Discurso durante a 79ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a participação da maçonaria na luta pela abolição da escravatura.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre a participação da maçonaria na luta pela abolição da escravatura.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2012 - Página 18136
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, INFLUENCIA, PARTICIPAÇÃO, MAÇONARIA, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, MOTIVO, DEMONSTRAÇÃO, SOCIEDADE, DEFESA, LIBERDADE, ESCRAVO, EXTINÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim; Srªs Senadoras e Srs. Senadores, Senador Paim é um prazer falar sobre esse tema tendo V. Exª presidindo a sessão e tendo me antecedido nesta tribuna na abordagem do mesmo tema, que é a abolição da escravatura.

            Quero me ater mais, Senador Paim, à questão histórica de como foi possível essa abolição, quem foram os atores principais, porque inúmeros foram os que lutaram.

            Quero me referir sobretudo, Senador Paim, a uma instituição que, no mundo, começando pela Inglaterra e pela França, começou a combater o escravismo. Embora os ingleses tenham sido até os indutores principais da escravidão, historicamente falando, na medida em que os componentes do iluminismo tomaram conta, digamos assim, das ideias na Inglaterra, inclusive fundando a Maçonaria naquele país, começou a prosperar o ideal de que realmente nós temos que ter liberdade, igualdade e fraternidade, independentemente da coloração da pele, da origem social, e isso contaminou, de maneira positiva, todos os lugares.

            Não foi diferente no Brasil! No Brasil, na época do Império, já havia a luta da Maçonaria, primeiro pela própria independência do Brasil, inclusive construída, de maneira engenhosa, por maçons daquela época. Tendo à frente José Bonifácio, que era ministro do imperador, este convenceu o próprio D. Pedro I a ingressar para a Maçonaria. Depois, o próprio D. Pedro decidiu isso no dia 20 de agosto, e, no dia 7 de setembro, ele deu o chamado Grito da Independência.

            Então, na verdade, a Maçonaria está envolvida, de maneira muito profunda, na questão da abolição da escravatura. Quero citar aqui só alguns nomes, Senador Paim, de maçons que lutaram, de maneira muito forte, pela abolição da escravatura: Euzébio de Queiroz, Bento Gonçalves, Davi Canabarro, Ubaldino do Amaral, José Leite Penteado, Ruy Barbosa, Saldanha Marinho, Américo de Campos, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Quintino Bocayuva, Visconde do Rio Branco, Silva Jardim, Barão de Cotegipe, Francisco de Paula Brito, Gê Acaiaba de Montezuma e Rebouças. Esses são alguns, digamos assim, dos que mais se destacaram como maçons, muitos deles negros ou mulatos, como chamavam na época, lutaram de maneira muito contundente, tanto na arquitetura política dos movimentos, como também, até mesmo, na luta de maneira aberta para poder fazer a independência.

            Aqui seguem alguns fatos que eu gostaria de deixar registrados e que são de um artigo do maçom Carlos Nobre, em que ele diz:

Após a morte, em 24 de agosto de 1882, do advogado negro Luiz Pinto da Gama, em São Paulo - cujo sepultamento fora acompanhado por cerca de 3 mil pessoas numa cidade que, na época, tinha 46 mil habitantes - o promotor de justiça e depois juiz Antonio Bento, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de São Paulo, jurou diante do túmulo de Gama em continuar sua obra abolicionista.

Para tal empreitada, foi organizada uma sociedade secreta chamada "Os Caifazes", cujos membros eram recrutados em todas as camadas sociais e nas três principais lojas maçônicas de São Paulo: "América", "Piratininga" e “Amizade".

Essa sociedade retirava a força das fazendas paulistas os escravos e os encaminhava para o Quilombo de Jabaquara, em Santos, ou então para quilombos do Rio de Janeiro (Castellani: 1998).

Já o enterro de José do Patrocínio, jornalista mulato, morto em 30 de janeiro de 1905, contou com um roteiro previamente traçado pelos líderes abolicionistas, para que diversos oradores se revezassem em discursos de louvação ao morto ilustre em determinados lugares da cidade - como a Praça Tiradentes, Campo de Santana, por exemplo -, até chegar ao Cemitério do Caju, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro (Júnior: 1969). acompanhado por Patrocínio, nos anos 1880 do século XIX, se tornara a face popular/militante do movimento abolicionista, travando lutas ideológicas intermináveis com representantes das elites escravocratas. Era uma mistura de Espartaco com Desmoulins [escreveu Joaquim Nabuco, também maçom, em 1999].

            E, aí, Sr. Presidente, Senador Acir Gurgacz, que assume os trabalhos, a Maçonaria veio, portanto, fazendo um movimento. Mesmo antes da própria decretação da abolição da escravatura, já se adotou que todos os maçons não podiam ter escravos. Então, os maçons que eram proprietários de escravos, por uma ou outra razão, libertaram seus escravos de maneira espontânea. Davam, portanto, a sua carta de alforria. Isso foi um trabalho que foi sedimentando, nos próprios negros, a coragem de se organizarem e de lutarem pela sua liberação.

            Há um fato também muito importante para se dizer:

Outros dois negros também se destacaram nas lutas sociais do início do século XIX. O primeiro deles é o médico e advogado Francisco Barbosa Gê Acayaba Montezuma, que chegou a ser a maior autoridade maçônica do seu tempo, pois fora Grande Comendador Soberano do Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, organismo que ele trouxe da Bélgica e que disciplinou a Maçonaria brasileira ainda ascendente no Brasil.

