Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento, hoje, do Sr. Vanderley Alves dos Reis, o cantor Wando; e outro assunto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento, hoje, do Sr. Vanderley Alves dos Reis, o cantor Wando; e outro assunto.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 09/02/2012 - Página 1283
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, VOTO DE PESAR, CANTOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), HOMENAGEM, CONTRIBUIÇÃO, MUSICA BRASILEIRA.
  • HOMENAGEM, CANTOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MOTIVO, ENCERRAMENTO, CARREIRA, REGISTRO, CONTRIBUIÇÃO, MUSICA BRASILEIRA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Sarney, Senador Roberto Requião, que está... Quem está na Presidência? O Senador Cícero Lucena?

            Senador Cícero Lucena, Srªs Senadoras, Srs .Senadores, eu havia preparado e hoje vou falar a respeito da Rita Lee, por causa de sua extraordinária carreira e pelo fato de ela ter anunciado o seu último show, em Aracaju, Sergipe, na semana passada.

            Mas quero antes aqui prestar um tributo, uma homenagem, e assim apresento requerimento de inserção em Ata de voto de pesar pelo falecimento hoje do cantor Vanderley Alves dos Reis, o Wando,, aos 66 anos, de parada cardiorrespiratória, no Hospital Biocor Instituto, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, e apresentação de condolências à sua mulher, Renata Costa Lana e Souza, seus filhos e netos.

            Natural de Cajuri, na Zona da Mata, Vanderley Alves dos Reis, o Wando, como foi carinhosamente apelidado pela avó, nasceu em dois de outubro de 1945, num arraial chamado Bom Jardim, em Minas Gerais. Lá ficava a fazenda que pertenceu a seus avós. Ainda criança, mudou-se para Juiz de Fora, onde concluiu o antigo curso primário. Mais tarde, foi para Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Nessa cidade, trabalhou como entregador de leite nas casas, vendedor de jornal, motorista de caminhão e feirante. Foi também nessa época que passou a se interessar por música, dedicando-se ao estudo do violão clássico. Entretanto, ao descobrir que o violão clássico não atingia seus objetivos, que era tocar para as moças, como ele dizia, começou a compor canções de amor.

            Após deixar a profissão de feirante, Wando se mudou para Congonhas, em Minas Gerais, onde passou a viver da música, como integrante de um conjunto chamado Escaravelhos. Cinco anos mais tarde, decidiu tentar a sorte no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. De início, sua passagem pelo Rio foi frustrante. Seguindo para São Paulo, conseguiu seu primeiro sucesso, na voz de Jair Rodrigues: “O importante é ser fevereiro”, música muito tocada no Carnaval de 1974.

            A guinada em direção ao repertório romântico se iniciou em 1975, com a música Moça, do disco Wando. Então, tantas pessoas cantaram: “Eu quero me embolar nos seus cabelos, abraçar seu corpo inteiro e morrer de amor, de amor me perder”.

            Ao longo da década de oitenta, Wando consolidaria a reputação, como ele mesmo dizia, de "obsceno, o cara da maçã, o cara das calcinhas". Por que cara das calcinhas? Porque eram tantas as moças que jogavam calcinhas em direção a ele, durante seus shows, que ele simplesmente resolveu passar a colecionar calcinhas. Tanto é que, quando de sua convalescença a fábrica de calcinhas Duloren desejou-lhe a pronta recuperação.

            Ao longo da década de oitenta, Wando consolidaria a reputação. E é desse período, quando o cantor já vivia no Rio de Janeiro, sua música mais conhecida “Fogo e Paixão” do disco "O mundo romântico de Wando", de 1988 - onde ele diz coisas tais como “quando tão louca, me beija na boca, me ama no chão”. Antes disso, aconteceram outros sucessos, tais como "Gosto de maçã", 1978; "Gazela", 1979; "Fantasia noturna", 1982; "Vulgar e comum é não morrer de amor", 1985; e "Ui - Wando paixão", de 1986. Nessa seqüência, vieram, entre outros, "Obsceno", 1988; "Depois da cama", 1992; e "O ponto G da história", 1996.

            Entre álbuns de estúdio e registros ao vivo, o site de Wando contabiliza 28 trabalhos. O cantor acreditava ter vendido dez milhões de discos, como dizia, "até na época que a gente contava".

