Discurso durante a 79ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da revogação do segredo de justiça em favor de fatos relevantes que a justifiquem; e outros assuntos.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, HOMENAGEM.:
  • Defesa da revogação do segredo de justiça em favor de fatos relevantes que a justifiquem; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2012 - Página 18144
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, HOMENAGEM.
Indexação
  • DEFESA, ORADOR, REVOGAÇÃO, SEGREDO, JUSTIÇA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, MOTIVO, VIOLAÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, PUBLICIDADE, ATO PROCESSUAL.
  • DEFESA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, RELAÇÃO, NEGAÇÃO, COMPARECIMENTO, DEPOIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, MOTIVO, INCONSTITUCIONALIDADE, DECLARAÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ROBERTO GURGEL, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, REFERENCIA, EFICACIA, ESCOLHA, INICIATIVA, BENEFICIO, INVESTIGAÇÃO, APURAÇÃO, RESPONSABILIDADE, CRIME, CORRUPÇÃO.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Pedro Taques.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, estamos aguardando a decisão do Ministro Celso de Mello sobre a postulação da defesa de Carlos Cachoeira para adiar o depoimento que ocorrerá amanhã.

            É evidente que aguardamos o não acolhimento dessa pretensão da defesa, já que se trata de estratégia protelatória, que tem o objetivo de ganhar tempo para reduzir o interesse que há hoje na sociedade brasileira em relação às investigações procedidas a partir da Polícia Federal, do Ministério Público e agora pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional.

            Mas, a propósito, Sr. Presidente, volto à tribuna para defender a revogação do segredo de justiça, em razão dos fatos relevantes que justificam essa providência, sustentando-me em jurisprudência firmada em vários precedentes existentes, com julgados já conhecidos de ministros como Paulo Galotti, Celso de Mello, e outros.

            O requerimento que apresentamos à CPI para que, como instituto, vá ao Supremo requerer a revogação do segredo de justiça está subscrito agora pela maioria esmagadora dos integrantes da comissão parlamentar de inquérito. Isso significa que o requerimento será aprovado assim que colocado para deliberação.

            O sigilo judicial imposto nos autos do referido Inquérito viola claramente a regra geral de publicidade dos atos jurisdicionais, não cabendo mais, neste caso específico, a manutenção da restrição à publicidade diante dos fatos de notório conhecimento público, devendo, portanto, ser revogado.

            É preciso enfrentar a realidade sobre a qual se coloca esta CPMI. Nesse sentido, a questão que se indaga deve ser a seguinte: como se pode falar em revogação do sigilo judicial quando esse já não mais existe ou quando se revela inócuo e inconstitucional?

            O próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que o fundamento do segredo de justiça é medida excepcional.

            Ora, não mais há que se falar em violação da intimidade dos investigados, justamente porque os autos já foram expostos na maior vitrine existente no mundo contemporâneo: a Internet.

            Nesse sentido, já havia me pronunciado em reunião da CPI, citando jurisprudência da lavra do Ministro Celso de Mello e do Ministro Paulo Galotti e sugeri exatamente a revogação do segredo de justiça.

            O interesse público, no caso em referência, sobrepõe-se ao sigilo, já que as investigações revelaram a extensa utilização da máquina pública para enriquecimento ilícito de alguns. A quebra do sigilo permitirá a análise, portanto, pela opinião pública, dos fatos que ensejaram a abertura do inquérito, permitindo, assim, uma maior fiscalização.

            Trago importante precedente da Corte Suprema, do Ministro Celso de Mello, que poderia, de uma vez por todas, convencer a comissão e o próprio Supremo, ao apreciar a necessidade de revogar o segredo de justiça. Diz o Ministro:

“(...) não vejo motivo para que estes autos tramitem em 'segredo de justiça', [isto em referência a outro caso], pois existe expectativa de privacidade naquelas situações em que o objeto do litígio penal - amplamente divulgado, tanto em edições jornalísticas quanto em publicações veiculadas na 'Internet* - já foi exposto de modo público e ostensivo."

            Afirmou o Ministro que:

“(...) não custa rememorar, tal como sempre tenho assinalado nesta Suprema Corte, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.

(...)

A Assembleia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior. Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.”

            Portanto, Sr. Presidente, cabe a essa Comissão Parlamentar de Inquérito adotar uma postura moderna e, sobretudo, que vá ao encontro de decisões importantes e incontestáveis, como, por exemplo, na Operação Pasárgada, quando o Ministro Paulo Gallotti, atendendo a pedido feito pelo Ministério Público Federal, revogou o sigilo judicial do inquérito, tendo em vista que não havia mais amparo legal para a manutenção dos dados. O conteúdo já estava em domínio público, e não seria razoável que a sociedade, inclusive a imprensa, ficasse impossibilitada de conhecer os autos.

