Discurso durante a 81ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do Programa Brasil Carinhoso, lançado ontem pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações acerca do Programa Brasil Carinhoso, lançado ontem pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2012 - Página 19198
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ORADOR, REFERENCIA, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AMBITO, SAUDE, SANEAMENTO BASICO, COMENTARIO, RELAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO, PUBLICIDADE, PROGRAMA DE GOVERNO, ERRADICAÇÃO, MISERIA, BENEFICIO, CRIANÇA, MULHER.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, os nossos colegas da base governista vêm se sucedendo hoje à tribuna, tecendo grandes elogios ao programa Brasil Carinhoso, programa lançado pela Presidente Dilma Rousseff, em cadeia de rádio e televisão, no Dia das Mães, para anunciar que iniciava, naquele momento, um programa para combater a miséria na faixa etária de zero a seis anos. Um programa com três eixos, como se diz atualmente: acesso a creches, ampliação da cobertura à saúde para crianças e reforço à renda familiar.

            Obviamente, ninguém pode ficar contra esses objetivos. Todos eles altruístas e necessários. E até mesmo o nome, Brasil Carinhoso, remete a uma imortal composição do Pixinguinha, que é uma espécie de Hino Nacional de todos os apaixonados.

            Agora, a própria apresentação da Presidente na televisão, que lembrava mais, pela sua feição, uma peça de propaganda eleitoral do que propriamente um anúncio oficial, solene, de uma ação governamental, já nos dá uma idéia do que esse programa envolve: envolve muita, muita propaganda e publicidade.

            Aliás, a equipe do marqueteiro oficial, João Santana, é pródiga em sugerir nomes de programas e subprogramas; programas que sucedem programas lançados anteriormente ou que são itens de um programa já anunciado, mas não concluído. É uma barafunda de nomes. Todos eles muito atraentes, mas nomes de programas que são lançados sem que se possa fazer uma avaliação precisa - sem que o próprio Governo se interesse por isso - do êxito do programa anterior que o programa recém-lançado sucede.

            Esses três eixos, digamos assim, do programa Brasil Carinhoso faziam parte das promessas de campanha da Presidente Dilma Rousseff.

            Creches, por exemplo. A Presidente prometeu, em campanha, construir 6.427 creches. Reparem bem na exatidão do número: 6.427. Não são 28, nem 26. São 6.427 creches, até 2014. Até agora, momento em que a Presidente lança um novo programa, também para construir creches, sabem V. Exªs quantas foram construídas dessas 6.427? Apenas 411.

            Nesse ritmo, a Presidente teria que inaugurar seis creches por dia para cumprir a sua promessa de campanha. Esses são dados do Ministério da Educação.

            No campo da saúde, a situação ainda é mais chocante. Durante a campanha, a promessa era atender gestantes no pré-natal e crianças nos seus primeiros dois anos de vida. De alguma forma, essa promessa está embalada no Brasil Carinhoso.

            Vamos ver o que aconteceu na realidade: o Orçamento de 2012 destinou R$196 milhões ao programa denominado Rede Cegonha, que era um programa que já constava, aliás, da propaganda e da campanha, dos compromissos do então candidato José Serra. Sabem os senhores quanto foi gasto até agora, desses R$196 milhões destinados ao programa - e já estamos a seis meses da execução orçamentária? Oito mil reais. É isso mesmo: R$8 mil. É 0,004%. É um percentual tão irrisório, que fica até difícil a gente pronunciar.

            Outra promessa que até agora não passa de uma peça de marketing: a construção de 500 Unidades de Pronto Atendimento, as UPAs. Até agora, das 500 unidades, foram construídas, no Governo Dilma Rousseff, 31.

            Quer dizer, é muita fumaça e pouco fogo! É muita propaganda e pouca realização!

            Na saúde pública, a situação ainda é mais grave. Ela já teria entrado num colapso total se não fosse o empenho dos governos estaduais, da sociedade civil, através das organizações filantrópicas, e dos prefeitos deste País, que têm a obrigação constitucional de gastar, no mínimo, 15% do seu orçamento na saúde e que gastam muito mais que isso, 30, 35%, com saúde.

            Mas, na área da saúde, um setor que assume hoje no Brasil uma dimensão catastrófica - e eu meço as minhas palavras - é o de saneamento. Neste setor, também pouca coisa foi feita. E nós sabemos a ligação íntima entre o investimento no saneamento e a saúde, especialmente a saúde das crianças, para a qual se dirige hoje, com tanta solicitude, o carinho da Presidente Dilma Rousseff.

            São as crianças as pessoas mais sujeitas às doenças decorrentes da falta de saneamento básico: o índice de mortalidade infantil. E não apenas o índice de mortalidade infantil.

            Há algum tempo, eu fiquei absolutamente estarrecido com um artigo que li no jornal Folha de S.Paulo, escrito pelo Prof. José Eli da Veiga, que repercutia em seu artigo pesquisas que foram realizadas por médicos dos Estados Unidos e da Inglaterra.