            Em entrevista à Agência Estado, em 2007, Wando comentou sua imagem de sedutor: "Na verdade, eu sou como um ator. Até porque eu estaria morto hoje se fosse mesmo assim; isso é um personagem, naturalmente. É normal que as pessoas pensem que eu sou desse jeito, mas não deixo que as pessoas alimentem muito essa imagem".

            Em janeiro último, Wando foi hospitalizado com quadro de angina. Nessas semanas, o artista lutou contra o entupimento das três artérias coronárias. Ele chegou a ser submetido a duas cirurgias e teve um infarto agudo dentro do hospital.

            Em 2011, com o lançamento do documentário "Vou rifar meu coração", de Ana Rieper, que trata do imaginário romântico, erótico e afetivo dos brasileiros a partir das obras dos principais nomes da música popular romântica, dentre eles, Wando, o cantor voltou a ser lembrado. Nosso povo gosta das histórias da vida amorosa de pessoas comuns, em situações reais. Wando dá um depoimento no qual confessa que suas músicas falam de sua vida, seus amores, seus sofrimentos, suas alegrias e frustrações. Por isso, os brasileiros o entende tão bem.

            O corpo do cantor será velado a partir das 17h desta quarta-feira no Cemitério Bosque da Esperança, em Belo Horizonte. O enterro será no mesmo local, amanhã às 11 horas. Com a morte de Wando, a música romântica perde um de seus ícones.

            Sr. Presidente, eu gostaria agora, ao lado dessa homenagem a Wando, falar de Rita Lee, que, na semana passada...

            Senador Alvaro Dias, eu concedo a V. Exª um aparte, com muita honra.

            O Sr. Alvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Senador Suplicy, eu quero subscrever a manifestação de V. Exª e registrar que, além de um grande artista, Wando ofereceu notável contribuição à campanha por eleições diretas no País. No Paraná, meu Estado, Wando participou espontaneamente de quarenta grandes comícios nas principais cidades paranaenses. Vale, portanto, o registro de V. Exª. A homenagem não é apenas a um artista, a um cancioneiro popular. V. Exª presta homenagem a alguém que teve uma postura cívica e participou de um momento memorável na história política do nosso País, contribuindo com seu talento, voz e canções para atrair multidões às praças públicas e exigir eleições diretas para Presidente da República. A nossa manifestação de solidariedade à família de Wando, aos seus admiradores e amigos, e a V. Exª os cumprimentos pela iniciativa.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Alvaro Dias, por essa importante lembrança, porque, de fato, eu inclusive participei de alguns comícios em Curitiba e em Londrina e ali me lembro, sim, da participação de Wando, ao lado de Fafá de Belém, Osmar Santos, Milton Nascimento, Chico Buarque e tantos outros que participaram da luta pelas Diretas Já. Certamente, Wando, bem como outra cantora, Rita Lee, também foi uma pessoa que contribuiu para que os jovens pensassem nas boas coisas da vida e no amor. Por isso, como Rita Lee ainda outro dia anunciou seu último show, eu gostaria de prestar também uma homenagem a ela, aqui.

            Rita Lee nasceu em São Paulo, em 31 de dezembro de 1947, sob o signo de Capricórnio, ascendente em Aquário e lua em Virgem. Filha caçula de Charles Fenley Jones e Romilda Padula Jones teve duas irmãs: Mary Lee e Virginia Lee. É casada com o músico e compositor Roberto de Carvalho desde 1976 e tiveram três filhos Beto, João e Antonio. E é importante como Roberto e seus filhos estão sempre trabalhando com ela e realizando o trabalho em seus shows e em suas composições

            Em 1976 Rita conhece e se apaixona pela pessoa e pela música de Roberto de Carvalho, guitarrista, pianista carioca que, na época, atuava na banda de Ney Matogrosso. Inicia-se nesse momento um romance que iria se transformar num verdadeiro manancial de criatividade, uma parceria que renderia algumas das obras mais importantes da música brasileira. Em agosto de 1976, aos três meses de gravidez, Rita é presa em sua própria casa, sob a acusação de porte de drogas, num dos fatos de truculência explícita mais revoltantes da ditadura que vinha dominando o Brasil desde 1964. Passou um mês entre o DEIC e o Presídio do Hipódromo e depois foi condenada a regime de prisão domiciliar por um ano. O fato se transforma em escândalo nacional.

