Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamentos sobre as medidas que envolvem a realização, em 2014, da Copa do Mundo no Brasil.

Autor
Cyro Miranda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Cyro Miranda Gifford Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • Questionamentos sobre as medidas que envolvem a realização, em 2014, da Copa do Mundo no Brasil.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2012 - Página 16659
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, REALIZAÇÃO, OBRAS, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, APRESENTAÇÃO, CORRUPÇÃO, COMENTARIO, DEFESA, MANUTENÇÃO, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, BEBIDA ALCOOLICA, ESTADIO, OBJETIVO, APROVAÇÃO, LEI FEDERAL, LIBERAÇÃO, CONSUMO, COMPROVAÇÃO, OBEDIENCIA, BRASIL, RELAÇÃO, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA).

            O SR. CYRO MIRANDA (Bloco/PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado.

            Sr. Presidente Waldemir Moka, Srªs e Srs. Senadores, TV Senado, Rádio Senado, tenho me posicionado com extrema desconfiança em relação a todas as medidas que envolvem a realização da Copa do Mundo no Brasil.

            Tentaram aprovar o uso do FGTS para construir obras de infraestrutura nas cidades-sedes em duas oportunidades, mas ainda bem que a Presidente Dilma vetou. O Congresso aprovou o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), um intruso na Medida Provisória nº 527, com o intuito de agilizar as obras da Copa do Mundo de 2014.

            Lamentavelmente, ainda vejo o fantasma do Pan-americano nessa história toda, porque, com o atraso das obras, tudo indica que haverá uma tremenda farra com o dinheiro do contribuinte. Agora, mais uma vez, tudo indica que vão aprovar a Lei Geral da Copa com o rolo compressor de sempre, e a subserviência tem marcado a atuação deste Plenário nos projetos de interesse do Governo.

            É lamentável, Sr. Presidente, que o Brasil, um país que pretende se firmar no contexto mundial como nação emergente em busca do caminho do desenvolvimento sustentável, ainda não tenha conseguido se livrar do complexo de vira-latas, imortalizado pelo saudoso Nelson Rodrigues. Vale reavivar que a expressão criada por esse nobre dramaturgo e escritor brasileiro originalmente se referia ao trauma sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a Seleção Brasileira foi derrotada pelo Uruguai no final da Copa do Mundo, em pleno Maracanã.

            Para Nelson, o Brasil só teria se recuperado do choque, ao menos no campo futebolístico, em 1958, quando ganhou a Copa do Mundo pela primeira vez. Mas, para ele, esse sentimento de inferioridade não se limitava ao futebol. Nas suas próprias palavras:

Por complexo de ‘vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo...

O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou histórico para a autoestima.

            Não dá, Srªs e Srs. Senadores, para ficarmos abaixados diante das exigências da Fifa!

            Como é que o Brasil luta ao longo de anos contra o consumo de álcool nos estádios e topa dar um jeitinho para quebrar o galho da Fifa? Como é que um país que tem firmado a jurisprudência do “dolo eventual” quando um condutor alcoolizado provoca um acidente pode ignorar o papel, pode ignorar o potencial ofensivo de se permitir a venda de bebidas alcoólicas nos eventos da Copa?

            Isso é brincadeira. É jogar no chão todas as vigas que temos tentado erguer contra o consumo de álcool em estádios e nas estradas. E o que é pior nessa história toda: a Lei Geral da Copa livra a Fifa de qualquer responsabilidade legal em relação aos incidentes e acidentes que porventura ocorrerem durante os jogos.

            O raciocino é bastante simples, Srªs e Srs. Senadores: a Fifa nos obriga a armar uma bomba-relógio com a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante os jogos da Copa e diz: “Olha, se explodir, não tenho nada a ver com isso. O problema é dos brasileiros!”.

            Francamente, um país que se curva dessa forma aos mandamentos da Fifa não merece respeito diante da comunidade internacional.

            Srªs e Srs. Senadores, o amadurecimento político de uma nação se dá pela forma como os Poderes da República respeitam os estatutos legais. O Congresso, como representante do povo e dos Estados Federados, não pode compactuar com atitudes que ferem dispositivos legais. Se agirmos dessa forma, faremos um desserviço à democracia e ao Estado democrático de direito

            Mas, Sr. Presidente, nosso desejo, além de protestar contra a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante os eventos da Copa do Mundo, é oferecer emendas para aprimorar o texto e preservar estatutos legais que fazem parte da sustentação do arcabouço jurídico brasileiro.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - V. Exª me permite um aparte, Senador Cyro Miranda? Se eu puder participar...

