Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

– Comentários sobre o lançamento do Programa Brasil Carinhoso; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • – Comentários sobre o lançamento do Programa Brasil Carinhoso; e outros assuntos.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2012 - Página 18768
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, LANÇAMENTO, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA DE GOVERNO, TRANSFERENCIA, RENDA, ASSISTENCIA, CRIANÇA, FAMILIA, BENEFICIARIO, BOLSA FAMILIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu vou aqui fazer coro com todos aqueles que elogiam o lançamento do programa Brasil Carinhoso. Todos nós que assistimos à apresentação da Presidenta, todos que ontem fomos, como eu fui, assistir ao lançamento do programa temos que reconhecer que esse é um salto positivo, que esse é um salto de generosidade que o Brasil esperou séculos para fazer.

            Mas devo dizer que nem tudo que é bom é suficiente. E o programa lançado ainda não é suficiente, longe está. Pode-se até dizer que a própria Presidenta, durante o seu discurso, disse que isso ainda é pouco. Eu quero ir nessa linha que ela própria abriu à margem: é pouco e precisa ser mais.

            Em primeiro lugar, é preciso lembrar que não basta o carinho às crianças, embora eu ache que seja o mais importante. Aqui está o Senador Paulo Paim, que certamente gostaria de ver também mais carinho com os aposentados. Eu, pessoalmente, gostaria de ver mais carinho com os professores. E não dá para jogar todo o custo do salário dos professores sobre os ombros dos prefeitos, como não dá o Fundeb atual para elevar o salário dos professores como deveria.

            Então, inicialmente, elogiando que tenha havido esse programa, esse salto, fica aqui o registro de que precisamos de outros carinhos, inclusive um carinho muito especial: se o Brasil quer ser carinhoso, há 14 milhões de adultos analfabetos neste País e que ainda não têm um programa avançado, radical de erradicação do analfabetismo.

            Senador, é preciso ser carinhoso também com esses 14 milhões de analfabetos, com os muitos milhões de aposentados, com os dois milhões de professores da rede pública. A Presidente ainda tem tempo de fazer esses gestos carinhosos.

            Quero lembrar também que temos, às vezes, sido mais do que carinhosos - e não vamos usar nenhuma palavra para mostrar o além do carinho - com alguns setores, com os incentivos que são dados à indústria no Brasil, os incentivos que são dados na desoneração da folha de pagamento para beneficiar empresários. As MPs nºs 563 e 564, que estão associadas ao Plano Brasil Maior, devem canalizar R$65 bilhões para o setor produtivo. Ou seja, quando a gente compara esses carinhos ao setor produtivo com os carinhos ao setor social, percebemos que o setor produtivo ainda está sendo mais bem aquinhoado de carinho por parte dos governos.

            Ao mesmo tempo em que quero elogiar o lançamento do programa, quero chamar a atenção para o que vem depois de carinhos feitos e maiores com outros setores que talvez precisem de muito menos. Mas, além disso, quero falar da insuficiência pela necessidade, possibilidade e exemplos que temos de um sistema que vá além do carinho e transforme este País.

            Nós temos hoje 13 milhões de bolsas família sendo distribuídas. Eu estava pensando aqui: se pegássemos de 2004 para cá... Nem tanto de 2001, quando realmente começou no governo Fernando Henrique, nem indo lá atrás, quando começou em 1995, aqui, no Distrito Federal e, quase simultaneamente, em Campinas, porque foram programas muito pequenos. Se considerarmos mesmo de 2004 para cá e se considerarmos que a idade média das crianças, em 2004, que recebiam a bolsa família fosse de 12 anos, essas crianças hoje estariam com 19 anos, ou seja, já são pais que recebem a bolsa família, porque a bolsa família não abriu a porta para que elas pudessem viver sem a bolsa família.

            Um dia, quando contarem a história do programa Bolsa Família, vão reconhecer que é uma elevada generosidade. Tudo começou com o Senador Suplicy com a ideia da renda mínima, que reconheço, quando coloco no meu livro, que criou a Bolsa Escola. A renda mínima foi uma inspiração, e depois veio a Bolsa Escola. Posteriormente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso expandiu a Bolsa Escola; em 1997, o México começou a Bolsa Escola; e o Presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu expandi-la em 2001, no seu segundo mandato.