            A partir de 1979, Rita e Roberto começam a fazer discos e shows juntos - no formato “dupla dinâmica” - e inauguram uma fase superpop, de enorme empatia popular. Desenvolvem um estilo único, que se manifesta num total de quinze álbuns e extrapola as fronteiras do nosso País. Rolam megaespetáculos, diversos especiais para a TV Globo num sucesso maciço de vendas e execução em rádio. O primeiro trabalho em disco da dupla Lee/Carvalho foi o álbum “Mania de Você” e o sucesso chegou para ficar em canções, além desse megahit que deu nome ao disco, como “Doce Vampiro”, “Chega Mais”, “Papai me Empresta o Carro” e “Corre-Corre,” dentre outras tantas.

            No final de 96, Rita e Roberto se casam oficialmente depois de vinte anos de vida em comum. Também nesse ano Rita se torna a primeira mulher a receber o Prêmio Shell pelo conjunto de obra, e, no ano seguinte, é a artista homenageada do Prêmio Sharp junto com a diva do teatro Fernanda Montenegro.

            Em 98 gravam o platinado “Acústico MTV”, onde além de nova releitura de seus maiores sucessos, conta também com convidados estreladíssimos como Milton Nascimento, Titãs, Paula Toller e Cássia Eller. Faz uma grande turnê por todo o Brasil e alguns países da Europa. A turnê “Acústico” se estende até o fim de 1999. Sucesso total!!!

            Em outubro de 2003, Rita Lee lança “Balacobaco”. O disco produzido por Roberto de Carvalho é composto por 11 faixas inéditas.

            Em agosto de 2004, acontece em São Paulo a travação do MTV ao Vivo Rita Lee, seu 32º disco. Lançado em CD e DVD pela EMI Music entre o final de novembro e o início de dezembro, em menos de um mês Rita Lee recebe Disco de Ouro por esse novo trabalho.

            Para que não pudemos assistir ao último show de Rita Lee em Aracaju, onde cantou as músicas que mais a marcaram. Mas por que estamos falando de Rita Lee? Para entender, temos que dar um rápido resumo das fases da música popular brasileira.

            Conforme Rose Marie Muraro, aqui me lembra, a primeira, que é a do início do Séc.XX, de Carlos Galhardo, Francisco Alves, Orlando Silva com seu "Carinhoso", que vão até os anos 50. Nos anos 60 aparece Roberto Carlos e a Jovem Guarda, iniciando uma fase intermédia que se esgota nos anos 70.

            Esses anos 70 foram no mundo a época da grande revolução das mentalidades começando com os Beatles nos anos 60, iniciando um rock ingênuo, mas que está nos primeiros lugares das listas de sucesso de muitos países até hoje. Eles realmente inovaram em termos de comportamento, que vai da maneira de ser à libertação sexual e ao inicio da revolução dos jovens.

            Rita Lee se inicia nessa época e faz sucesso desde cedo. E um dos seus hits que ficaram foi "Arrombou a festa" em que ela se pergunta assombrada: por que as pessoas levavam a música popular de até então a sério? E diz: "enquanto para mim isto é brincadeira".

            Aí estava a ruptura definitiva, já amadurecida tanto no Brasil como no resto do mundo, trazendo tanto na música clássica quanto na música popular um estilo mais liberto das convenções. Passamos dos "certinhos" aos "iconoclastas". A juventude inicia então aquela revolução das mentalidades, que mais tarde iria eclodir na Revolução Jovem do Séc. XXI, muito mais profunda, mas na mesma linha.

            Agora já se quer derrubar as instituições, seja como na Primavera Árabe, nos indignados europeus e na "Revolução dos 99%" dos Estados Unidos, que estão "infestando" com sua liberdade já não mais as estruturas individuais e culturais e, sim, as estruturas econômicas.

            Rita Lee nasceu na revolução dos anos 70 e, por incrível que pareça, permanece até hoje. Só agora, aos 67 anos, ela se aposenta. E com os palcos lotados. Isso mostra ainda, o desejo de libertação do grosso do povo brasileiro que deve, muito brevemente, se aprofundar na direção de tudo que está acontecendo com os jovens do mundo. Em verdade, ela nasceu em 47, então, aos 64 anos que se aposenta.

            A Revolução dos anos 70 foi um embrião muito mais sério do que parece, mostrando que o sistema capitalista que se baseava no puritanismo sexual e na ausência de crítica intelectual. As classes sociais estavam ainda "obedecendo" ao seu destino. Hoje eles, independentemente de ideologia, se revoltam cada vez mais profundamente querendo reinventar o mundo.