            O SR. CYRO MIRANDA (Bloco/PSDB - GO) - Pois não, Senador Casildo Maldaner.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Eu queria, aliando-me ao pronunciamento e à preocupação de V. Exª... Eu não conheço, dizem que foi feito um trato. Quer dizer, isso já faz parte, quando se realizam Copas do Mundo nos respectivos países, sói acontecer isso e aquilo, etc. Para nós no Brasil... Eu pelo menos não sabia das exigências para realizar em 2014 a Copa no País, que estão em toda essa Lei Geral que precisamos aprovar e que estão na pauta para serem discutidas e aprovadas. Algumas delas começam a surpreender. Eu fico também nesta: “Puxa, mas tudo isso?”. Não sei qual é a distância ao redor dos estádios onde acontecem os jogos, não sei se 1km, 2km, 3km, 4km... O Brasil perde sua autonomia em relação ao que se pode vender em um carrinho de mão, pipoca, churros, qualquer coisa... Ele não terá autonomia. Quem vai decidir quem pode e quem não pode é a Fifa. Até com relação a hospitais. Com tudo isso, o Brasil perde, de certo modo, sua independência. Parece que o território não é mais brasileiro. Começam a surgir coisas... Eu acho que esta reflexão nós precisamos fazer até para que a população... Como vamos inculcar na cabeça das pessoas que nós vamos ter de abrir mão desse direito, dessa primazia, que nós não temos mais autonomia nesses dias, que vamos abrir mão da independência. Essa é também a preocupação de V. Exª. Eu até me recordo de um adágio que diz: se alguém muito se agacha algo aparece. Pode surgir isso, fica uma coisa meio... Ao se acocorar demais, perde-se o princípio da independência, não sei até onde. Pelo menos quero manifestar a minha preocupação ao pronunciamento que V. Exª externa na tarde hoje, Senador Cyro Miranda.

            O SR. CYRO MIRANDA (Bloco/PSDB - GO) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner. V. Exª tem razão. Na última audiência pública, ficou patente que o Brasil não assumiu nenhum compromisso em relação à bebida alcoólica. Mas existe, sim, algo forçando uma posição.

            A atual redaçao do art. 27 da Lei Geral da Copa contraria fortemente as disposições de um dos maiores diplomas legais brasileiros, o Código de Defesa do Consumidor. Por isso, consideramos necessária a correção da redação para que os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos eventos das competições sigam, no que couber, tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o Estatuto do Torcedor.

            Nesse mesmo sentido, apresentei, também, emenda modificativa ao art. 26, que altera a expressão "poderão celebrar" para "celebrarão" para dar força ao texto e, de fato, obrigar a Fifa a celebrar os acordos previstos. As pessoas deficientes merecem ter direitos garantidos nas competições que abrilhantarão nosso País a partir do ano que vem.

            Creio, Srªs e Srs. Senadores, que, nos arts. 37 a 47 há um assunto extravagante ao propósito inicial da Lei Geral da Copa: a concessão de prémio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleçoes campeãs do mundo de 1958, 1962 e 1970. Esses artigos são incorporações ao projeto de lei de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre a mesma matéria.

            Entendo que, no texto do PLC em análise, já há muitos pontos cuja discussão deve ser aprofundada. Mesmo meritórios, os dispositivos cuja supressão proponho devem ter discussão própria, separada das questões relativas às competições, o que se fará quando da apreciação do PL n° 7.377, de 2010, na Câmara dos Deputados.

            Ademais, acredito que os dispositivos contrariam a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao criar ação governamental que acarreta aumento da despesa sem estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes.

            São essas as considerações que desejava fazer em relação à Lei Geral da Copa.

            Reafirmo, antes de encerrar, meu repúdio à venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa do Mundo. Isso macula a imagem do Brasil e perpetua a velha pecha do jeitinho brasileiro e do complexo de vira-latas.

            Por oportuno, não poderia deixar de elogiar a Senadora Ana Amélia pelo trabalho realizado como Relatora.

            Por fim, meu muito obrigado. Espero que as emendas sejam acatadas.

            Obrigado, Sr.Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2012 - Página 16659