            Há pouco, tomei conhecimento de um documento publicado pelo Banco Mundial, que tem um mapa indicando por onde se espalharam a Bolsa Família e a Bolsa Escola. Em 1995, só havia dois pontinhos: Campinas e Brasília. Em 1997, três países: Brasil, México e Bangladesh. Em 2008 - e não atualizaram mais -, já havia México, Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Nicarágua, Honduras, Jamaica, República Dominicana, Equador, Peru, Bolívia, Brasil, Chile, Argentina, Nigéria, Burkina Faso, Quênia, Iêmen, Paquistão, Turquia, Índia, Camboja, Filipinas, Indonésia. Trata-se de um programa que começou pequeno no Distrito Federal, quase simultaneamente em Campinas, e que foi se espalhando ao longo do tempo.

            No entanto, o mundo e cada país só devem realmente comemorar quando o número de pessoas que precisam da bolsa escola, da bolsa família diminuir, e não quando aumentar. Quando aumenta, Senador, é prova de generosidade, mas, quando diminui, é prova de justiça. O aumento no número de bolsas família é uma questão de generosidade; a redução daqueles que necessitam desse programa, aí sim, é uma questão de justiça.

            É ótimo termos governos generosos, como é a ideia da renda mínima, que o senhor iniciou, e do Bolsa Escola, que eu, inspirado em parte pelo senhor, apenas coloquei a ideia da vinculação com a educação, e isso foi se espalhando. Mas nós precisamos dar um salto para transformar um programa generoso em um programa justo. Para isso, é preciso uma visão sistêmica.

            Além da renda mínima, a que obviamente ninguém pode se opor, esses programas de transferências condicionadas de renda, que são uma vertente da renda mínima, sem querer dizer qual é qual - como o homem de Neanderthal e o homo sapiens, sem dizer qual é o melhor -, só podem funcionar quando houver outros programas. E aqui, sob o nome inclusive de um keynesianismo produtivo e social, esse é o nome que a gente vem dando a essa filosofia de transferir renda do Estado para os pobres, para que eles produzam o que precisam, tal qual cuidar bem das crianças, tal qual mandar as crianças para a escola, tal qual pintar a casa onde moram, tal qual plantar árvores, tal qual aprender a ler, como aqui, no meu governo, a gente pagava ao analfabeto para que ele aprendesse a ler, comprando a primeira carta que ele escrevesse, Senador Mozarildo - e é uma ideia que a Maçonaria tem apoiado -, nós precisamos de um sistema maior do que o Programa Brasil Carinhoso.

            Por exemplo: se a gente pegasse, ao lado do Programa Bolsa Família, ou Bolsa Escola, e colocássemos um programa para pagar à criança que passasse de ano, mas não dando dinheiro, depositando para que ela só recebesse se terminasse o segundo grau, como fizemos aqui; se nós criássemos o salário pré-escola, que defendo há muitos anos e que é o que a Presidenta ontem lançou com o nome muito simpático de Brasil Carinhoso... Na verdade, no meu governo não era salário pré-escola, no meu governo era Cesta Pré-Escola, porque, Senador Mozarildo, a ideia de pagar para que a criança estude não precisa de fiscalização. Se a criança está em aula, mesmo que o pai gaste o dinheiro, valeu a pena. Já com a criança de menos de seis anos não basta, porque, se o pai gastar o dinheiro, a criança não come.

            Então, o que nós fazíamos? Distribuíamos comida e brinquedos pedagógicos. Bicho só precisa comer, mas criança precisa de comida e de brinquedo que desenvolva o seu potencial intelectual, como, aliás, o Ministro Mercadante, ontem, falou no lançamento do programa, no Palácio do Planalto.