            Como seus antepassados dos anos 70 reinventaram a sexualidade e a cultura popular. No Brasil, Rita Lee foi a última a sobreviver e sobreviveu muito bem, mantendo a chama.

            Muito bem, Rita! Você não é uma mulher que tenha traído esta chama, da qual você ainda é o ícone. Nem a Bossa Nova, nem Chico Buarque, nem Caetano tiveram toda a sua coragem, embora também tenham sido pessoas de extraordinária coragem em contestar tanto que acontecia de arbitrariedade em nosso Brasil. Você vai deixar um vazio até que outra mulher, ou eventualmente algum homem, possa criar uma arte para os jovens que no mundo todo estão dando seu sangue por um mundo mais humano.

            Tive a oportunidade, em João Pessoa, no último dia 31 de dezembro, ao lado de 20mil pessoas, inclusive no dia do aniversário do Professor Dalmo de Abreu Dallari, que completou 80 anos, assistir, na praia de João Pessoa, Rita Lee, e que foi um fenômeno formidável. Ali praticamente todas as pessoas cantavam, animadas, as suas canções.

            Vamos dar alguns exemplos de uma música que você fez nos anos 70 e outras nos anos 80, e uma última dos anos atuais, mostrando toda sua trajetória. Elas são: Arrombando a festa (1972); Lança perfume( anos 80); e Amor e sexo (2003). Esta última já muito mais amadurecida.

            Queria também cumprimentar Heloísa Helena que, em Aracaju, depois que viu que Rita Lee estava sendo conduzida ao distrito policial, foi acompanhá-la e explicou, de forma muito adequada aos policiais que a haviam detido, a contribuição e a importância que ela tinha para todos os jovens e para todos os brasileiros.

            Em Arrombou a festa ela diz os seguintes versos:

            “Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu

            Com a música popular brasileira?

            Todos falam sério, todos eles levam a sério

            Mas esse sério me parece brincadeira

            Benito lá de Paula com o amigo Charlie Brown

            Revive em nosso tempo o velho e chato Simonal

            Martinho vem da Vila lá do fundo do quintal

            Tornando diferente aquela coisa sempre igual

            Um tal de Raul Seixas vem de disco voador

            E Gil vai refazendo seu xodó com muito amor

            Dez anos e Roberto não mudou de profissão

            Na festa de arromba ainda está com seu carrão

            Parei pra pesquisar

            Depois um pouquinho adiante...

            Lança perfume

            Lança menina

            Lança todo este perfume

            Desbaratina

            Não dá pra ficar imune

            Ao teu amor

            Que tem cheiro

            de coisa maluca...

            Vem cá, meu bem

            Me descola um carinho

            Eu sou neném

            Só sossego com beijinho

            Vê se me dá o prazer

            De ter prazer comigo...

            Me aqueça

            Me vira de ponta cabeça

            Me faz de gato e sapato

            E me deixa de quatro no ato

            Me enche de amor, de amor

            Para concluir, Sr. Presidente, Amor e Sexo, que Rita Lee fez com Arnaldo Jabour e outros companheiros.

            Amor é um livro

            Sexo é esporte

            Sexo é escolha

            Amor é sorte

            Amor é pensamento

            Teorema

            Amor é novela

            Sexo é cinema

            Sexo é imaginação

            Fantasia

            Amor é prosa

            Sexo é poesia

            O amor nos toma

            Patéticos

            Sexo é uma selva

            De epiléticos

            Amor é cristão

            Sexo é pagão

            Amor é latifúndio

            Sexo é invasão

            Amor é divino

            Sexo é animal

            Amor é bossa nova

            Sexo é carnaval

            (...)

            Amor é isso

            Sexo é aquilo

            E coisa e tal!

            E tal e coisa!

            Muito bem, Rita Lee! Todas nós nos orgulhamos de você! Parabéns pela sua contribuição à música, à canção brasileira! Parabéns pela alegria que você proporcionou às pessoas de todas as idades, como ainda pude testemunhar na terra do Senador Cícero Lucena, em João Pessoa, o que certamente aconteceu também em Aracaju, Sergipe, diante do Governador Marcelo Déda, de Heloísa Helena e de cerca de mais de 20 mil pessoas!

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/02/2012 - Página 1283