            Diz o Prof. José Eli da Veiga, lembrando que o cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia, embora nem sempre a produção seja do mesmo porte. Mas o funcionamento do cérebro, o seu metabolismo, o metabolismo cerebral exige um consumo muito grande de energia.

            Ora, diz o Prof. José Eli: “As infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico”.

            Quer dizer, quando o corpo é atacado por uma infecção parasitária, há uma mobilização das energias que deveriam ser destinadas ao desenvolvimento cerebral e que são voltadas para o combate à infecção.

            “Repetidas diarreias [diz o Prof. José Eli] até os cinco anos de idade roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, podendo comprometer a inteligência para sempre.”

            Isto é um crime contra as futuras gerações.

            Eu não sei se todos os meus colegas têm este dado: o fato de que as infecções parasitárias, as diarréias que acometem as crianças que vivem em locais onde não há rede de esgoto comprometem definitivamente o desenvolvimento cerebral, a capacidade de aprendizado dessas crianças, compromete a sua chance de ser alguém na vida, de tomar conta da sua vida e de ter um futuro profissional melhor do que seus pais têm.

            Segundo a Organização Mundial da Saúde, 25% dos leitos hospitalares no mundo estão ocupados por doentes portadores de doenças veiculadas pela água que seriam facilmente controladas pelas ações de saneamento.

            Esse percentual, no Brasil, Sr. Presidente, que preside a Comissão de Direitos Humanos tão bem nesta Casa, Senador Paulo Paim, atinge 65% da ocupação de leitos hospitalares com pessoas doentes em razão de falta de saneamento.

            Na verdade, o período de investimento mais intenso em saneamento básico se deu nos anos 70, à época do Planasa. Houve um grande avanço em matéria de saneamento: construção de redes de esgoto e de água tratada, mas, mesmo assim, era uma taxa relativamente modesta em relação ao Produto Interno Bruto nesse período, cerca de 0,34%.

            De lá para cá, nos anos 80 e 90, caiu bastante, diminuiu esse índice, ficou em torno de 28%, 25%, de tal modo que o Presidente Lula, quando assumiu o governo, afirmou, com toda a ênfase de que ele é capaz. Ele disse o seguinte - estou citando o Presidente Lula:

Vamos investir em saneamento básico no meu governo, o que não foi investido em décadas neste Brasil. E não faço por mim, faço isso porque acho que as crianças brasileiras têm o direito, já que são pobres, de brincar pelo menos em um lugar em que não disputem com dejetos o lugar das suas brincadeiras.

            Frase forte do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva! No entanto, se a frase é forte, o desempenho foi fraco. O resultado do desempenho do governo brasileiro durante a gestão Lula ficou inferior àquele registrado na década de 90. Das 8.509 ações planejadas para o período 2007-2010, segundo Governo Lula, somente 1.058, ou seja, 12% foram efetivamente concluídas.

            E começa com Dilma Rousseff um novo ciclo de promessas.

            Poderão os nossos telespectadores da TV Senado e aqueles que nos ouvem pela Rádio Senado consultar o YouTube. Podem digitar ali “Dilma” e “saneamento” e verão. Lá nós encontramos a candidata Dilma Rousseff - a própria candidata, e não aquele humorista que faz tão bem o papel de Dilma Rousseff nos programas de televisão -, a própria candidata, num programa de rede nacional, prometendo triplicar o investimento em saneamento e anunciando a meta de zerar o déficit do setor, programa eleitoral do PT.

            Vamos aos resultados. Agora já estamos há um ano e meio no Governo Dilma.

            Em 2011, dos recursos previstos para os programas de Implantação e Melhoria do Sistema de Esgoto Sanitário em Municípios de até 50 mil habitantes e de Apoio à Qualidade de Consumo Humano, apenas 16% foram efetivamente gastos.

            Vejam a discrepância entre a promessa e a realidade; entre aquilo que foi prometido e aquilo que foi feito. Desse programa, para o qual devem ter encontrado um nome de fantasia no seu lançamento, apenas 16% foram executados.

            E os dados do IBGE são acachapantes. Eu comentava há pouco com o Senador Roberto Requião e com o Senador Armando Monteiro: apenas metade dos Municípios brasileiros possui rede de esgoto. A maioria, 63%, deposita os seus lixões a céu aberto, sem nenhum tratamento. Os aterros sanitários estão presentes em apenas 13% dos Municípios, com grave comprometimento do lençol freático e, portanto, da qualidade da água consumida pelos brasileiros.

            No meio rural, 14 milhões não têm acesso a água próximo a sua moradia. É lata d’água na cabeça, nas costas de mulheres, de crianças, as mesmas que a Presidente pretende atender com o Brasil Carinhoso. É sobre as costas delas que recai a sobrecarga da tarefa doméstica de ir buscar água num lugar distante. Água nem sempre de boa qualidade, para dizer o mínimo, para o consumo doméstico, evidenciando que o saneamento rural tem sido deixado no segundo plano, inclusive nos assentamentos de reforma agrária promovidos pelo Governo.