            Só que eu evoluí e, na última versão do meu livro, em que criei essa ideia da Cesta Pré-Escola, que criei no meu governo, eu avancei para o salário pré-escola. E sabe por que, Senador? Porque se a gente paga a uma mãe, e não ao pai, dificilmente ela “torra”, como se diz, esse dinheiro. Ela não vai gastar antes de dar a comida. Mas, mesmo que algumas façam isso, é menos ruim esse desperdício de dinheiro do que a corrupção que termina acontecendo quando o governo compra comida para distribuir em espécie, em material. Então, evoluí para a ideia do salário pré-escola, que a Presidenta ontem lançou.

            A contratação de professores e o aumento salarial custariam 0,4% da receita, gente; 0,1% do PIB. A contratação de professores lá adiante custaria R$16 bilhões, 0,4%; formação de professores, 0,01% do PIB. No último ano desse programa, custaria 0,02%. Contratação de servidores, construção e equipamento de escola, implantação de horário integral, promoção da leitura, tudo isso custaria 4,5% do PIB, depois de implantado. Aí, sim, podemos dizer que, além de simples carinho, nós estamos, de fato, fazendo um gesto de amor muito mais profundo para as nossas crianças e para o futuro do nosso Brasil.

            Eu vim aqui, por um lado, para dizer do meu apoio, da minha satisfação de assistir ontem ao lançamento do programa pela Presidenta Dilma - o Senador Suplicy também estava lá, eu o vi -, mas também cobrar avanços. Não basta passar a mão no rosto; é preciso beijar com carinho as crianças, e isso exige mais do que R$70,00 por mês por pessoa. Isso exige um programa que permita abrir a porta para que as crianças e as famílias dessas crianças, quando adultas, não precisem mais de bolsa escola nem de outra transferência de renda. Podemos ter a renda mínima, porque ela vai além do social, é uma questão de justiça maior. Disso nós precisamos.

            Elogio sem cobrar é elogio que não faz avançar. Para que haja avanço é preciso o elogio sugerindo mais coisas. Não estou criticando, mas sugerindo saltos adiante.

            Eu creio que o Governo brasileiro, desde Fernando Henrique, tem avançado na generosidade, mas não tem dado saltos na justiça. É preciso cobrar, portanto, que além do salto na generosidade, que já é algo, a gente salte na justiça. Na justiça de não ser necessário mais bolsas; na justiça de um País em que todos terão condições de exercer o seu próprio destino com o seu próprio trabalho, com o seu próprio potencial, adquirido graças às rendas, graças às transferências, mas, sobretudo, graças à educação que isso propiciaria.

            Era isso, Senador, mas não posso sair da tribuna sem passar a palavra ao Senador Suplicy, de quem fiz questão de citar, no início, como inspirador, lá longe, como ancestral, ao defender a renda mínima.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Cristovam Buarque, eu quero dizer que fiquei especialmente contente quando o vi. Eu estava do lado direito, V. Exª à esquerda do palco, e notei que era muito importante o seu testemunho, a sua presença ali quando a Presidenta Dilma Rousseff e seus Ministros Tereza Campello, Aloizio Mercadante e Alexandre Padilha lançavam e explicavam os passos do Brasil Carinhoso. Tal como V. Exª, eu também teria mais sugestões para que pudéssemos caminhar além, mas percebi - e V. Exª aqui reconhece - que a Presidenta Dilma caminha na direção daquilo que V. Exª, muitas vezes, aqui, tem pregado, isto é, a importância de se assegurar a plena alfabetização do povo brasileiro, a começar das crianças que, agora, até seis anos, terão toda atenção, uma vez que, junto com o Bolsa Família, com, pelo menos, R$70,00 per capita em cada família beneficiária do Bolsa Família, há um esforço enorme para que, em todo o Brasil, haja devidamente instaladas as creches e outros instrumentos que ali vão na direção do que V. Exª tem pregado. É fato, lembro-me perfeitamente, era por volta de agosto, setembro, quando V. Exª, candidato ao Governo do Distrito Federal, disse-me: “Eduardo, você não quer participar aqui dos comícios?” E fui então participar. V. Exª então disse: “Quero lançar a proposta da garantia de uma renda mínima e vou relacioná-la à educação”. E V. Exª o cumpriu, já na primeira semana no Paranoá, em 1995. Ao tempo em que V. Exª fazia justiça, José Roberto Magalhães Teixeira também lançava, em Campinas, um projeto de natureza semelhante. Já em 97, estava o primeiro projeto pelo qual o Governo Federal, apoiado por todos os partidos aqui, financiaria os Municípios, começando pelos de menor renda per capita que viessem a caminhar na mesma direção. Até que, em 2001, foi para todos e daí transformado, em 2003, no que hoje é o Bolsa Família. Pois quero até convidá-lo, Senador Cristovam Buarque,, para o XIV Congresso Internacional da BIEN - Basic Income Earth Network, a ser realizado em setembro próximo, de 12 a 14, em Munique. A Ministra Tereza Campello foi convidada para, inclusive, fazer o balanço da evolução das transferências de renda e da eventual perspectiva de podermos, um dia, instituir a renda básica de cidadania como um direito universal de todos os brasileiros e brasileiras. Parabéns, Senador Cristovam Buarque, porque o Brasil Carinhoso tem muito a ver com a sua pregação de há muitos anos. Sou testemunha de todo o seu empenho e temos aqui procurado casar o direito de todos a participarem da riqueza da Nação, através de uma renda básica, com o direito universal à boa qualidade de educação. Parabéns.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Presidente, se fosse possível, eu queria mais um minuto para levar adiante uma reflexão sobre o que falou o Senador Suplicy.