            É o que se repete agora com essa Operação Las Vegas e com essa Operação Monte Carlo. O cenário é semelhante.

            No mesmo sentido, foi a decisão do Ministro João Otávio de Noronha, no julgamento do inquérito da Operação Mãos Limpas, afirmando que:

“(...) com a realização das buscas e apreensões e as prisões, o caso caiu em domínio público (...) e a imprensa tem noticiado fatos com restrição de informações, o que enseja a distorção delas.”

            É outra situação semelhante à atual: os vazamentos que ocorreram, ocorreram seletivamente, fazendo supor orientação política. Portanto, há uma distorção da realidade. Para corrigir essa distorção, a revogação do segredo de justiça, que possibilitará a divulgação ampla dos autos.

            Esse requerimento, Senador Pedro Taques, foi assinado já por V. Exª também e pela maioria esmagadora dos integrantes da Comissão. Então, creio que haverá consenso na sua aprovação.

            Quero também abordar outras questões. Trata-se da pretensão de alguns, ainda reiterada no dia de hoje, de convocar o Procurador-Geral da República. Nós entendemos, à luz do Direito, que há impedimento absoluto. Do meu ponto de vista, embora não seja especialista, Senador Pedro Taques, não caberia sequer deliberação. Nós podemos invocar a preliminar em respeito à Constituição e não deliberar sobre essa matéria, respeitando essa prerrogativa constitucional do Procurador-Geral da República de ser preservado, ao não depor em CPI, já que o resultado final dos trabalhos de investigação da Comissão será submetido a ele, para responsabilização civil e criminal dos eventuais envolvidos em delitos, que forma praticados e denunciados.

            Vou registrar nos Anais o que diz a Legislação vigente, para depois discutir a questão de mérito. Primeiro, entre as autoridades que podem ser convocadas por qualquer Comissão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, relacionadas no art. 50 da Constituição Federal, estão os ministros de Estado e quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República. Nessa relação não consta o Procurador-Geral da República, ou seja, ele não pode ser convocado por qualquer comissão da Câmara ou do Senado.

            Segundo, o § 3º do art. 58 da Constituição Federal prescreve para as comissões parlamentares de inquérito encaminhamento de suas conclusões, se for o caso, ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Ora, se é o Procurador-Geral da República quem vai promover ações penais ou civis, como é que ele pode ser convocado para depor somente como testemunha, porque ele não é o investigado, na CPI que vai encaminhar os resultados de suas investigações?

            Terceiro, além dos aspectos constitucionais, o próprio Código de Processo Penal, Lei nº 3.689, relaciona situações em que os órgãos do Ministério Público estão impedidos de funcionar.

            O art. 252, em seu inciso II, combinado com o art. 258, impede o funcionamento do Ministério Público nos processos em que tenha servido como testemunha.

            É exatamente esse o caso em que o Procurador-Geral da República está impedido de prestar depoimento em CPI. Ou seja, trata-se de um impedimento absoluto. O Procurador-Geral da República não pode depor, seja em juízo, seja em comissões parlamentares, seja em qualquer outro órgão que promova investigação sobre feito que seja da sua atribuição funcional.

            Mas, Sr. Presidente, nós não concordamos nem mesmo com a convocação da Subprocuradora. E justifico a discordância dessa iniciativa. Essa CPI se instalou para contribuir em investigação que chegue a criminosos que devem ser indiciados aqui e denunciados ao Ministério Público para a necessária responsabilização civil e criminal.

            Temos, diante da amplitude desse escândalo, um tempo escasso para chegarmos às conclusões. Não há razão alguma para ouvir alguém que tenha responsabilidade de contribuir junto ao Procurador-Geral da República para a mais eficiente responsabilização, que é o que se espera do Procurador-Geral da República. O Procurador agiu com correção; a Subprocuradora, da mesma forma. Nós já abordamos esse tema na Comissão Parlamentar de Inquérito.

            Quando chega à mão da Procuradoria-Geral da República o inquérito conseqüente da Operação Las Vegas, os elementos jurídicos não eram suficientes, segundo a Procuradoria, para adotar providências em relação a parlamentares que eventualmente foram citados em ligações telefônicas durante as investigações que tinham por objetivo saber dos vazamentos existentes na Polícia Federal.

            É bom repetir: a Operação Las Vegas foi instalada com o objetivo de investigar vazamentos que ocorriam no seio da Polícia Federal e que comprometiam as operações policiais no combate ao jogo no Estado de Goiás.

