadora celular, com milhões de clientes de telefonia e de acesso à Internet no País, decida unilateralmente encerrar suas operações no Brasil, descontinuando um serviço essencial por tempo indeterminado. No atual modelo regulatório, entretanto, simplesmente por ser regime privado, esse direito lhe é assegurado e, para derrogá-lo, a única saída constitucional é exatamente apelar para a "função social da propriedade" sobre as redes que suportam o serviço.

            Quando se discute continuidade, portanto, o regime de exploração faz hoje toda a diferença. E a obrigação de reverter os bens ao final da concessão é o único empecilho, a nosso ver, para que se revigore a utilização do regime público. O que importa é garantir que a oferta de um serviço essencial não seja descontinuada permanentemente, mesmo que tenha se tornado economicamente inviável, por decisão unilateral de um agente privado.

            Por fim, o projeto estabelece que, nessa conversão do instrumento de garantia da continuidade, a Anatel apure o valor econômico que será devido pelas concessionárias com o fim da obrigação de reversão. Esse valor será apropriado pela sociedade na forma a ser definida pelo governo ou pelo próprio Congresso. Poderiam ser negociadas, por exemplo, ampliações no atendimento à população ainda excluída do consumo de serviços de telecomunicações.

            Esperamos, Sr. Presidente, que a discussão desse projeto, paralisada na Comissão de Constituição e Justiça há mais de um ano, seja retomada imediatamente, no sentido de aprimorá-lo, de forma que possamos oferecer ao Governo e ao setor de telecomunicações uma solução adequada para a questão.

            Eram essas as considerações que tinha a fazer nesta oportunidade, Sr. Presidente.

            Quero apenas solicitar que se retorne a discussão do PLS nº 53/2010 para que possamos, com a inclusão na pauta da CCJ, retomar a discussão desse importante projeto.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2012 - Página 16358