            No meu livro, em que coloco a ideia da Bolsa Escola - não chamava Bolsa Escola, chamava-se Renda Mínima Vinculada à Educação -, lá está escrito, como o senhor sabe, o meu respeito ao surgimento da ideia através do já Senador Suplicy. Então, é um filho disso; a única diferença é que um fica mais na renda e o outro fica na educação, mas é um filho. Então, está ali.

            Já está aceito o convite. Por duas vezes o senhor me convida, e eu não pude ir, mas a esse eu não quero faltar, porque acho que está na hora de fazer esse grande balanço dos programas de transferência de renda, condicionados ou não, e o futuro disso.

            Eu concluo dizendo que, um dia desses, eu estive, Senador Mozarildo, em um debate no exterior sobre Bolsa Família, e todos falavam do Presidente Lula e do Programa Bolsa Família. É claro que a gente tem que reconhecer que Lula saiu de quatro milhões para doze, mas eu liguei para o Fernando Henrique e disse: “Presidente, por que o Suplicy, o senhor e eu perdemos a paternidade e todo mundo só vê esse programa como sendo do Governo Lula?” Eu acho que a resposta dele não satisfez, ele acha que é a publicidade. Eu acho que não; eu acho que é porque o Presidente Fernando Henrique demorou demais a começar. Eu levei a proposta a ele, na transição, em outubro de 1994, e, entregando-lhe o livro, disse: “Eu vou começar isso no meu governo”. Eles não quiseram. Levei a Paulo Renato - há umas cartas em que eu indicava -, e ainda não quiseram. Só decidiram fazer depois que o México fez. Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia, começou a elogiar; começou a sair em matérias; e, depois que saiu uma matéria na Times sobre o meu programa aqui, ainda em 1995... Ele demorou muito. O Lula teve a sensibilidade de ampliar o programa e, obviamente, de fazer um gesto técnico: juntar todos os programas que haviam sido criados no Governo Fernando Henrique em um só e gerenciar muito melhor. Lamentavelmente, mudou o nome e, ao tirar de “escola” para “família”, descaracterizou a educação e caracterizou a assistência; ao tirar do MEC a gestão e colocá-la no MDS, caracterizou-o ainda mais como assistência; e, ao misturar um programa educacional com programas de assistência, caracterizou-o mais como assistência.

            Foi um erro qualitativo com um excelente avanço quantitativo e, do ponto de vista de matar a fome, de atender imediatamente às necessidades, temos que tirar o chapéu para o programa. Do ponto de vista de fazer justiça no sentido de diminuir a necessidade de bolsas, ainda estamos um pouco longe, mas, pelo menos, a Presidenta ontem mostrou que estamos caminhando - devagar, para o meu gosto -, mas na direção certa.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2012 - Página 18768