Em 17 de maio de 1865, Acayaba, o Visconde de Jequitinhonha, apresentou no Senado vários projetos de extinção gradual da escravidão, entre os quais se destacam: ao fim de 10 anos, dali em diante, seria concedida liberdade para escravos maiores de 15 anos; e, ao fim de 15 anos, liberdade para os demais, com a cláusula segundo a qual os senhores de escravos seriam indenizados pelo fim do trabalho escravo. Era proposta conciliatória, bem peculiar dos liberais da época.

            Quer dizer, sem querer bater de frente com o imperador, ele procurava fazer a libertação de forma gradual. Mas o importante é que esses inúmeros maçons, a maioria deles, por sinal, negros, se juntaram, mas também os demais maçons, nesse trabalho de consolidar uma luta definitiva pela abolição da escravatura.

            É bom dizer, porque muita gente ainda pensa que não existem negros na Maçonaria. Só que eu citei mais de uma dezena deles. O movimento realmente teve a participação de, por exemplo, Gama, Patrocínio, Rebouças, Montezuma, Paula Brito. Esses foram os afrodescendentes que mais se destacaram numa sociedade antagônica a eles naquele período, pois eram homens com personalidades, almas complexas, nascidos livres; sentiam dores internas profundas ao verem a totalidade dos negros fazendo os serviços mais pesados e humilhantes da sociedade brasileira. Para eles, a liberdade do escravo entrou na ordem do dia das suas ações políticas.

            Então, Senador Acir, é bom que se saiba que, ao fazer este registro... E é lógico que há muitas facetas da importância da abolição da escravatura. O Senador Paim, ao frisar os 124 anos da abolição, falou das injustiças ainda reinantes hoje contra os negros. Mas imaginem, àquela época, o que era pensar em lutar contra os governos para fazer a abolição da escravatura. Parece, quando se lê nos livros escolares do ensino fundamental, do ensino médio, que a abolição foi um gesto de bondade espontânea da Princesa Isabel. Na verdade, não foi. Foi uma luta pertinaz, urdida por muitos homens que adotavam princípios maçônicos de liberdade, igualdade, fraternidade, e que não aceitavam que alguém pudesse se submeter a pertencer a outra pessoa, alguém ser dono de outro alguém. Na Maçonaria, há um principio: para nós, o maçom tem que ser livre e de bons costumes. Portanto, não havia como compatibilizar com o ideário maçônico a coexistência da escravidão no Brasil.

            Lógico, não estou aqui querendo dizer que só a Maçonaria fez a abolição da escravidão no Brasil. Não. A Maçonaria foi talvez a mais importante instituição que se engajou de fato na luta pela abolição da escravatura, como se engajou no grito do Fico de Dom Pedro.

            Na verdade, praticamente todos os primeiros ministérios de D. Pedro I eram constituídos de maçons. O próprio José Bonifácio, que era o Ministro dos Estrangeiros, era maçom.

            Então, é importante ver que essas ideias que eles trouxeram da Europa, notadamente da França e da Inglaterra, de liberdade, de fortalecimento dos direitos coletivos, fizeram com que o Brasil de fato avançasse, embora muitos digam que no Brasil sempre se deu um jeito de fazer uma independência sem guerras, sem derramamento de sangue. Fez-se uma abolição da escravatura sem haver maiores guerras e sem maiores derramamentos de sangue. Também se fez a proclamação da República sem haver lutas fratricidas, embora aqui e acolá, em algumas províncias, tanto na independência quanto na proclamação da República, tenha havido revoltas e até algumas mortes, algumas batalhas.

            Portanto, eu quero, ao prestar uma homenagem aqui aos negros do Brasil, aos afrodescendentes, ao mesmo tempo, fazer este registro para que a história não se perca e não deixe de ficar claro que algumas instituições, como a Maçonaria, não aceitavam, sob nenhuma forma, a violação da liberdade das pessoas.

            Este ponto é fundamental para nós ainda hoje em dia, porque é verdade que, aparentemente, não existe mais nenhum tipo de escravidão, de submissão ou de cerceamento aos direitos dos homens e das mulheres, mas, na verdade, de forma velada ou não, de uma forma ou de outra, aqui ou acolá, nós vemos isso.

            Isso, portanto, tem que ser um combate permanente que nós temos que travar no dia a dia. É isso que a Maçonaria faz, embora de maneira discreta - e eu até me filio àquele grupo de maçons que acham que nós não temos por que continuar, digamos assim, de maneira tão discreta, fazendo as obras que nós fazemos. Desde a época da Inquisição, a perseguição contra a Maçonaria foi violenta e contundente; nos períodos de ditadura no Brasil, a Maçonaria também foi muito coagida e até mesmo obrigada a ficar reclusa nas suas atividades, porque justamente, vendo a história, aqueles que implantaram o regime de exceção, depois do período da Proclamação da República, percebiam que, se a Maçonaria havia participado da Independência do Brasil, da Abolição da Escravatura, da Proclamação da República e do próprio Fico, poderia também fazer movimentos que, de alguma forma, ameaçassem aqueles que gostavam de exercer o poder de maneira ditatorial, sem respeitar as leis e as liberdades individuais.

            Portanto, quero encerrar, Sr. Presidente, pedindo a V. Exª que autorize a transcrição dessas matérias a que me referi, não de maneira integral, para que possam todas elas fazer parte do meu pronunciamento, como um dado histórico, repito, homenageando os afrodescendentes, pois ontem se comemoraram 124 anos da Abolição da Escravatura, mas fazendo esse registro da participação da Maçonaria nesse importante marco da nossa história.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “13 de maio: a Maçonaria e a Abolição da Escravatura”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2012 - Página 18136