            A situação do esgotamento sanitário - retomo o tema - é gravíssima.

            Cerca de 83% dos brasileiros que vivem nas cidades - estamos excluindo, agora, a zona rural - não dispõem de esgotamento sanitário adequado, sendo que 36 milhões vivem nas regiões metropolitanas. A demanda por tratamento de esgoto, então, nem se fala. A taxa de esgoto coletado é mínima, largamente insuficiente. Há capitais no Brasil em que o atendimento por rede de esgotos para afastar das residências os dejetos beira a 10% ou a 6%, especialmente no Norte e no Nordeste do nosso País.

            Ora, para amenizar esse tipo de problema, bastaria que a Presidente cumprisse as promessas já feitas. Seria uma atitude muito mais carinhosa, muito mais carinhosa, para usar a expressão cunhada pelo marqueteiro oficial no lançamento do Dia das Mães, se a Presidente, em vez de lançar um novo programa, cumprisse as suas promessas. E o Governo faz de tudo para que as promessas não sejam cumpridas.

            O dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, a partir da Resolução nº 3.204, do Conselho Monetário Nacional, de junho de 2004, passou a ser aplicado, cada vez mais, em títulos do Tesouro em vez de ser aplicado nas finalidades para a qual ele, o FGTS, foi criado: habitação e saneamento básico. Aplica-se em títulos do Tesouro para poder financiar a dívida pública brasileira. Por quê? Porque o título do Tesouro rende mais que as prestações da casa própria ou, eventualmente, as tarifas do serviço de água e de esgoto.

            Os investimentos públicos avançam em ritmo lento e não foi por falta de marco regulatório, como se alegou durante certo tempo. Lembrava, ainda há pouco, o Senador Armando Monteiro que já temos um marco regulatório para o saneamento básico, que é a Lei nº 11.445, de 2007, que veio exatamente para cumprir essa função. Um marco regulatório que pudesse criar condições para que houvesse também investimento privado no saneamento. No entanto, os problemas da economia brasileira, que afetam as dificuldades de investimento em outros setores, também afetam o saneamento básico.

            É a taxa de juros, é a burocracia, é a própria pobreza do povo que tem dificuldade em pagar tarifas adequadas. Seria preciso investimento público de porte para que essa meta anunciada pelo Presidente Lula e reafirmada pela Presidente Dilma - a universalização do acesso à água, coleta de lixo e saneamento básico - pudesse receber, nos próximos 18 anos, o correspondente a R$20 bilhões por ano.

            No entanto, estamos muito longe disso. Mesmo com o aumento dos recursos para o saneamento básico nos últimos anos a título do PAC, a maioria dos projetos ainda não saiu do papel.

            Um levantamento divulgado no início de abril deste ano pelo Instituto Trata Brasil mostra que das 114 principais obras de saneamento da primeira fase do programa do PAC, apenas 7% delas estão prontas. Entre as demais, 32% estavam paralisadas e 23%, atrasadas. E muitas obras não passaram sequer pela primeira inspeção para ver se estavam sendo feitas adequadamente.

            Sr. Presidente, para concluir, queria lembrar que já que falamos há pouco sobre a carga tributária que pesa sobre os investimentos no saneamento, tramita nesta Casa um projeto de lei que foi apresentado pelo Senador Aécio Neves, que visa concretizar um compromisso que foi da Presidente Dilma e foi também do seu principal opositor, José Serra, durante a campanha eleitoral.

            Sou relator dessa matéria na Comissão do Meio Ambiente. Pretende o Senador Aécio Neves, com a sua proposição, reduzir a zero as alíquotas de Cofins e de PIS/Pasep incidentes sobre a receita bruta decorrente da prestação de serviço de captação, tratamento e distribuição de esgoto.

            Tributar serviço de saneamento básico significa transferir uma boa parte da capacidade de investimento para a União. E esses recursos não serão investidos; serão aplicados na formação do superávit primário.

            A aprovação de uma medida desse teor - alívio da carga tributária que pesa sobre o faturamento dessas empresas de saneamento básico - já daria por si só, uma capacidade extra de investimento, que contribuiria imensamente para que a meta anunciada pelos Presidentes que se sucedem - Lula e Dilma Rousseff -, para que esse objetivo que atende a saúde da criança especialmente, para que esse objetivo que significaria um gesto concreto de carinho para com as crianças brasileiras seja atingido.

            Fica aqui, Sr. Presidente, esta palavra de esperança de que alguma coisa se mova, porque, do jeito que está, estamos condenados a nos apresentar na Conferência Rio+20 - só se fala em Rio+20 ultimamente - com esta verdadeira vergonha nacional, da qual pouco se fala, que é o ínfimo índice de saneamento básico para os brasileiros, especialmente para os brasileiros dos bairros mais pobres e das regiões mais pobres de nosso País.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2012 - Página 19198