            O aparecimento de outros nomes e dos fatos chamados fortuitos, fatos novos, foi consequência dessa investigação. O que chegou, portanto, ao Procurador-Geral da República tinha como objeto a investigação dos vazamentos. E as citações havidas em ligações telefônicas interceptadas, segundo a Procuradoria, não foram suficientes para caracterizar indícios juridicamente sólidos para a instauração dos procedimentos necessários.

            O que se sabe e o que se revelou foi que a Procuradoria, em comum acordo com o delegado responsável pelo inquérito, optou por não instaurar os procedimentos. Se o fizesse, certamente despertaria os investigados, e a Operação Monte Carlo não teria o sucesso que alcançou.

            Poderia arquivar, alegando inexistência de fatos relevantes para a instauração dos procedimentos que caberiam, se houvesse, ao Procurador-Geral da República. Se arquivasse, também comprometeria as investigações. Obviamente, aqueles que usavam aparelho Nextel não o fariam mais, despertados para a existência de uma investigação.

            Ou seja, a estratégia adotada pela Procuradoria-Geral da República foi bem sucedida: houve o prosseguimento das investigações, com a instauração dos procedimentos, via Operação Monte Carlo, e o Carlos Cachoeira foi para detrás das grades; figuras com foro privilegiado passaram a ser investigadas, e o Congresso Nacional pôde instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito.

            Se essa estratégia não fosse adotada pelo Procurador-Geral da República, teríamos esse desdobramento? Ou veríamos uma operação da Polícia Federal, hoje bem sucedida, frustrada em razão da revelação da existência de investigações em curso?

            Naquele momento, o sigilo foi essencial, não só para que o aparelho Nextel pudesse continuar sendo utilizado, já que imaginavam não estariam esses aparelhos grampeados pela Polícia Federal, mas também porque os incautos criminosos puderam ser alcançados pela competente investigação da Polícia Federal no Estado de Goiás.

            E mais, Sr. Presidente: essa estratégia adotada pelo Procurador talvez seja uma das razões da irritação de alguns. Ao não encaminhar ao Supremo e ao não arquivar o inquérito da Operação Las Vegas, o Procurador-Geral da República proporcionou a oportunidade de uma investigação de profundidade e rigorosa que acabou de revelar fatos novos, que envolvem, por exemplo, uma grande empresa do País, a mais privilegiada de todas pelo Poder Público nacional nos últimos anos, a Empresa Delta, que alcançou, em operações referentes a limpeza urbana, aluguel de veículos e obras, 23 Estados da Federação - Municípios, Estados e a União, sobretudo a União.

            Em cinco anos, de 2007 a 2012, foram empenhados mais de R$4,1 milhões a favor da Delta Construções, 90% desse valor através do Dnit, em obras com aditivos generosos; obras, portanto, superfaturas.

            Nós chegaríamos a isso se a estratégia do Procurador fosse outra? Certamente não. A estratégia de prudência adotada pelo Procurador-Geral da República é que possibilita agora a investigação de um dos grandes escândalos de desvio do dinheiro público na República.

            A negociata recente com a compra da Delta pelo grupo que representa o Friboi, que obteve R$16 bilhões, há pouco tempo, do BNDES com juros privilegiados, vem na esteira desse escândalo e leva o Ministério Público do Rio de Janeiro a exigir investigações.

            Tudo isso não estaria acontecendo se o Procurador-Geral da República adotasse outra providência diversa dessa estratégia prudente e inteligente que possibilitou investigações e providências que nos levam, agora, à responsabilidade de investigar uma empresa que, certamente, desviou bilhões de reais dos cofres públicos do País.

            Portanto, a minha conclusão é de que muitos estão irritados não porque o Procurador demorou, mas porque o Procurador não arquivou. Se ele tivesse arquivado, o Cachoeira não estaria na cadeia; se ele tivesse arquivado, a Delta não estaria sendo investigada e o Sr. Fernando Cavendish estaria livre, leve e solto, afirmando que compra políticos e compra Senadores e, no entanto, ele está prestes a ser colocado no banco dos réus da Justiça brasileira.

            Portanto, Sr. Presidente, vamos combater de forma veemente as tentativas de convocação do Ministério Público para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito, porque cabe a ele...

(Interrupção do som.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR) - (...) cabe ao Ministério Público, representado pela autoridade maior que é o Procurador-Geral da República, ser o advogado de acusação no julgamento histórico do mensalão, prestes a ocorrer. Esse desvio de foco tem também essa finalidade: fragilizar, desgastar a autoridade do Procurador-Geral da República como advogado de acusação dos mensaleiros.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2012 - Página 18144